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Nota de falecimento

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Rocelito Paulo Pinto (*)

Lamentamos informar que faleceu no dia 1º de março de 1923, o senhor Rui Barbosa de Oliveira, jurista, poliglota, político, poeta, escritor, membro fundador da Academia Brasileira de Letras e, sobretudo, brasileiro, desses com “Bê” maiúsculo dos maiores. Lamentamos informar que faleceu no dia 6 de março de 1855, o senhor Manuel da Mota Coqueiro, produtor rural e também brasileiro, mas a este, basta saber que foi um brasileiro, como qualquer um de nós.

Mas por que lamentar? Lamentamos somente por lamentar! Lamentamos porque todos vão morrer um dia, apesar de o senhor Rui ter alcançado a morte lutando pela justiça no Brasil, apesar de o senhor Manuel ter alcançado a morte, enforcado pela falta de justiça no Brasil.

Apesar de morto há 100 anos, o senhor Rui ainda vive, sendo lembrado na frase a ele atribuída “a pior ditadura do mundo é a ditadura do Poder Judiciário, contra ela não há a quem recorrer.” Apesar de morto há mais de 150 anos, o senhor Manuel ainda continua morto, mas tendo sido o último brasileiro a ser executado, inocente e por isso injustamente, sob a pena da Justiça.

Mesmo decorrido tanto tempo, pessoas ainda morrem condenadas injustamente, pela lentidão da justiça ou por uma amplitude de leis que não produzem efeitos justos.

Ainda que o senhor Rui tenha, quando vivo, clamado ao mundo a beleza da justiça pela paridade das armas metafísicas, aquelas que permitem a justiça alicerçar-se na consciência de se pertencer à humanidade, e ainda que tenha demonstrado a injustiça no poder das armas bélicas, o senhor Rui morre hoje pela insensatez de uma humanidade que se posta sob ameaça de guerra nuclear, devastando povos que deveriam ser irmãos, condenando o próprio mundo a uma imprevisível insegurança alimentar.

Mesmo que o senhor Manuel tenha, quando vivo, sucumbido ao laço da forca, sob o peso de uma condenação injusta, autuada em investigação oficial e interesseira, sua inocência amplamente reconhecida tornou o Brasil o primeiro país a abolir, na prática, e em tese, a pena de morte.

A abolir na prática, porque desde o senhor Manuel, nunca mais na história deste país ninguém foi condenado à pena capital de modo público e oficial… Abolir em tese, porque desde o senhor Manuel, desgraçadamente todos os dias neste país, alguém é condenado à pena de exclusão social, a pior das mortes, porque se mantém o cidadão morto em vida, sem voz, sem culpa ou inocência, e sem direito a ter razão.

Hoje cancelam-se pessoas, redes sociais, reputações, respeito, como se enforca o senhor Manuel… Hoje criam-se tensões, falácias, imposições, acusações e condenações no cadafalso da hipocrisia, porque ficou mais fácil e maior o poder de enforcar o senhor Manuel.

A sociedade não está mais apta a ouvir a razão humana, porque o ser primitivo grita tão alto em suas concepções, que ficou óbvio rir-se da honra e tornou-se vergonhoso ser honesto… E mesmo transcorrido 100 anos, o senhor Rui não consegue se dar ao luxo de permanecer morto.

A sociedade não está mais apta a perseguir a verdade, porque a vontade de criticar tornou-se necessária, e o poder de manifestar passou a ter prioridade maior que a arte de escutar, isso num mundo em que todos querem ter razão, não importa qual, não importa sobre o quê… E mesmo transcorrido mais de 150 anos, o senhor Manuel vive sendo morto, diariamente, por caprichos pessoais, por interesses difusos.

Talvez a sociedade de hoje devesse lamentar a morte do senhor Rui, não por ele morrer, mas por ela conservar, com todo o rigor, a mesma ausência de justiça que o senhor Rui tanto combatera em vida com a sua palavra tão forte e poderosa.

Quiçá a sociedade de hoje devesse lamentar a morte do senhor Manuel, não por ele ser enforcado, mas por ela manter as razões para que se sacrifiquem pessoas, como se o cancelamento fosse justiça.

Transcorrido mais de 150 anos, a humanidade não prosperou sob razões justas, ou pelo menos perfeitamente humanas e, exatamente por isso, não lhe cabe nota de falecimento, pois mesmo ostentando incomensuráveis conquistas tecnológicas ou científicas, ainda não se fez digna de humanamente viver.

 

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(*)  Militar, filósofo, torcedor da Estrela Solitária, apaixonado pela vida e amante da liberdade, Fluminense por acidente, sergipano por opção.

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Rocelito Paulo Pinto

(*) Militar, filósofo, torcedor da Estrela Solitária, apaixonado pela vida e amante da liberdade, Fluminense por acidente, sergipano por opção.

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