Os(as) leitores(as) que acompanham a coluna têm percebido a importância do aporte adicional de recursos para a educação básica que o novo Fundeb trará. Como se sabe, estima-se que haja a adição de 17 bilhões de reais nos próximos anos, recursos que devem ser destinados para a manutenção e desenvolvimento do ensino infantil, fundamental e médio.
Pois bem, na madrugada da última sexta-feira, 11 de dezembro, a Câmara dos Deputados deu o primeiro passo para que o novo Fundeb seja regulamentado e executado já no ano que vem. O relatório apresentado pelo deputado federal Felipe Rigoni (PSB/ES), parlamentar que compõe a denominada bancada da Fundação Lemman, representava um importante avanço. Além de deixar nítida a destinação dos recursos, incorporou outros elementos relevantes, como a questão da gestão democrática, da destinação dos recursos para o ensino infantil e, mesmo sofrendo algumas críticas, estabeleceu parâmetros mais equânimes para a distribuição dos recursos para as escolas, considerando o número de matriculados, índice de desenvolvimento econômico e social, nota no IDEB, etc.
Entretanto, o acordo fechado em torno do relatório foi desfeito no ato da votação. A bancada do governo federal apresentou um conjunto de destaques que, grosso modo, significa a destinação de recursos públicos para escolas particulares ou religiosas.
Outro destaque aprovado permite que o dinheiro do Fundeb seja destinado ao pagamento do salário dos(as) trabalhadores(as) da educação em geral, incluído aqueles(as) que trabalham em escolas confessionais/filantrópicas, e não apenas aos(às) dos(as) docentes, como prevê o texto constitucional. Não custa lembrar que boa parte dos recursos do Fundeb é utilizado para o cumprimento da lei do Piso Nacional do Magistério, medida importante para a valorização profissional do(a) professor(a). Com a ampliação da base dos beneficiados, muito provavelmente ficará mais difícil o salário dos(as) professores(as) ter aumentos, o que obrigará a revisão da Lei do Piso ou até mesmo seu fim.
Entretanto, talvez a medida mais preocupante tenha sido a que permite o uso de recursos do Fundeb em escolas privadas (confessionais e filantrópicas). Diferentemente do ensino superior, no qual a maioria das matrículas está em instituições privadas – com ou sem fins lucrativos -, as matrículas da educação básica se concentram, majoritariamente, na escola pública. Dados do Censo Escolar da Educação Básica, estudo elaborado pelo Ministério da Educação, apontam que, em 2019, 71% dos matriculados no ensino infantil estavam em escolas públicas, 80% do ensino fundamental e 87% do ensino médio.
Ora, ao liberar o uso de recursos do Fundeb para as escolas confessionais e filantrópicas, a Câmara dos Deputados autoriza os(as) governadores(as) e prefeitos(as) ampliarem as vagas em escolas não-públicas, a exemplo do que aconteceu no ensino superior nos últimos 30 anos. É o caráter público e gratuito da escola, direito garantido pela Constituição, que está em jogo. Além disso, tal medida permite a adoção do voucher como política de financiamento da educação básica. O voucher é o caminho mais curto para a mercantilização da educação.
Essas três medidas desconfiguram o espírito do novo Fundeb, aprovado para garantir mais recursos para o financiamento da educação básica, contribuir com o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), valorizar o magistério e fortalecer a escola pública. Em outros termos, de forma oportunista e traiçoeira, a bancada do governo federal na Câmara dos Deputados trai a essência do Fundeb ao permitir o uso de recursos públicos em escolas privadas. Agora é torcer para que o Senado reverta esta situação e recoloque o Fundeb no seu trilho original. É isso que se espera dos senadores e senadoras do país.
(*) Christian Lindberg Lopes do Nascimento é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Graduado em Filosofia (UFS), doutor em Filosofia da Educação (UNICAMP) e pós-doutor em Educação (UNICAMP).
**Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.
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