Desde o advento da Emenda Constitucional 16/1997, que recepcionou a possibilidade de reeleição para mais um mandato executivo em nossa Carta Magna, Jair Messias Bolsonaro (PL) é o primeiro chefe do Executivo federal a não conseguir garantir uma segunda temporada no Palácio do Planalto de forma subsequente.
Na segunda volta do pleito de 2022, ele perdeu para o presidente Lula da Silva (PT) por uma diferença de pouco mais de 2,1 milhões de votos, um contingente um pouco menor do que o eleitorado do Distrito Federal.
Entretanto, é quase um consenso a percepção de que o Sr. Bolsonaro ainda é um dos principais atores políticos do país e continuará sendo por muito tempo.
Afinal, que outro derrotado conseguiu manter, por mais de 60 dias, mobilizada a sua militância na esperança de um Golpe de Estado que alterasse o resultado das eleições?
Nenhum!
Bolsonaro conseguiu para si um espaço no panteão do imaginário político brasileiro que antes era ocupado apenas por Getúlio, Juscelino e Lula. Ocorre que esses três mostraram algum legado concreto para alcançar tal posição, já Bolsonaro não.
Ele amealhou apoio nos mais amplos setores da sociedade brasileira, de biscateiros a bilionários, inclusive no meio das minorias sociológicas que ele mesmo combate.
Então, por que isso? Porque Bolsonaro é um espelho do brasileiro médio.
E quanto mais socialmente normativo for esse indivíduo mais parecido com Bolsonaro ele fica.
Indo mais fundo, desde o início da invasão portuguesa, no ano de 1500, o ex-militar que foi expulso do Exército e que iniciou sua carreira política como vereador na cidade do Rio de Janeiro é o primeiro brasileiro genuíno a governar o país.
E que fique bem claro: isto não é um elogio!
Duvida? Então, faça um teste.
Vá a um lugar público – uma padaria, um boteco, um consultório, uma fila de banco, uma sala de espera qualquer… – e pare para escutar as pessoas falarem. Você não vai ouvir as palavras de um Getúlio, de um Juscelino ou de um Lula, nem mesmo a de um Jânio ou um Collor, você só vai conseguir ouvir a voz de um político: Bolsonaro.
E, novamente, que fique bem claro: isto não é um elogio!
O voto e a preferência por Bolsonaro, não possuem elementos fáticos de justificação, são puramente subjetivos. Ele não tem conhecimento, não tem formação, não sabe gerir, é preguiçoso, é anticiência, é medroso, mas, mesmo assim recebeu 58 milhões de votos na última disputa presidencial.
E para requintar a crueldade, ainda é considerado por muitos desses eleitores como o melhor governante que o Brasil já teve.
O brasileiro aderiu a ele por uma questão de pura e simples identificação. Sim, aceita porque dói menos, o voto em Bolsonaro é fortemente identitário.
E esse retorno se dará, como o foi em 2018, pela aliança entre a sua militância engajada, os seus simpatizantes retraídos e o cinismo daquilo que se chama de isenção partidária, o famoso “eu sou apolítico!”.
Por isso que o Bolsonarismo irá voltar, mesmo que o ex-mandatário perca os seus direitos políticos e, pasme, mesmo que a frente ampla que se construiu em torno de Lula faça um ótimo governo.
Mas, por quê?
Porque o discurso político do bolsonarismo, calcado no individualismo exacerbado do “faz por ti, que eu te ajudarei!” é cláusula pétrea de nossa formação histórica enquanto povo.
Não é por acaso que a maior fonte de apoio do Sr. Bolsonaro está entre os cristãos neopentecostais com a sua extravagante Teologia da Prosperidade.
Nós somos um povo de mentalidade bandeirante!
Olhe para a nossa história e você vai ver que violência, arbítrio e autoritarismo são os nossos sobrenomes.
Solidariedade e proteção social, para nós, são palavrões ou falas de fracassados. Não é à toa que o termo “comunidade” é entendido por estas terras como bairro de periferia e não como a expressão das coisas e sentimentos que unem as pessoas.
E, repito, esse desvio para o bolsonarismo acontecerá mesmo que a atual coalizão consiga promover algum nível de desenvolvimento social, isso porque, na cabeça do brasileiro, o bem-estar é uma conquista pessoal individualmente obtida, e não uma construção coletiva decorrente da promoção de políticas públicas.
Sem maiores esforços, é bem provável que o governo recém-empossado venha a reduzir o desemprego, a conter a inflação, a promover o crescimento da economia, a erradicar a subnutrição e a expandir a oferta de serviços públicos, porque a crise pela qual passamos – iniciada em 2014 – é essencialmente política, não econômica.
Entretanto, isso não vai ser suficiente para deter o bolsonarismo.
Isso porque, ainda que intuitivamente, o brasileiro vai olhar para a relativa estabilidade do cenário macroeconômico do país e vai pensar: “Eu que consegui as minhas coisas, o governo nunca me deu nada!”.
É como disse o geógrafo Milton Santos, o brasileiro não quer conversa com a cidadania, ele já se contenta apenas com o papel de consumidor.
A origem da força do bolsonarismo reside na forma atrasada e tacanha como o brasileiro olha para a realidade social e para os mecanismos políticos de atuação e concertação.
Enquanto o bolsonarismo não for vencido no campo das ideias, ele sempre será um espectro a rondar o nosso país.
Então, o bolsonarismo só pode ser derrotado e impedido de retornar se o povo brasileiro decidir politicamente por deixar o seu passado de iniquidades de lado e se comprometer com a construção de uma nação solidária, que “não pare em nós”.
No entanto, Aparício Torelly, o grande Barão de Itararé, já nos avisa: “De onde menos se espera, daí que não sai nada!”.
_________
(*) É doutor em Administração pelo NPGA/UFBA e mestre em Economia pelo NUPEC/UFS