O “Ministério da Verdade” adverte: Destrua este texto

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Marcus Everson Santos (*)

A dominação pela linguagem é a mais sutil e perniciosa masmorra da mente. As ferramentas de controle do comportamento verbal quando caem nas mãos de ideologias totalitárias causam forte impacto sobre a opinião pública e preparam o ambiente para a submissão total. Governos autoritários precisam dominar a opinião pública para manter-se no poder. Uma das ferramentas de dominação da opinião pública mais utilizada pela engenharia estatal é o controle do pensamento via manipulação e remodelagem da linguagem.

Uma das principais estratégias de dominação começa com o “preenchimento” do sentido das palavras que – como códigos abertos podem receber diversos significados –passa a reduzi-los a códigos fechados, encapsulados em significados previamente programados por agentes e burocratas do estado. Versados no “poder farmacológico” das palavras e sabido o efeito destrutivo desse remédio (que pode transmutar-se também em veneno) em reduzir a pó a capacidade de pensar livremente, tais agentes usam a dominação pela linguagem como uma verdadeira e autêntica arma de guerra não convencional.

As palavras nos permitem múltiplos significados que vão muito além do sentido literal. Tal como afirmava Saussure, aquilo que une o significante ao significado é socialmente convencional. Sistemas totalitários precisam criar uma relação causal fixa entre significante e significado, reduzindo tudo a códigos fechados. A transformação de códigos abertos em códigos fechados, isto é, que agem para determinar um único significado frasal no âmbito das relações sociais, são ferramentas úteis para o estabelecimento de um poder totalitário.

A mudança se opera quando se quebram as redes de valores, conhecimentos e imagens que constituem o repertório do nosso filtro social para a instalação sutil de uma nova conformidade semântica política e ideológica. Na medida em que os repertórios são diferentes de indivíduo a indivíduo, isto é, cada um enxerga a realidade não como ela é, mas, sim, de acordo com o seu próprio repertório psicossocial, a criação de um único amálgama social verbal é, sem dúvida, a principal armadilha atentatória às liberdades individuais e de pensamento. A transformação das palavras, imagens, gestos e discursos em balões de vento retórico, desconectados da experiência real, representa a consubstanciação do espírito que é próprio à mentalidade totalitária.

A mente pervertida e egocêntrica de um ditador anseia transformar toda a liberdade individual em argamassa coletiva, controlando seus sentimentos, seu modo próprio de expressar-se e de se colocar no mundo. Trata-se de fundar a primazia do coletivo sobre o individual, tal como proclamada em 1925, por Adolf Hitler, em seu livro Mein Kampf (Minha Luta). Vejamos a citação: “A coroação de todo o espírito de abnegação reside no sacrifício da própria vida individual em prol da existência coletiva; […] o idealismo genuíno não é mais nem menos do que a subordinação dos interesses e da vida do indivíduo à coletividade.” Assim, com o que afirmava Hitler, onde houver interesse individual, este deve ser esmagado por uma comunicação fechada e autoritária.

Abnegação significa renúncia, negação dos seus próprios interesses individuais, sacrífico. A tipologia do “abnegado”, conforme a mentalidade doentia de um Hitler, Mussolini, Napoleão, Stalin, Pinochet, Saddam Hussein, Mao Tsé Tung, Nicolas Maduro, Daniel Ortega, dentre outros, é típico de quem, no fundo, deseja submeter o indivíduo a um longo processo de despersonalização até que finalmente ele possa sucumbir à masmorra mental das massas. Como exemplificado em Mein Kampf, de Hitler, a propaganda e o domínio da opinião pública por meio de uma linguagem fechada e autoritária exigem das massas sacrifício e renúncia. Tais sacrifícios estão sempre acompanhados da promessa de terrestrialização do paraíso que nunca chega.

A promessa do paraíso coletivista embrenha-se em praticamente toda a comunicação estatal, seja nas revistas, nos livros didáticos, nos filmes, nas peças teatrais, nas músicas, no jornal impresso e televisivo. O poder total requer o controle e uso de todas essas ferramentas de comunicação. O condicionamento e controle pavloviano do comportamento mantêm as mentes cativas submissas às promessas que nunca se realizam no mundo real. Tal deslocamento é intencionalmente construído para manter os grilhões do controle social sempre firme.

O controle vertical das massas codificado em uma comunicação fechada e autoritária, o esvaziamento e a desconstrução semiológica da identidade estão muito bem explicitados no livro de Izidoro Blikstein “Semiótica e Totalitarismo”. Blikstein parte de várias bases teóricas para nos mostrar como a semiologia pode nos revelar o que há por trás dos discursos autoritários. A linguagem autoritária impõe-se esvaziando o sentido mais amplo das palavras, reduzindo-as a um único comando. O nacional socialismo alemão e o soviético – reservada a especificidade racial implicada no sistema alemão – nos oferece um bom exemplo do controle progressivo do pensamento via controle da linguagem.

No livro LTI – A linguagem do terceiro Reich, de Victor Klemperer, lemos o seguinte: “O Nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras expressões ou frases, impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas mecanicamente. […] Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênio: são engolidas de maneira despercebida e aparentam ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar”. Inoculadas por uma rede complexa de sustentação da maquinaria estatal, palavras, gestões e expressões são verdadeiras armas de destruição e despersonalização em massa. Processos dissociativos são muito comuns em sociedades tomadas por regimes totalitários.

Sob o terror dos expurgos e perseguições, o sentimento de distanciamento de si é recorrente em indivíduos que vivem em regimes totalitários.  No livro “Diagnóstico do nosso tempo”, de Karl Mannheim, a técnica da repetição e da despersonalização progressiva, largamente utilizada pela propaganda nazista, provocou nos indivíduos um deslocamento gradual da realidade e uma funesta fragmentação do pensamento. Posto que as coisas apresentam-se a cada indivíduo de formas diferentes, segundo Mannheim, a submissão individual a certo grupo acaba por tolher e impedir uma visão mais acurada do mundo. Essa cegueira cognitiva continua a fazer vítimas nos mais variados grupos que já assumiram algum tipo de identidade social. Mannheim insiste que a adoção impensada a um determinado grupo ideológico ou utópico ofusca a nossa capacidade de discernir e investir em novas possibilidades de compreensão do mundo.

Sobre estratégias de controle social, o livro de George Orwell, 1984 – que há muito tempo deixou de ser mera distopia – nos mostra como o Big Brother (O Grande Irmão – que tudo controla), gradualmente, implementa uma novilíngua para diminuir a extensão do pensamento individual em detrimento do coletivo; reduzindo a capacidade de pensar livremente a um número cada vez menor de palavras e expressões autorizadas pelo regime totalitário. Com a masmorra da mente finalmente construída, e com receio da punição pública, a comunicação entre os indivíduos tornou-se meticulosamente gerenciada, seja por meio de um poder central ou por grupos descentralizados mancomunados com o poder estatal.  Podemos afirmar com segurança que George Orwell foi profético ao nominar adequadamente essa gigantesca rede de controle social de “Ministério da Verdade”.

A limitação de um único ponto de vista dentre vários e o controle estatal da linguagem erguido com o apoio das atuais tecnologias da informação fizeram surgir um novo império global. A construção desse império tornou-se um verdadeiro acinte à liberdade de expressão. A existência do “Leviatã” totalitário moderno emaranhou-se de tal forma ao nosso tecido social e cognitivo que nem mesmo esse o qual vos escreve deixou de sentir, momentaneamente, a força de seus tentáculos e o poder de sua voz sussurrando: “Destrua este texto e recolha-se: The Big Brother is watching you!”.

 

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(*) Professor, palestrante, licenciado em Filosofia, mestre e doutor em Educação; Membro da Academia Maçônica de Ciências Artes e Letras. Secretário da Educação e Cultura do GOB-SE.

 

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Marcus Everson Santos

Professor e Ensaísta Licenciado em Filosofia, Mestre e Doutor em Educação, Colunista do Portal Só Sergipe.

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