Economia Herética

O eleitor brasileiro é um problema!

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Por Emerson Sousa (*)

 

A Constituição Federal de 1988, também conhecida pelo epíteto de Constituição Cidadã, a despeito de suas falhas, é a melhor que o Brasil já teve.

Ela inovou e avançou em diversas áreas, desde a Educação e Saúde até o Direito do Consumidor ou às leis de trânsito.

Sob a sua égide, a pobreza foi reduzida pela metade do que havia na data da sua promulgação.

Também caiu a desigualdade social, a mortalidade infantil, a mortalidade neonatal, a subnutrição, o analfabetismo, as mortes por causas evitáveis, ao passo em que aumentou a abrangência da escolarização, os níveis de escolaridade, do saneamento básico, do acesso à saúde, da proteção às minorias, entre outros avanços sociais.

Num país tão iníquo, violento e cruel, essa peça legal surge como um suave lenitivo.

Só para você ter uma ideia: apenas com o estabelecimento de um piso de 1 Salário-Mínimo para as aposentadorias rurais, a Carta Magna criou um dos maiores programas de transferência de renda da História.

Simples assim!

No entanto, desde o dia seguinte à sua publicação, ela vem sendo alvo de ataques sistemáticos à sua efetividade.

Por sinal, já no Art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a nossa Constituição carregava consigo o germe de sua própria desfiguração, que previa uma revisão constitucional a ser realizada após cinco anos.

Pois bem, desde então, a CF88 tem sofrido as maiores mutilações possíveis em seu espírito inicial de criar um sistema de proteção social no Brasil.

Desde então, já foram aprovadas modificações que atacaram os mais diversos direitos coletivos, de trabalhistas a previdenciários, passando até pelos ambientais.

E quem é a principal força desse processo de desfiguração?

O Eleitor Brasileiro!

Sim, para variar, essa triste figura é o principal dínamo do decurso de prostração que a Constituição Cidadã vem passando desde o seu nascimento.

Foi o Eleitor Brasileiro que, de modo sucessivo, mandou para o Congresso Nacional uma horda de parlamentares comprometidos com a redução dos direitos existentes no texto original de 1988.

Essa história já começa em 1990, quando o Eleitor Brasileiro não reelegeu a ampla maioria dos parlamentares avaliados com a nota 10, pelo Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar (DIAP), no que concerne à defesa dos temas de interesse dos trabalhadores, e, de quebra, ainda garante um novo mandato para boa parte dos tribunos que foram avaliados com a nota Zero.

Entre essas duas eleições, na Câmara dos Deputados, os partidos tidos por conservadores saíram de 180 para um total de 256 cadeiras conquistadas.

É aí que começa a catástrofe.

A partir desse momento, o Eleitor Brasileiro propicia o desmonte de nossa esquálida estrutura de proteção social.

Hay derechos? Soy contra!

Um bom exemplo de que é o Eleitor Brasileiro quem sustenta esse flagelo é a trajetória na Câmara dos Deputados do Partido da Frente Liberal (PFL), hoje conhecido pelo nome de União Brasil (UB), após fusão com o Partido Social Liberal (PSL), ocorrida em 2021.

De Collor a Bolsonaro, essa agremiação sempre foi engajada na redução do escudo protetivo da Constituição, alegando que, com essas políticas, o Governo promoveria a gastança e a irresponsabilidade fiscal e que aquele documento conferia muitos direitos e nenhum dever à sociedade.

Então, de 1986 a 2022, esse partido, que também foi conhecido por Democratas, mesmo em seus piores momentos, nunca teve uma bancada inferior a 21 deputados.

Para fins de comparação, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), que não pode ser considerado uma organização radical, o máximo que chegou a ter foi 35 parlamentares naquela casa.

Graças ao Eleitor Brasileiro, em média, entre 1986 e 2022, o UB sempre ocupou 14% da nossa Câmara Baixa.

O teto foi em 1998, quando um em cada cinco legisladores pertencia a esse partido. Já o piso foi em 2014, quando ele ocupou 4% das vagas congressuais em disputa.

Todavia, é bom qualificar esse “piso”.

Nesse ano, apesar do baixo desempenho, o União Brasil – então conhecido por DEM – foi o partido favorito de 4.085.487 de eleitores brasileiros, para a Câmara dos Deputados, sendo o 8º colocado dentre os 32 postulantes no pleito.

Com isso, por vagas na Câmara, ele superou o Partido Democrático Trabalhista (PDT), que recebeu 3,5 milhões de votos, os Verdes (PV), que obtiveram 2 milhões de votos, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e seus 1,9 milhões de votos e o Socialismo e Liberdade (PSOL), que foi escolhido por pouco menos de 1,8 milhões de eleitores.

Hoje, o União Brasil é o terceiro maior partido da Câmara, com 59 deputados, sendo o estuário de 10,2 milhões de votos em 2022, ficando com o 3º lugar nessa disputa.

E aqui vai uma ‘profetada’ deste irresignado digitante: o União vai ser um dos maiores vencedores das eleições municipais deste ano de 2024.

Sim, um dos grandes campeões do voto popular deste ano será o UB, o mesmo que foi esteio de todas as iniciativas que resultaram em redução ou retirada de direitos ou conquistas sociais nas últimas três décadas, dos mais subjetivos aos mais concretos.

Foi assim nos mandatos Collor, FHC, Temer e Bolsonaro.

Onde houver garantias coletivas, o UB será contra.

Um exemplo disso: a denominada PEC 39/2011 na Câmara, que hoje, no Senado, se chama PEC 03/2022, que visa extinguir o instituto do terreno de marinha e seus acrescidos bem como dispor sobre a propriedade desses imóveis, foi aprovada, em segundo turno, em sessão do dia 22 de fevereiro de 2022, às 20h45, com o voto favorável de todos os 24 deputados do UB que estavam presentes.

De todos!

E se você duvidar de mim, pode puxar o histórico de votações de qualquer parlamentar do PFL/DEM/UB e você vai ver um compêndio de deliberações anticidadania.

Pode puxar, de qualquer um.

O brasileiro é um reacionário.

Pegou a visão, né?

O Eleitor Brasileiro gosta é de político conservador e quanto mais reacionário, melhor.

E, por causa disso, o Congresso Nacional vai diminuindo, paulatinamente, mas de modo continuado e consistente, a capacidade do Estado brasileiro enfrentar as mazelas sociais.

E esse atentado se dá tanto diretamente contra o texto constitucional quanto ao nível da legislação infraconstitucional.

São coisas como as Desvinculações das Receitas da União, a Lei de Responsabilidade Fiscal, as Reformas da Previdência, a Contrarreforma Trabalhista, a Independência do Banco Central e o Teto de Gastos – hoje Arcabouço Fiscal – que retiram a capacidade da Sociedade enfrentar os seus problemas e o poderio político dos Ricos e de seus agentes.

Em nossa história republicana, o bloco dos partidos políticos que preconizam o aumento da oferta e do alcance de políticas públicas, que são os verdadeiros vetores do desenvolvimento social e da Cidadania, nunca chegou a conquistar 1/3 do eleitorado brasileiro.

O Eleitor Brasileiro vota, mesmo, é na ARENA[1]!

Na eleição de 2022, dentre os dez mais votados no país para a Câmara dos Deputados, tão somente Guilherme Boulos (PSOL) e Tábata Amaral (PSB), que poderiam ser considerados progressistas.

O resto era tudo conservador!

Ainda nesse certame, dentre os primeiros colocados em cada uma das 27 unidades federativas, somente quatro poderiam ser recepcionados como de “Esquerda” e dentre os demais, 13 eram filiados a partidos que apoiaram oficialmente a reeleição do Sr. Jair Bolsonaro.

Alguém pode até dizer que isso é conjuntural, coisa que “dá e passa”.

Mas não é assim que a banda toca.

Em 2006, ano da maior vitória presidencial do Partido dos Trabalhadores (PT), dentre os 10 concorrentes nacionalmente mais votados para a Câmara dos Deputados, só havia um nome notoriamente de Esquerda: o ex-ministro Ciro Gomes, à época filiado ao PSB cearense.

O complemento da lista era composto por nomes tais quais Paulo Maluf, Celso Russomano, Clodovil Hernandez e Enéas Carneiro, ou seja, lídimos representantes do reacionarismo tupiniquim.

Dos 27 disputantes que formavam a lista dos mais votados nos estados e no Distrito Federal, apenas 6 eram de partidos que apoiaram o então incumbente reeleito.

A propósito, um sestro do Eleitor Brasileiro é o de colocar um reformador na Presidência ao mesmo tempo em que entulha o Congresso Nacional de conservadores e reacionários.

De Getúlio 2 a Lula 3, essa escrita sempre se repete, o que é receita certa para crises institucionais.

Definitivamente, além de reacionário, o Eleitor Brasileiro é um desorientado.

Veja o exemplo recente do México – onde o atual Presidente e a Presidenta eleita têm forte base parlamentar – e identifique justamente o extremo oposto do Brasil.

E de quem é a culpa?

Do Eleitor Brasileiro.

Sem Consciência de Classe e totalmente desprovido de Educação Política, ele tem sido o patrocinador da ofensiva regressista que o país vem observando desde a chegada de Eduardo Cunha (PRD/RJ), então no PMDB, à Presidência da Câmara dos Deputados.

Um tolo e desinformado que simpatiza com chacinas promovidas pelas forças de segurança nas periferias de nossas cidades e que dá mais importância à medieval pauta dos costumes do que à moderna política de valorização do Salário-Mínimo.

Ele desconhece que a experiência internacional já mostrou que o desenvolvimento social só é possível com o aumento da oferta de serviços públicos e com o aprofundamento dos investimentos governamentais.

No reino vazio do seu estoque cognitivo, o Eleitor Brasileiro vai no sentido contrário da História e vem, cada vez mais, apostando na frouxidão do tecido da solidariedade coletiva.

É um retrógrado!

Não é promissora essa imagem e, claramente, não mira algum futuro.

 

____________________

[1] Aliança Renovadora Nacional (ARENA) – Partido de sustentação política da Ditadura Militar (1964/1985).

 

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Emerson Sousa

Doutor em Administração pelo NPGA/UFBA e mestre em Economia pelo NUPEC/UFS

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