terça-feira, 07/01/2025
A Apoteose dos Medicis, de Luca Giordano

O Axioma da Apoteose

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Por Tácio Brito (*)

Certa vez me questionaram sobre qual era o meu propósito de vida. Naquele tempo, eu, que ainda vivia debaixo do véu das coisas possíveis, respondi que não sabia e que não sentia que chegaria a ter um, pois eu entendia que propósitos estavam ligados a fatores puramente externos ou que eram apenas maquinações de finalidade religiosa para confortar as almas daqueles que se deparavam com a natureza áspera que o existir nos traz. Aquele Tácio vivia cercado de medos, inseguranças, pesos, cobranças mentais e coisas que tantos jovens na minha mesma idade carregavam em seus corações e mentes. O medo de fracassar; o medo de não saber que profissão seguir; o medo de não ser capaz de ter um bom emprego; de não ter uma gorda conta bancária; de desperdiçar meu tempo com coisas inúteis que poderiam me levar a uma vida fora do que é entendido como a “vida perfeita”, eram-me tormentos de tirar o sono.

Não considero aquele jovem um tolo, de maneira alguma, pois não teria como pensar diferente diante da perspectiva limitada (ou falta dela) que eu possuía sobre a vida, afinal se você está em uma perspectiva baixa, dificilmente será capaz de olhar acima do arbusto e fitar o firmamento, tocar o horizonte.

Ter uma perspectiva é crucial na vida, pois é nela que fundamentamos o sentido de estarmos vivos, daquilo que buscamos, de como reproduzimos e interpretamos os acontecimentos durante o tempo. Na física, ela nos mostra de maneira bastante objetiva o seu valor, aqui encarado como o referencial de uma equação que transforma natureza do movimento e efeito físico dependendo de onde é visto. Na fotografia, no desenho e nas artes, a perspectiva altera a percepção da imagem, atribuindo ou retirando elementos, criando significação ou a alterando. Na vida, a perspectiva é como uma caneta que permite criar narrativa.

M. C. Escher era conhecido pela manipulação da perspectiva em suas obras

A narrativa é a maneira como nos colocamos dentro dos acontecimentos da vida, é a aplicação da ferramenta da perspectiva sobre a maneira de ver e se ver na vida. Se você enxerga-se como inimigo da sua vida, você assim pensará ser e viverá em função desta narrativa, assim você interpretará as coisas que lhe acontecem de bom e de ruim. Enxergue-se perfeito demais e você viverá relativamente bem e provavelmente terá muito mais felicidades. Entretanto, cometerá abusos e vai ferir os que estão ao seu redor, além de conseguir olhar demais pra cima, mas não enxergar a lama que te afoga. Viva pela narrativa dos outros e você será escravo da vontade alheia. Assim, está claro que não basta ter uma perspectiva, mas que é necessário ter controle sobre sua narrativa e estar sempre aberto para alterar e corrigi-la conforme a vivência.

Até aqui falei sobre ter perspectiva e com ela ser o escritor de sua narrativa de vida, mas, e meu propósito? Onde surge? O fato é que meu propósito surgiu através de um momento singular, de um curto espaço de tempo, uma sensação que me avassalou. A descoberta de um sentimento poderoso o bastante para me fazer apaixonar por ele: a compreensão de um conhecimento enquanto lia um livro.

Sempre fui atraído pelo estudo relacionado ao aprendizado humano e o funcionamento do cérebro, e certa vez estava lendo um livro chamado “Como Criar uma Mente” do autor Ray Kurzweil, que é diretor de engenharia do Google. No livro ele fala sobre como é o processo de criação de inteligências artificiais e sobre como elas são fundamentadas em aspectos do próprio cérebro humano. Nesse livro, ele começa fundamentando em como o cérebro humano de fato aprende. Sobre como os axônios trabalham repetindo os padrões de dados e como os neurônios conectam uns aos outros para criar os conhecimentos que temos e alguns que surgem de forma ainda inexplicada pela ciência. E foi nesse ponto que eu tive um estalo.

A capacidade de conexão neuronal durante um aprendizado.

Era uma sensação. Um sentimento. Uma energia que percorreu meu corpo. Eu senti o rearranjo dos meus neurônios. A epifania da criação de uma nova ideia. Senti minha pulsação aumentar e eu ofegava. Um arrepio percorria meu corpo e meus olhos quase lacrimejaram diante daquela froça incontrolável de compreensão. Aquela sensação singular de compreender um conhecimento novo foi a coisa mais incrível que eu já tinha sentido na vida. Era como se minha mente não tivesse fim, nem começo, como se naquele espaço de tempo não existissem medos, receios, julgamentos, nem mesmo eu. Tudo era a sensação, o arrebatamento da minha mente. A esta sensação, como me é bastante comum narrativamente, dei o nome de Apoteose, não pelo significado puro da palavra no grego, mas pela dimensão da sensação.

Apoteose (do grego Apotheosis) — ato ou evento de elevação de alguém ao status de divindade; No teatro refere-se ao ponto final de uma cena espetacular.

Quando tracei a visão perspectiva mais abrangente que havia tomado em minha vida, tempos depois, consegui entender que naquele dia meu propósito se floresceu. Veja que eu o senti diante de mim, senti as emoções, mas não as compreendi de cara, já que me faltava perspectiva. E então, desde a compreensão desse momento, entendi e passei a escrever a narrativa da minha vida baseada na minha busca por essa sensação, a minha busca pelo sentimento arrebatador de compreender as coisas.

“A apoteose é a expansão da consciência de que o herói terá experiência após derrotar o seu inimigo.” — Joseph Campbell em O Herói de Mil Faces

Diante dessa narrativa, ora com um propósito poderoso, acabei desenvolvendo um senso voltado a buscar sapiência, pois sabia que apenas acumular conhecimento não me seria bastante e nem positivo. Porque limitaria a perspectiva. Na sapiência, comecei a ver as futilidades dos títulos, dos termos vazios e pomposos, da busca insensata e ansiosa por encontrar uma posição alta na sociedade, dos papéis coloridos (dinheiro e diplomas) que achamos que podem nos permitir ser felizes, mas que na verdade nos mata de doenças psicológicas, envenenando nosso corpo e saúde.

A perspectiva me permitiu na narrativa da minha vida traçar o axioma da minha vida. No axioma da apoteose que tive e que busco, a descoberta de uma sensação me fez ser maior que eu mesmo, de ser maior do que as coisas que estão debaixo da abóbada celeste. Vivo para viver a alegria de aprender, de ser além de um corpo humano.

Seu propósito pode estar se manifestando diante de você o tempo todo. Ele pode ser uma ação, pode ser uma emoção ou apenas uma sensação. Permita-se ampliar sua perspectiva. Veja além do arbusto!

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Sobre Tacio Brito

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Tácio Brito é empresário, consultor de cultura e inteligência artificial, polímata, mestre maçom da ARLS Universitária Sergipe D'El Rey Nº 4703

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