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O Sete de Setembro e a (des)construção da Nação

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Por Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

Com a Proclamação da Independência do Brasil de Portugal, no dia 7 de setembro de 1822, a Monarquia, regime de governo que passou a conduzir os seus destinos, tratou de levar adiante um processo de formação da identidade nacional, tão bem estudado e discutido pelo sociólogo Renato Ortiz (77 anos), em sua obra – “Cultura brasileira e identidade nacional” (1985). Entre as iniciativas daquela época, a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1838.

Com a Proclamação da República (1891), a ideia da formação identitária de uma nova nação seguiu acontecendo aos sabores e humores dos governantes e de suas políticas/interesses de classe e grupos abastados. Assim, inspirado no lema “Ordem e Progresso”, de orientação positivista, uma nova bandeira e novos símbolos nacionais foram gestados. Em 1900, como representação daquele momento, a publicação do livro “Porque me ufano do meu país”, de Affonso Celso (1860-1938), se tornou uma leitura obrigatória nas escolas públicas. Segundo Maria Helena Câmara Bastos (PUC-RS), a obra se transformou numa verdadeira “cartilha de nacionalidade” (2020).

Este projeto de nacionalidade, na perspectiva de uma memória não necessariamente herdada, mas imposta, foi ainda mais contundente na Era Vargas (1930-1945). O nacionalismo brasileiro daquela época flertou com outros dois tipos muito nocivos de nacionalismos que deixaram estragos terríveis para a história da humanidade, com reflexos que se fazem sentir no tempo presente, a exemplo do nazismo alemão e do fascismo italiano.

Este “amor à Pátria”, entra governo e sai governo, como um camelão, foi assumindo “cores” diferentes, mantendo-se o verde-amarelíssimo e o “culto” à nação brasileira, com suas matizes principais, a exemplo do Sete de Setembro, que de cívico, agregou também elementos alegóricos do Carnaval e das fanfarras, se transformando numa “festa” e não necessariamente numa celebração à ideia de ser brasileiro e ter orgulho disto, não no plano do ideal e cênico, apenas, mas também real, como um país que pudesse ser maduro e que oferecesse dignidade, sobretudo, para os mais necessitados.

Durante o regime militar brasileiro (1964-1985), o nacionalismo e o patriotismo chegaram ao extremo. A ideia de identidade nacional foi apropriada por uma ideologia que reprimia, perseguia e até matava. Período que coincidiu com o que Nelson Rodrigues (1912-1980) chamou de “a pátria de chuteiras”, dada a conquista do tricampeonato mundial de futebol, pela Seleção Brasileira de 1970, tendo Pelé como o grande destaque. Foi a primeira vez que uma das nossas principais paixões nacionais foi sequestrada por uma ideologia autoritária não necessariamente para aumentar o orgulho de ser brasileiro nas pessoas (isso era a capa ou máscara, como queiram), mas para dominar e se perpetuar no poder, deixando o povo alijado do processo político.

Até bem pouco tempo, todos esses símbolos oficiais, construídos e desconstruídos ao longo de mais de cem anos, até à camisa da Seleção Brasileira, foram novamente sequestrados por uma ideologia que além de ser saudosista dos tempos de chumbo, roga para si, e somente para si (pois se arvoram de únicos e verdadeiros patriotas), o que deveria ser da Nação. Como uma criança pode ter amor ou ao menos empatia com todos eles (símbolos e Seleção Brasileira), se tais sequestradores subvertem e enodam sua semântica e importância identitárias?

Tais ponderações aqui expostas vão ao encontro do que o sociólogo francês, Michael Pollack (1942-1992) traduz numa frase didática e precisa que diz: “A memória organizadíssima, que é a memória nacional, constitui um objeto de disputa importante, e são comuns os conflitos para determinar que datas e que acontecimentos vão ser gravados na memória de um povo” (1992, p. 4). Logo, o que vimos e temos visto não se trata de uma memória de um povo, mas de uma memória seletiva, que sofre flutuações, que traduz um combate pela ideia de nacionalidade que melhor convém às ideologias de momento e não à expressão coletiva de uma nação que multifacetada em todas as suas nuanças, das étnicas às religiosas, das sociais às sexuais. De todos e não acima de tudo.

Vale dizer, como uma reflexão oportuna para esta data tão referenciada até os nossos dias, que é mais significativo estimular nas crianças – em casa e nas escolas – a ideia de pertencimento, no que se refere ao sentimento de expressão de amor, carinho, zelo, seja lá o que for, pelo Brasil. Muito mais do que estes “ismos” todos que, como vimos, estão eivados de ideologias que flertam ou se lançam, abertamente, à propagação da alienação, do ódio e de toda uma série de manifestações manipuladas, que estão longe de ser uma identificação natural com o país, espontânea e livre. E nesse processo de construção/desconstrução/ressignificação de uma ideia de pertença, jamais abrir mão do senso crítico e livre, tão importante e necessário para que a Nação seja, realmente, digna de ser celebrada no Sete de Setembro.

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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