Eles nasceram nesse imenso país tropical. Ela no frio de Porto Alegre, RS; ele no calor do nordeste, em Coroatá, MA. Ela em uma família de origem judia, de imigrantes russos, classe média; ele de origem humilde, na mais baixa faixa da pirâmide social, seus antecedentes vieram de Benin, na África, em navio negreiro.
Os dois nasceram no mesmo mês e ano, março de 1934, o mesmo mês e ano que nasceu minha saudosa e inesquecível mãe. Apenas mais uma coincidência, os dois morreram no mesmo dia, no último sábado, 09 de julho.
Acabaram as coincidências e começaram as enormes diferenças. O que diferencia os dois no intervalo de 87 anos? O modo de vida e os caminhos que os dois trilharam.
Ela, Lily Safra, uma das mulheres mais ricas do mundo, morreu no sábado (9) em Genebra, na Suíça, aos 87 anos. Informou a Fundação Edmond J. Safra, da qual Lily era presidente.
Segundo a revista Forbes, Lily ocupava a 12ª posição na lista das mulheres brasileiras mais ricas do mundo em 2021. A brasileira mais rica é Lucia Maggi, que cofundou a Amaggi em 1977, uma das maiores produtoras de soja; aos 89 anos e com um patrimônio de US$ 6,9 bilhões é mãe do ex-governador de MT e ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi.
Na relação atualizada do ranking de bilionários da Forbes, Lily era a número 2.117 entre as pessoas com maior patrimônio no planeta. Nascida em Porto Alegre, sua fortuna é atribuída às heranças de seus quatro casamentos. Ela também foi casada com Alfredo Monteverde, fundador do Ponto Frio, hoje controlado pelo grupo Via Varejo. Monteverde suicidou-se em 1969.
Por 23 anos Lyly foi casada com o banqueiro Edmond Safra — ele morreu em 1999, durante um incêndio em seu apartamento em Mônaco. De origem libanesa, os irmãos Safra são multimilionários, donos de bancos em diferentes países.
Ele, José Lourenço da Silva, aposentado, viveu se equilibrando com o salário mínimo, pago pelo governo, no valor de R$ 1.212,00. Morador de Coroatá, Maranhão, estava na capital, São Luís, quando morreu, sem dar trabalho. “Levantou no sábado, escovou os dentes, tomou um frugal café, voltou para cama, e silenciou”, narrou um parente. A filha estranhou ele continuar deitado além do normal, foi vê-lo, já havia partido. José Lourenço viveu 87 anos com muito pouco, o muito que conheceu foi a privação de muitas coisas que o dinheiro compra.
Lily, com todo o dinheiro que tinha, lutou por algum tempo contra um câncer de pâncreas, que a levou ao meio-dia de sábado.
Entre milhares de bens, Lily Safra foi dona da casa mais cara do mundo, a vila La Leopolda, na riviera francesa, que pertencera a Giovanni Agnelli, dono da FIAT. A casa foi vendida para um magnata russo por 550 milhões de euros. José Lourenço deixou uma pequena casa de taipa, chão de cimento varrido, em sua terra natal, Coroatá. Único bem que amealhou durante sua passagem por aqui.
Lily Safra foi casada quatro vezes, com homens ricos e bem sucedidos, deixa três filhos do primeiro casamento com o empresário gaúcho Mário Cohen. José Lourenço, homem simples, tinha a alegria de viver, povoou a terra, teve 18 filhos com cinco mulheres.
A notícia da morte de Lily Safra tomei conhecimento pelos jornais, canais de TVs e internet, foi notícia mundial; já conhecia sua trajetória de grande locomotiva do net set internacional. Tomei conhecimento da morte de José Lourenço da Silva na segunda feira, por Vadico, nosso pedreiro e quebra-galho, que era seu genro, e veio nos tirar de um aperto.
Pouco foi noticiado sobre os funerais de Lily Safra, sepultada em Genebra, terra de gente bacana e endinheirada, que visitei na Suíça, em 2015. Não fiquei sabendo como foi, mas deve ter sido com todas as etiquetas e pompas que os granfinos tanto gostam, e fazem questão de preservar.
Já o enterro de José Lourenço foi em sua Coroatá: filhos, parentes e amigos se cotizaram, pagaram R$ 3.500,00, uma pequena fortuna para o padrão da família, para transladarem o corpo, atendendo ao pedido final do falecido.
Não sei se teve choro no velório de Lily, mas no de José Lourenço teve. Choro, muito riso, jogo de baralho, cachaça, café, bolo de puba, e orações. Velaram-no a noite toda na humilde casa; cada um que chegava era apresentado para um irmão que não conhecia. A grande preocupação era quem tinha recebido o último provento de José Lourenço, porque de agora em diante essa renda não existiria mais. O caixão de José Lourenço da Silva, desceu à terra, ao som de hinos da igreja Assembleia de Deus, uma cruz simples de madeira foi fincada sobre a cova rasa, com as iniciais de seu nome, as datas de nascimento e de sua partida.
No futuro, se alguém tiver o trabalho de desenterrar os ossos e colocar em uma bancada, como saber se aqueles ossos foram de um rico ou pobre; feio ou bonito; branco ou preto; inteligente ou burro; feliz ou infeliz. Ninguém sabe.
Como diz o provérbio chinês: “Quando o jogo de xadrez termina, o rei [ no caso a rainha] e o peão vão para a mesma caixa”, e não adianta ter dinheiro, ou espernear.
Não há coisa mais democrática, que nivela a todos, que nem a morte.
Nunca saberemos de onde viemos, por que viemos, para onde vamos e quando vamos, tudo é mistério, mas nossa insensatez faz com que percamos tempos com chorumelas. Caro leitor, amiga leitora, não leve a vida tão a sério, ninguém sairá vivo dela mesmo, nem levará nada, absolutamente nada.
__________
(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes e autor do livro “Das muletas fiz asas”.