Por Luciano Correia (*)
O mar chegou pra mim como por encanto. Na verdade, me deram um rio por mar. Eu tinha aí pelos cinco ou seis anos e ainda vivia na doce Macambira, onde os banhos nos tanques e naquela mágica cachoeira faziam a festa de minha infância. De tempos em tempos Papai enchia nossa bela Rural Willys com seus cinco filhos para nos levar ao dentista. Numa das vezes, lembro de Mamãe me pegar pelo braço numa manhã iluminada por esse sol nordestino, na Rua da Frente, apontar para o leito do rio Sergipe com a Barra dos Coqueiros ao fundo e anunciar: “aí está o mar”. Acostumado com a mansidão das águas do Tanque Grande e do Açude de Tidinho, me dei por satisfeito com aquele turbilhão agitando a corrente. Enfim, foi o jeito possível de ter um mar.
Muitos anos depois vim morar em Aracaju justamente na Rua da Frente, ao lado do antigo Mobral, a 50 metros da antiga Secretaria de Educação. Éramos 11 calouros da Universidade Federal de Sergipe no ano de 1979. Ainda lembro de uma sexta feira em que o colega Gilson Capitão chegou da aula todo eufórico trazendo a novidade: o top less, moda que andava agitando a juventude dourada do Posto 9 de Ipanema, no chamado Verão da Abertura, havia chegado a Aracaju. No sábado, partimos todos logo cedo em direção ao local onde já há alguns dias acontecia essa demonstração de modernidade de nossa Aracaju. Ficava na Coroa do Meio, que na época era um deserto de dunas e restingas.
Fomos todos a pé, evidentemente, pois não havia dinheiro para uma passagem de ônibus a mais no orçamento. Chegamos ao Colodiano, que era o antigo nome do local, perto de onde se criou a Praia dos Artistas. Lá estavam elas, as meninas. Na verdade, como vou contar? Hoje em dia, com a patrulha do politicamente correto, sacrificamos a objetividade dos fatos em prejuízo da narrativa. Mas o certo é que as ousadas banhistas eram, digamos assim, profissionais do sexo. Putas do Samburá, um cabaré decadente que funcionou muitos anos na rua Nestor Sampaio, quando essa via ainda era também um deserto, com pista de terra batida. O espetáculo observado não tinha o charme e a beleza das meninas do Rio, mas satisfazia nosso tesão e desejo de estarmos antenados com esta última maravilha da civilização: o livre e liberado banho de mar das meninas do Samburá.
Hoje digo sem errar, os pechitos eram só a desculpa para nós, meninos do interior, ter motivo para ir à festa do mar. Era disso que se tratava: o sol a pino, bronzeador Coppertone, corpo à milanesa, um pique descomunal e… tchibum! A delícia das ondas. Pouco depois troquei minha adorável república da Ivo do Prado pela residência universitária da UFBa, num dos endereços mais tradicionais de Salvador: o Corredor da Vitória. Além de nossa praia particular, o Shangri La, situada 258 degraus abaixo do nosso quintal, uma área de pedras onde colegas desciam para tomar banho nus e fumar um baseadinho de fim de tarde.
Ainda em Salvador, no mesmo endereço, era comum a gente descer a ladeira da Barra e ir descontar o stress do dia no pôr do sol do Porto da Barra – oxe!… e estudante jovem, na Bahia, tinha stress? Cheguei a ver Caetano e Gil algumas vezes. O mar seguia sendo um fetiche, ainda mais aquelas águas calmas e cristalinas da Baía de Todos os Santos. De volta à Aracaju, em meados dos anos 80, e sempre sonhando com o mar, li uma entrevista de Jane Fonda na qual ela dizia que dormia todos os dias com um travesseiro que simulava o som das ondas. Foi o bastante para me lançar o desafio: se ela, atriz rica e famosa, dorme com uma traquitana falseando o som das ondas, eu, pobretão atrevido, vou buscar um cantinho pra mim em alguma pirambeira da costa aracajuana. E assim foi feito, à custa de um sacrifício que levaria mais três ou quatro parágrafos e que, por ser sacrifício, vou poupá-los.
Quando vim morar na antiga Rodovia Sarney, esse canto da cidade era um lugar remoto, improvável, portanto, pra se viver. Mas depois foi ganhando um certo charme, porque grande parte dos condomínios eram de alto padrão. Não exatamente o meu. Certa vez o falecido jornalista Zenóbio Melo veio tomar uns tragos na minha cozinha e, com seu jeito sem-cerimônia, exibiu todo seu desencanto: “Você disse que morava num condomínio na Sarney, mas isso aqui parece o Marcos Freire IV”. Ele tinha alguma razão, mas foi o único jeito de encontrar meu mar em Aracaju. Como todo menino do interior, curioso pelas coisas que não existiam no nosso torrãozinho, sigo encantado com suas dunas, a larga faixa de areia, cor das águas, belezas e mistérios do mar.
Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).
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