“Não será o Centrão que vai servir ao presidente da República, será o presidente da República que vai ter que servir ao Centrão”. Esse é o entendimento do jornalista político e publicitário, José Américo Moreira da Silva, ao comentar o empenho do presidente Jair Bolsonaro para emplacar – como de fato emplacou – o deputado alagoano Arthur Lira, PP, como presidente da Câmara dos Deputados.
Conhecer dos bastidores políticos de Brasília, com 35 anos de experiência, José Américo – ou Zé Américo entre os colegas – diz que Arthur Lira “é um autêntico deputado do Centrão, fisiologista, assistencialista. A política que ele fez, ao longo da vida, foi o do ‘toma lá, da cá’. É um político tradicional do Nordeste que tem mandatos de vereador, deputado estadual, tem lá a presidência do legislativo do seu Estado e caminhou como um político sem grandes expressões”. Mas agora, sem talvez avaliar o que significa ter o apoio do Centrão, o presidente Jair Bolsonaro, na visão de Zé Américo, “se tornou refém deste grupo”.
Zé Américo que já teve passagens profissionais por Aracaju, quando em 1990, trabalhou na campanha do então candidato a governador João Alves Filho que saiu vitorioso, afirmou que o ato do presidente Jair Bolsonaro em entregar 35 projetos aos presidente da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mostra que o governo não trata com seriedade essa questão. “Ou o governo é muito atabalhoado, complicado, confuso, que eu acho que é, ou é totalmente sem noção. Trinta e cinco prioridades para mim não existem. Para ele, bastava o governo escolher cinco projetos.
Hoje, Zé Américo, formado em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), reside em Brasília, onde tem um escritório Rosa dos Ventos Comunicação (zamerico1961@gmail.com) e experiência em diversas campanhas pelo Brasil afora. Ele tem no currículo inúmeras campanhas para prefeito, deputado, governador e três presidenciais: a pré-campanha de Eduardo Campos, as campanhas de Ciro Gomes e Fernando Henrique Cardoso. Foi também comentarista político da CBN.
Esta semana, ele conversou com o Só Sergipe sobre o tema que mais gosta: política.
SÓ SERGIPE – Que impacto a vida dos brasileiros tem com a escolha do novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ambos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro?
ZA – Eu tenho sempre dito que tudo que acontece na vida política impacta a vida das pessoas mais simples até aquelas mais importantes na esfera social. Digo isso, porque ao se eleger um vereador, um prefeito, um deputado estadual ou federal, um senador, um governador, um presidente, você está ali, escolhendo uma pessoa que lhe representará em uma dessas instâncias. E lhe representará como? Defendendo ou deveria defender, os interesses da coletividade. O vereador vai fiscalizar as ações da prefeitura e vai elaborar as leis do município que favoreçam a melhor qualidade de vida, a vivência em comunidade e que melhore a gestão pública. Sem falar que esse vereador será o porta-voz das gestões corriqueiras, do dia a dia, que são problemas de água, saúde, segurança. Então, ele é representante daquela população. Por isso, a importância de saber eleger um representante através do voto. Esse exemplo que dou do vereador serve para o prefeito, que no caso é um executivo, o senador é o representante do Estado junto ao governo federal, e o presidente da República é o mandatário maior. Quando se elege os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, eles são duas figuras importantíssimas para a República. Primeiro porque o presidente do Senado não é apenas o presidente daquela Casa, mas do Congresso Nacional. E o presidente da Câmara dos Deputados é o terceiro na sucessão direta da Presidência da República. Quer dizer que, depois do presidente, vem o vice e na falta deles dois, quem assume os deveres da Nação é o presidente da Câmara.
SS – Qual o impacto na vida dos brasileiros sendo eles aliados ao presidente?
ZA – É muito cedo para avaliar o impacto, mas é certo que existe uma condição favorável de um trabalho de pautas de interesse do governo nessas duas Casas. Houve um pré-alinhamento para a escolha destes candidatos. Então, o Governo Federal, através de Bolsonaro, optou claramente por defender as candidaturas de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Isso nos leva a crer que existirá uma sintonia entre o Parlamento e o Poder Executivo. Mas é apenas uma suposição. Nós já vimos aí que no início tivemos problemas para a escolha dos cargos da Mesa na Câmara e das comissões que funcionam no Congresso Nacional. E aí as disputas se iniciaram, inclusive com ameaça de trancamento da pauta. O que podemos esperar? Que esse alinhamento possa encaminhar pautas importantes para a vida dos brasileiros, a exemplo da Reforma Tributária.
SS – Que os brasileiros deveriam acompanhar o trabalho dos seus representantes no legislativo e executivo, em todas as esferas, isso é óbvio. Mas neste momento, a atenção deveria ser redobrada nas respectivas cidades onde residem, e também acompanhando os representantes em Brasília?
ZA – É fundamental que os brasileiros deixem de lado essa picuinha da questão política, os comentários chulos de que política é coisa de ladrão, que não vale a pena, de que político é isso ou aquilo. Não. Todos nós somos políticos com relação ao vizinho, dentro de casa, no trabalho, até no boteco reunido com os amigos, assistindo a uma partida de futebol. É natural do ser humano exercer a política nas suas diversas instâncias da vida em comunidade. Portanto, não adianta você querer demonizar a política, porque ela faz parte do dia a dia da vida e impacta nela. É importantíssimo que você participe no seu município, acompanhando as atividades políticas da Câmara de Vereadores, da Prefeitura, dos Deputados. E eu sempre digo que é no município que o cidadão mora. Estou no Brasil, mas moro num município do Brasil. É ali que eu vivo, que vou ter minha qualidade de vida, meu trabalho, minha família, meus amigos. É importante que tenhamos uma participação política efetiva e não fiquemos demonizando a política, dizendo que ‘isso não é comigo, é com os políticos’. Quando você diz isso, deixa de atuar e passa a ser representado por alguém que você pouco se importa e que vai decidir problemas que impactarão diretamente em sua vida, ali no caso do seu município. Nesse momento, especialmente, em que vivemos uma crise na saúde pública com essa pandemia, é mais importante ainda a participação das pessoas na vida política do seu município e Estado. Porque estamos vendo agora que tudo aquilo que foi desviado da saúde, prometido e não foi executado, hoje é necessário. Tudo está faltando quando você leva alguém da família a um posto de saúde ou hospital e vê as carências de equipamentos, de recursos humanos. Hoje, vemos que na maioria das cidades não tem o mínimo de infraestrutura para atender a população. Se você olhar para sua cidade e tiver a disposição de analisar, irá enumerar uma série de problemas na área da saúde. Neste momento, é mais que importante acompanhar, avaliar e poder fazer, na próxima eleição, uma escolha bem mais consciente dos que vão lhe representar.
SS – Como analista político e com o know-how de conhecer os bastidores de Brasília há 35 anos, que avaliação o senhor faz deste momento político que o Brasil atravessa? Pergunto isso, por conta do comportamento do presidente.
ZA – Com relação ao momento político que o Brasil atravessa, requer bastante diálogo, atenção. De um lado nós temos um presidente populista, negacionista que diante de uma pandemia de proporções mundiais que é, ele se colocou de forma irresponsável, negando as medidas preventivas, promovendo aglomerações, semeando a discórdia, quando condenava as medidas restritivas impostas pelos governadores e prefeitos pelo país afora. Ele trabalhou contra essas medidas, teve uma postura condenável até mesmo diante da Organização Mundial de Saúde (OMS). Então, essa postura do presidente contribuiu para que tivéssemos mais de 220 mil mortos. Muitas vezes, o presidente chegou a ser cruel a não se importar com essas mortes, dizendo que ‘morrer, todo mundo morre’. E essa postura dele causa preocupação com a estabilidade política do país. Um momento, realmente, muito delicado.
SS – Na quinta-feira, os presidentes da Câmara e do Senado garantiram que a reforma tributária deverá ser aprovada dentro de seis a oito meses. É o começo para que o presidente veja os 35 projetos prioritários entregues por ele a Pacheco e Lira tramitando?
ZA – A Reforma Tributária é importantíssima, fundamental. Não adianta se pensar em um novo Brasil, em um Brasil mais justo, menos desigual, sem uma reforma que possa fazer compensações nessa área fiscal que libere recursos para investimentos e reduza o déficit orçamentário do Governo. Com relação a esse prazo que o presidente da Câmara, reunido com o do Senado, estabeleceu para aprovação da Reforma Tributária, eu acho fundamental. Você tem que ter um planejamento mínimo para esse tipo de ação, tanto na Câmara quanto no Senado. Quando se consegue uma harmonia de propósito entre essas duas Casas, e pelo visto, neste momento está sendo tentado, é bastante promissor. Eu acredito que, caso essa situação permaneça, esse entendimento prossiga, é possível que a Reforma Tributária seja aprovada nos próximos seis a oito meses. A questão é a seguinte: qual Reforma Tributária será aprovada?
SS – Por que o senhor faz esse questionamento?
ZA – Pelo que eu tenho visto, ao longo dos anos, citando só a Reforma da Previdência, nós a tivemos nos governos de Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer. E, agora, uma no governo Jair Bolsonaro que não foi a reforma que o Brasil precisava. Então, qual será a Reforma Tributária a ser aprovada? Se esse debate avançar e tiver amplitude, envolvendo as diversas camadas da sociedade na discussão e formatação do escopo, acredito que poderá ser a Reforma Tributária que venha a somar. Caso contrário, será mais um engodo. Por isso é necessário que tenha uma discussão bastante ampla, seja transparente, e que realmente mostre através de A+B, onde ela está tirando, colocando, quem está perdendo ou deixando de ganhar uma margem muito grande com relação aos impostos e quem está se beneficiando com esse remanejamento. Uma das características desta reforma, que tenho conhecimento, é a unificação de alguns impostos. Nós temos, por exemplo, a questão do ICMS, uma distorção muito grande do que é cobrado em Sergipe, na Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro. Às vezes, até tri-tributação. Uma mercadoria sai de São Paulo e paga impostos por onde passa, até chegar em Sergipe. Então, isso não dá mais. A unificação dos impostos é um dos caminhos. Mas temos que ver o que isso vai resultar no preço do produto final, porque uma coisa é fazer unificação de impostos e isso terminar sendo benéfico para um estado e maléfico para outro. Há um ano ou dois, eu conversei com o ex-senador sergipano Eduardo Amorim, um dos maiores estudiosos da Reforma Tributária e que deixou uma contribuição muito grande, ele fez um levantamento que tinha 98 impostos em cima de alguns produtos. É uma loucura, é inadmissível. E isso precisa ser resolvido o mais rápido possível.
SS – E os 35 projetos entregues pelo presidente?
ZA – Com relação a eles, eu vejo uma ação mais de marketing do que uma ação de um governo que tenha capacidade gestora decente. Eu não acredito em 35 prioridades. Para um ano legislativo, acredito que o governo deveria eleger cinco prioridades e trabalhá-las. Ninguém tem 35 prioridades, é inexequível trabalhar com essa quantidade. Prioridade são as coisas mais urgentes e aí você não tem tantas coisas urgentes. Quando o presidente disse que tinha 35 prioridades, vi que o governo não trata com seriedade essa questão. Ou o governo é muito atabalhoado, complicado, confuso, que eu acho é, ou é totalmente sem noção. Trinta e cinco prioridades para mim não existem.
SS – E quais seriam esses cinco projetos prioritários que o senhor destacaria?
ZA – A PEC 45/19 – Reforma tributária: simplifica o sistema tributário nacional pela unificação de tributos sobre o consumo; PEC 32/20 – Reforma administrativa: altera dispositivos sobre servidores e empregados públicos e modifica a organização da administração pública; PLP 19/19 – Autonomia do Banco Central: define mandatos fixos de quatro anos para os diretores e regras para nomeação e demissão; PL 5877/19 – Privatização da Eletrobras, de forma que a União fique com menos de 50% das ações da empresa; e a PEC 188/19 – Pacto Federativo: descentraliza, desindexa e desvincula recursos orçamentários em favor dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;
SS – No bojo dos 35 projetos, há um polêmico que permite a ampliação do porte de arma, da venda de arma e munição para cidadãos comuns. O senhor acredita que esse projeto vai ter muita discussão? Poderá ser aprovado?
ZA – Com relação a esse projeto que permite a ampliação do porte de arma, da venda de arma e munição, eu vejo como uma pauta ideológica, que pretende manter atiçada aquela camada que apoia o presidente pelas suas posições de extrema direita. Não passará tranquila dentro do Congresso Nacional.
SS – Agora, falando especificamente sobre Arthur Lira. Ele responde por peculato e lavagem de dinheiro, no âmbito da Operação Lava-Jato, e é investigado por sonegação fiscal. Isso afeta tanto a credibilidade dele como a da Câmara?
ZA- Com relação aos processos que responde o Arthur Lira, isso é público e notório. Durante a campanha dele à presidência da Câmara, isso foi evidenciado através de matérias e, pelo visto, não incomodou nem ao Palácio do Planalto, nem aos seus pares que o elegeram. Portanto, com relação à credibilidade interna dele, no Parlamento, não vejo nenhuma preocupação. Ele continua tendo a mesma credibilidade e até maior depois que foi eleito. Sobre a Lava-Jato, essa operação está desmontada pelo governo Jair Bolsonaro, essa semana sofreu o revés muito grande, pois foi extinta em Curitiba, onde tudo começou e teve todo um legado destruído. Essa mesma Lava-Jato que ajudou o Bolsonaro a se eleger. O único ponto negativo do aspecto institucional, com relação a Arthur Lira, nos processos que ele responde e se tornou réu, é que como está na linha sucessória do presidente da República, caso seja necessário ele não poderá assumir a presidência, porque ele é réu num processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Isso é bastante desconfortável e demonstra a qualidade do deputado que se elegeu para presidência da Câmara.
SS – O presidente Bolsonaro sempre reclamou do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Agora, com os dois presidentes da Câmara e Senado como aliados, ele consegue, enfim, colocar em pauta os projetos?
ZA – A relação de Bolsonaro com Rodrigo Maia no início foi um pouco áspera. Depois eles tiveram um momento de bastante afinação, trocaram afagos e, posteriormente, azedou. E o presidente Bolsonaro, na sua habilidade política mesmo que tosca, conseguiu colocar a pecha no Rodrigo Maia de que as coisas não andavam no seu governo em função das pautas que ele travava. Ele conseguiu, com isso, imprimir o discurso favorável de eleição do Arthur Lira, e até mesmo do senador Rodrigo Pacheco. Eu acredito que, agora, já fez essa festa toda dos presidentes, já fez reunião, apresentou estes 35 projetos prioritários e não tem mais desculpa. Acaba o discurso dele de que o Congresso atrapalhava tudo. Se ele diz que os candidatos dele foram eleitos e que as pautas vão andar, ele tem que trabalhar para isso, trabalhar com sua base que é muito esfacelada dentro do Congresso e, juntamente com o Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, encaminhar essas pautas. Caso contrário, vai ficar provado que o problema é de gestão do presidente e não da Câmara e do Senado.
SS – Na sua opinião, o presidente conseguirá, mesmo, manter na base os 302 deputados federais e 57 senadores que apoiaram seus candidatos no Congresso Nacional?
ZA – Os números que elegeram o presidente da Câmara, não traduzem, literalmente, a base do Governo. São 302 votos, inclusive de deputados da esquerda que apoiaram Arthur Lira em troca de negociação de cargos internos, de comissões, etc. Não são 302 votos de Lira que se transformam em base governista na Câmara dos Deputados. É bom que deixe isso muito claro. E outra coisa: dentre esses votos, além de ter os da esquerda, que são muitos, há, também, os interesses de cada bancada em relação às matérias apresentadas. Então, a base do governo é bem menor que isso e que varia em função das pautas que são apresentadas ao Plenário e que vão de encontro ou são de interesses desse ou daquele grupo. Essa correlação entre os votos que teve o Lira e o número de deputados da bancada do Governo, não há correlação direta nenhuma. A mesma coisa no Senado. O governo Bolsonaro sempre teve maioria no Senado, mas estes 57 votos não querem dizer que são da base do presidente.
SS – Na quinta-feira, o presidente nacional do Cidadania, o ex-deputado Roberto Freire, disse ao Estadão que o diretório nacional do partido vai confirmar, em reunião, que deve implementar a luta pelo impeachment. O senhor acredita que o Bolsonaro esteja mais fortalecido e o impeachment nem será colocado em pauta?
ZA – Sobre esta pauta impeachment, proposta por Roberto Freire, eu tenho uma compreensão muito clara. O impeachment é processo político e, é claro, precisa ter elementos, substância, provas para que possa acontecer, pelo menos, a instauração. Não vejo a menor possibilidade do Arthur Lira encampar ou deflagrar um processo de impeachment contra Bolsonaro. Com eleição do Lira e Pacheco, sem dúvida, o Bolsonaro sai fortalecido, principalmente, com relação a estes processos. Se na gestão do Rodrigo Maia foram mais de 60 pedidos e nenhum deles andou, não acredito que com essa nova configuração no Congresso, algum processo de impeachment seja iniciado. Essa questão do Cidadania, nada mais é do que jogada de marketing para criar holofotes para o partido, para reforçar o discurso da esquerda. Eu não vejo clima algum para o impeachment neste momento, a não ser que surja um fato novo com relação à pandemia. Porque até agora, na minha compreensão, mesmo o Bolsonaro tendo uma parcela de culpa com relação à quantidade de mortes e pela desorganização do Ministério da Saúde, apesar de que no meu entendimento como cidadão e jornalista, configura crime de responsabilidade, não foi esse o entendimento do presidente Rodrigo Maia e não é o entendimento do atual presidente Arthur Lira. Portanto, fica difícil que isso prossiga a não ser, como já disse, que surja um fato novo e possa ter uma intervenção do Supremo Tribunal Federal.
SS – O então candidato Jair Bolsonaro criticava o Centrão, o chamava de velha política e que não se aliaria a ele. Mas agora, jogou toda a pregação fora. Diante do histórico do Centrão, que pode esperar o presidente?
ZA – Há muito que o presidente Jair Bolsonaro jogou o seu discurso de campanha no lixo. Eu acho que o discurso dele teve um prazo de validade de seis a oito meses durante o primeiro ano de governo em 2019. Depois disso, ele foi jogando pás de terra em cima desse discurso, na medida em que ia adotando posturas contrárias a tudo aquilo que ele pregou na campanha. Quando surgiu a questão da rachadinha dos filhos dele, no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro, quando surgiram outras questões relativas à defesa das instituições e ele foi se contradizendo, tudo isso contribuiu para um desmonte do seu discurso. Com a chegada da pandemia, ele optou por seguir os passos do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, investiu no negacionismo e depois percebeu que tinha dado rumo errado a sua postura. Apesar de que não teve a sua popularidade arranhada, mas não foi apenas pela postura que adotou. Ele não teve a popularidade arranhada porque a pandemia forçou o governo a criar um auxílio emergencial que, inicialmente, ia ser de R$ 200, depois o governo cogitou ser R$ 300, o Congresso Nacional aumentou para R$ 500, e orientado pelos seus conselheiros políticos o governo aumentou para R$ 600 e isso lhe deu uma popularidade muito grande. Ficou parecendo que o dinheiro foi dado por Bolsonaro, quando na realidade faltou habilidade da Câmara e Senado, em não fazer uma campanha de comunicação, de marketing, para mostrar que quem forçou o governo a dar o valor de R$ 600 foram os deputados e não o presidente. O fato é que Bolsonaro surfou nisso, conseguiu bombar sua popularidade e no final de 2020 quando foi extinto o auxílio, a gente viu a desidratação que ele teve na sua popularidade. O fato é que o governo do presidente Jair Bolsonaro, na prática, nega toda a sua postura de campanha. Ele rasgou todo o discurso. Por exemplo: quando demitiu o ex-juiz Sérgio Moro do Ministério da Justiça, que foi um grande trunfo para ele se eleger, no início do seu governo, mostrou que o presidente não estava interessado em combater a corrupção, pelo contrário. Demitiu o Sérgio Moro para proteger um filho das investigações da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Então, esse é um ato simbólico. A nomeação do procurador geral da República, Augusto Aras, um crítico da Lava-Jato, que resultou na extinção em todo o país. Não temos uma pauta e nem compromisso do governo no combate à corrupção. Surgiram diversos escândalos com aliados do presidente Jair Bolsonaro. Então o discurso dele hoje não tem nada a ver com a campanha. Ele demonizava o Centrão, disse e repetiu várias vezes que no governo dele não ia ter o ‘toma lá, da cá’. Mas o que vemos, apesar da promessa de reduzir o número de ministérios, é que ele começou com 22, hoje são 23 e tudo indica que, dentro de alguns meses, teremos de 25 a 27 ministérios e uma farta e pública distribuição de cargos para o Centrão. Eu acho que Bolsonaro começa a dar início a um novo governo: o governo do Jair Bolsonaro refém do Centrão, porque não será o Centrão que vai servir ao presidente da República; será o presidente da República que vai ter que servir ao Centrão. Acho que ele não avaliou muito bem essas consequências. Ele precisa do apoio do Centrão, como precisa para ter governabilidade, mas os termos desse acordo, acho que leva ao fim daquele governo da negação dos políticos tradicionais, do combate à corrupção, de um governo que ele falava e não conseguiu implantar.
SS – No Senado, o novo presidente Rodrigo Pacheco é aliado de primeira hora de Bolsonaro, inclusive, integrou a comitiva presidencial em cinco viagens internacionais. Mesmo com essa proximidade, o senhor acredita que Pacheco não pautará medidas de cunho autoritário de Bolsonaro?
ZA – Nós falamos muito aqui do Arthur Lira. Ele é um autêntico deputado do Centrão, fisiologista, assistencialista. A política que ele fez ao longo da vida, foi o do ‘toma lá, da cá’, é um político tradicional do Nordeste que tem mandatos de vereador, deputado estadual, tem lá a presidência do legislativo do seu Estado e caminhou como um político sem grandes expressões. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco é um novo expoente da política mineira. Ele tem seis anos de vida política – quatro anos como deputado federal e dois como senador – , é um sujeito que sabe dialogar, tem uma cultura jurídica elevada, não diria que ele é aliado de primeira mão do presidente da república. Ele é habilidoso, tem personalidade própria, no meu ponto de vista, não tem compromissos ou rabo preso com Bolsonaro para as suas pautas ideológicas, até porque não é ele quem pauta, passam primeiro pela Câmara para chegar ao Senado. Não acredito que ele será um defensor destas pautas. Eu o vejo com muito mais característica de independência, do que o presidente Arhtur Lira. Portanto, acho que pode ser uma grande surpresa. Ele é um político novo, de 44 anos, que tem pretensões políticas bem audaciosas. Ele quer ser governador de Minas Gerais, tem todo o estilo de político mineiro, conciliador, diplomático, conversador, que escuta antes de falar, e por isso acho que o alinhamento dele com o Palácio do Planalto será de bastante personalidade. Não acredito que será um opositor, mas não será uma ovelha neste rebanho do presidente Jair Bolsonaro, sendo submissa a um pastoreio que sirva de massa de manobra do presidente. Muito pelo contrário, ele pode ser uma grande surpresa e só o futuro dirá com relação a essa postura dele. Não acredito que ele seja subserviente e tenha compromissos com o presidente Bolsonaro.
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