Entrevista

“O grande tema desta eleição é a questão da segurança pública”, diz sociólogo Marcelo Ennes

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Para o  sociólogo e professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS),  Marcelo Ennes,  o grande foco desta eleição em Aracaju é a segurança pública e  acrescenta que, tanto os candidatos a prefeito e vice, que são delegados de polícia, além dos evangélicos, conseguem espaço porque as pessoas querem se sentir mais seguras, inclusive, no plano espiritual.  Dos 11 candidatos a prefeito de Aracaju, três são delegados da Polícia Civil, assim como uma é candidata a vice-prefeita.

Além da falta de segurança, que afeta diretamente a vida das pessoas, o Brasil e o mundo vêm passando por um processo de deterioração, “ não na política em si, mas nos preceitos da democracia”, diz Marcelo Ennes. Ele lembra que  o mundo todo sofre com isso. “Estamos vendo o resultado das eleições nos Estados Unidos e o presidente derrotado não reconhece a vitória do outro”. Há, também, guerras culturais, discursivas e o eleitor se esquece de olhar quem são essas pessoas (os candidatos), “o que elas fizeram ou fazem, e ficam nesse bate-boca em cima de ideias sem nenhum tipo de realidade concreta”, destaca.

O sociólogo observa que “não existe mágica em política” e que há um “processo longo e doloroso de construção”. Isso porque, na visão dele, a sociedade está perdendo para o crime organizando, “que está totalmente embrenhado na política, com  as milícias e a corrupção”. Por isso, destaca, “precisamos lutar contra isso da maneira mais simples possível, sendo consciente, objetivo, olhando para o que tem que ser olhado”.

Na sexta-feira,  Marcelo Ennes  conversou com o Só Sergipe. Confira.

SÓ SERGIPE – O que se pode esperar hoje, domingo, nesta eleição para escolha de prefeitos e vereadores em Sergipe?

MARCELO ENNES – O importante é ir à secção eleitoral, exercer o direito e o dever de voto. O segundo ponto é fazer isso da maneira mais consciente possível, tanto em relação às escolhas, quanto em relação específica da pandemia, porque as pessoas têm que tomar os devidos cuidados, observando as normas da Justiça Eleitoral de como proceder nos locais de votação.

SS – E o que é um voto consciente?

ME – Existem duas possibilidades: uma é um voto pensando de forma positiva ideologicamente, das ideias, dos princípios políticos, da ideia de sociedade. E outra possibilidade é o sentido muito prático, focando o bairro onde vivo, a rua da minha casa, do posto de saúde que utilizo, e da escola que meu filho estuda. Então  esses dois níveis são importantes, mas acredito que o mais importante é a gente focar naquilo que é mais próximo de nós. Acho que esse é o parâmetro básico a observar: minha cidade está boa, tem segurança, tem escola, saúde?

Marcelo: eleitor tem que checar candidatos

SS –  Vemos muitos candidatos a vereador, principalmente,  prometendo que vai construir escola, praça, mas se sabe que esse não é o papel dele. Ele pode até pleitear junto ao prefeito essas coisas, mas ele não tem esse poder. Candidatos que fazem essas promessas estão enganando o povo?

ME – Eu acredito que é uma prática eleitoral de identificar as maiores necessidades. Quem não quer melhor educação, melhor lazer, melhor segurança?  Mas se colocam numa condição que, de fato, não é real. Ele como legislador faz propostas de lei. Aprovar lei é outra coisa. Então, dependendo do candidato, não sei se é desconhecimento dele, o que é mais provável, ou esse jogo eleitoral de promessas. O  que o eleitor pode fazer é checar o antecedente do candidato. O que essa pessoa, se já é vereador e quer a reeleição, já fez, o que aprovou? Isso é o básico que a gente esqueceu nas últimas eleições: ver quem são os candidatos. Se é deputado ou vereador, o que ele fez? São questões básicas de cidadania, de conhecer quem se propõe a ser seu representante.

SS – Estamos vivendo um momento muito conturbado no país, pessoas divididas por partidos e uma hostiliza a outra, em alguns casos. E ainda há  pessoas no país que instigam a divisão. Isso mostra que a política está deteriorada no país, professor?

ME –  No Brasil e no mundo todo. Estamos vendo o resultado das eleições nos Estados Unidos e o presidente derrotado não reconhece a vitória do outro e está jogando a população contra  isso. Acho que há uma deterioração, não da política em si, mas dos preceitos da democracia que, por mais falhos que possam ser é o que garantia o mínimo de convivência política. E está sendo deteriorado por essas guerras culturais, discursivas. Como eu disse: ela se dá nos discursos e se esquece de olhar quem são  as pessoas,  se esquecem de checar o que elas fazem ou fizeram e fica nesse bate-boca em cima de ideias sem nenhum tipo de realidade concreta.

SS – O que as eleições de hoje poderão influenciar para 2022? O senhor vislumbra algum prognóstico?

ME – Isso é uma resposta muito difícil, porque a política é muito instantânea, muito momentânea. Determinado fator pode alterar completamente o resultado. Eu acho que as eleições vão mostrar, com certeza, como o poder do presidente da República se desdobra, chega até os municípios por meio dos representantes. Teremos capacidade de analisar o poder político brasileiro na esfera federal se ele está enraizado nos municípios. Isso é uma coisa interessante de perceber. Quanto a refletir algo em 2022, eu acho que sim, mas não necessariamente. Depende do que vai acontecer nesse período.

SS – Como o senhor avalia a representação feminina nas eleições este ano?

ME – Apesar de todos os problemas que nós estamos vivendo há algumas sinalizações importantes e isso faz parte do campo democrático. O crescimento no número de mulheres candidatas, o número de pessoas ligadas à pauta GLBTQI+, acho muito importante. Porque da mesma maneira que a ideia se consagrou que a direita saiu do armário, essas outras forças precisam também ganhar espaço. Vamos esperar a eleição para ver como isso vai resultar de fato. Cresceu o número de candidatas, mas vamos ver se isso vai se refletir em votos concretos.

SS – O senhor concorda que o grande foco das eleições deste ano é segurança pública ou a falta dela? Afinal, só em Aracaju, dos 11 candidatos a prefeito, há três delegados da Polícia Civil disputando o comando da capital, e uma delegada da mesma instituição, numa chapa como vice-prefeita.

ME – Acho que o grande tema da eleição é a questão da segurança. Sociologicamente, a segurança não tem a ver somente com a questão da polícia. Porque isso explica, também, a presença de religiosos. A religião é uma fonte de segurança. Você tem, também, o crescimento no número de delegados candidatos, que é segurança. Então são duas frentes: uma ligada à segurança existêncial, focada na religião e dos delegados, que é segurança pública. Não é algo somente moralista, que as pessoas têm insistido. Não é isso. Há um moralismo, obviamente, mas a questão de fundo me parece que é a questão da segurança. Por que estas pessoas têm espaço? Porque as pessoas querem se sentir seguras. Inclusive, nesse plano espiritual.

SS – Até porque, a polícia deve ser a última trincheira de segurança. Se o prefeito da cidade não começa a trabalhar em comunidade, dando cidadania às pessoas, o tráfico, o crime organizado, vai lá e toma conta. Se não fizer isso, vão continuar enxugando gelo, porque o tráfico é uma erva daninha.

ME – Exatamente. Essa lógica é interessante, porque esse ‘enxugar gelo’ vira uma prática política. Não se resolve, justamente, para poder ter perfil de candidatos que  não vão resolver nada mesmo e que estão lá por outros motivos.

SS – E a população acaba sofrendo com essa turma e as coisas nunca são resolvidas. São praças abandonadas, posto de saúde abandonado e , ainda, existem cidades onde os traficantes dominam. Estamos perdendo a disputa?

ME – Estamos perdendo a disputa mesmo, porque o crime organizado está totalmente embrenhado na política, as milícias, a corrupção. Precisamos lutar contra isso da maneira mais simples possível, sendo consciente, objetivo, olhando para o que tem que ser olhado. Não existe mágica em política. É um processo longo e doloroso de construção.

SS -E o Estado, enquanto ente, tem que ser organizado. O crime já é organizado.

ME -O problema é que o Estado, hoje, se organiza com base no crime organizado. A fronteira entre o legal e o ilegal está comprometida. Onde as decisões das autoridades são colocadas em xeque pelas pressões que sofrem pelo crime organizado, então as coisas estão realmente difíceis, estão complicadas mesmo.

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Antonio Carlos Garcia

Editor do Portal Só Sergipe

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