terça-feira, 02/07/2024
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O  direito natural, os costumes e o direito positivo maçônico

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Por Jader Frederico Abrão (*)

 

Este tema pode tranquilamente afastar aqueles não acostumados com o mundo das leis, mas buscarei nas linhas seguintes iluminar de maneira simples este assunto ultimamente enfrentado pelos operadores da Lei e do Direito nas Instituições Maçônicas.

Partiremos do estudo sobre a diferença existente entre o Direito não escrito e o Direito Positivo, abordando sobre a importância do reconhecimento e da valorização dos costumes no âmbito institucional maçônico.

Entendemos como fonte do direito tudo aquilo que o produz. É toda condição do comportamento humano que faz nascer uma regra que se torna comum entre um determinado grupo, instituição, cidade, região, país ou grupo de países.

O Direito Natural independe de leis, tem os seus contornos estabelecidos nos princípios da vida, se fundamentando no bom senso, na racionalidade, na equidade, na igualdade, na justiça e no pragmatismo, é a ideia universal de justiça, sendo em regra, estável e dificilmente alterado. Tal regramento calçado por normas não-escritas se perpetua por sucessivas gerações através da oralidade, assim sendo, desde os primeiros agrupamentos humanos.

De outra banda, o Direito Positivo é aquele em que as normas e leis são estabelecidas de forma escrita, através da vontade da sociedade ou das autoridades, possuindo caráter temporal, territorial, formal, podendo ser revogável, variável e mutável.

Entretanto é imperioso que entendamos os limites do direito consuetudinário analisando o lugar onde surgiu, onde teve o seu início, para que saibamos utilizá-lo. Por exemplo, é comum ver pessoas transitando em vias públicas urbanas de cidades turísticas praianas usando apenas o traje de banho, o que seria verdadeira transgressão em outros ambientes ou localidades onde não existem essas mesmas características turísticas.

A validade das normas de costumes, nominada de Direito Consuetudinário, extrapola o ambiente interno das nações tendo eficácia também como condição internacional, assim validada por exemplo pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, datada de 23 de maio de 1969, que prevê, em seu artigo 38, a força dos costumes internacionais: “Art. 38 – Nada nos artigos 34 a 37 impede que uma regra prevista em um tratado se torne obrigatória para terceiros Estados como regra consuetudinária de Direito Internacional, reconhecida como tal.”

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No Brasil optamos pelo positivismo legal estabelecido assim pelo art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, in verbis: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’”. Mas, algumas áreas do Direito no Brasil garantem a aplicação das regras costumeiras, como por exemplo o Direito Civil, a saber: “Código Civil Brasileiro – art. 4o – Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

No direito constitucional voltado às comunidades indígenas, devidamente estabelecido na Constituição Federal de 1988, em seu art. 231, assim estabelece: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

No ambiente das Instituições Maçônicas, abundam situações que nos delimitam as ações e os comportamentos, e que não estão formalizadas e positivadas por Leis escritas, tendo mesmo assim, eficácia sem qualquer ordenação pelos seus corpos de autoridades. Inúmeras condições e atos são praticados por situações consuetudinárias – conjunto de costumes e práticas aceitas por uma sociedade, como normas jurídicas não escritas. Como exemplo corriqueiro, temos a Sessão Magna de Iniciação que não perde o seu valor se porventura não tiver um jantar após o seu encerramento, mas é quase impossível imaginar que tal situação ocorra em condições normais. Portanto, é possível dizer que o agendamento de uma Sessão Magna de Iniciação, somente ocorrerá em data com a possibilidade de oferecer um jantar. E isso é uma norma consuetudinária não escrita, respeitada por todos.

Maçonaria
Símbolo maçônico

Podemos até dizer que as essências das lições ritualísticas que nos impõem o caminho a seguir para o aperfeiçoamento humano, são tranquilamente interpretadas através do simbolismo, o que dispensa o recurso literário/escrita tradicional, podendo ser transmitidas e perpetuadas através da oralidade interpretativa, principalmente por meio do 1/4 de hora de estudos ocorrido impreterivelmente nas sessões maçônicas ordinárias.

Assim, não podemos dificultar no ambiente interno maçônico o acolhimento e o reconhecimento social e judicial de qualquer tradição de comportamento ritualístico, administrativo ou social, que não tenha registro normativo positivado, pois a Ordem Maçônica viaja pelo tempo desde séculos e séculos atrás, nos encharcando a todo momento com sua cultura escondida que nos desafia a conhecer, a interpretar e a utilizar, assim, nos expondo em contato direito e constante com os mais antigos e tradicionais comportamentos, valores e costumes.

Perante este cenário tríduo existente entre o Direito Natural, o costume e a Lei positivada, temos que entender que esta última veio daqueles e não o contrário, nos permitindo dizer que estão ligados umbilicalmente através de uma conexão racional. Qualquer ataque ao reconhecimento normativo positivado de um comportamento costumeiro, pode representar uma possibilidade de retrocesso democrático e de combate aos nossos próprios valores e liberdades.

Será cada vez maior o desafio de convergir e de lidar com as atualizações e com as inovações experimentadas neste momento social, ideológico, cultural, tecnológico e relacional, que viaja desenfreado a galope no século XXI. Os operadores do direito em todas as Instituições Maçônicas, inclusive os legisladores e a comunidade maçônica em geral, devem usar da mais ampla maturidade institucional e técnica, para respeitarem, e, saberem reconhecer e dosar, o alcance e a eficácia das regras consuetudinárias e do direito natural, que alicerçam como freio e contrapesos, o nosso direito positivo e a nossa existência maçônica, para manterem firmes as legislações maçônicas através dos valores morais e éticos que nos trouxeram até aqui e que sempre foram garantidores da segurança; da vida; do progresso do homem e da humanidade; e da estabilidade das Instituições Maçônicas.

 

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Sobre Jader Abrão

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Jader Frederico Abrão, advogado e contador, especialista em Direito Tributário e Direito Eleitoral. Loja Vale do Tocantins, n° 1338, de Uruaçu-Goiás.

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Um comentário

  1. João Barbosa Pereira

    Maravilhoso artigo !
    Parabéns ao sábio irmão que, com esta reflexão sobre o direito Maçônico, reforça o acatamento aos nossos Landmarks, como fonte originária do direito Maçônico.

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