Eles embarcaram na mesma aeronave, não se viram no aeroporto, um chegou primeiro que o outro. Sentaram-se na mesma fileira, em lados opostos, tendo o corredor a separá-los. Tão logo se viram, após acomodarem os pertences de mão no bagageiro, já sentados em suas poltronas, cintos afivelados, os olhares se cruzaram, magneticamente se atraíram. A todo instante se olhavam e desviavam os olhares. Ela o viu esboçar um pequeno e tímido sorriso, ela disfarçou mais uma vez. O voo que os levaria a São Paulo seria de três horas. Ele adormeceu tão logo a comissária serviu um pequeno e esquálido lanche, após as luzes da cabine se apagarem. Sem sono, ela pegou a revista de bordo, colocada no bolsão à sua frente. Ligou a luz em cima de seu assento, folheou a revista, leu sobre um assunto que lhe interessava, sempre observando-o de soslaio. Não o achou feio ou bonito, acho-o másculo, aquilo mexeu com ela. Pensou, com um leve sorriso maroto, “quem sabe, por que não?”.
Uma pequena turbulência o acordou; olhou para o lado, e viu que ela o observava. Assim que os olhares se cruzaram, ela desviou o olhar e fixou-o na revista em suas mãos.
Desembarcaram em Guarulhos, sem palavras, mas os cúmplices olhares diziam muito, já os comprometera.
Na esteira rolante, ele pegou sua bagagem, fez um pouco de cera, até que a viu colocar a mala no carrinho. Ele emparelhou os carrinhos, ficaram próximos, e ele pode sentir o perfume dela.
-Bom dia, tudo bem? Perguntou ele.
-Bom dia, tudo bem…
-Você mora em São Paulo?
-Não, vim a passeio, ou melhor, vim para compras, tenho uma boutique.
-Você mora em São Paulo? Perguntou ela, entre curiosa e inibida.
-Não, vim a negócios, vou passar uma semana.
Antes de se despedirem, trocaram telefones, um forte aperto de mãos, selou aquele primeiro de muitos encontros. Ela ainda o viu cheirando a própria mão, talvez a conferir o perfume dela que ficou na mão dele.
Na noite daquele mesmo dia, ele lhe ligou perguntando se poderiam jantar, ela agradeceu o convite, mas recusou alegando cansaço. Prometeu que no dia seguinte poderiam almoçar, caso ficasse bom para ele. Agora era a vez dele agradecer, teria reunião já marcada para a hora do almoço, mas os dois estariam livres para o jantar.
No horário combinado se encontraram em um restaurante na região central da cidade, lá estavam a iniciar um tórrido romance, que começara com a troca de olhares, nos ares, a oito mil pés de altura, nos céus do Brasil.
Ambos nos outonos de suas vidas, casados, com filhos criados e netos.
Ela sentada naquele restaurante, a conversar com aquele senhor, até então desconhecido, passaram a falar de suas vidas, seus desejos, suas amarras, sem se preocuparem com o que viria pela frente. Ela o achou inteligente, envolvente.
Ele a convidou para irem para o hotel dele. Ela, mesmo insegura, pensou por um minuto, mas aceitou, “por que não?”. “Estou longe de casa, baixa a guarda”, falou aos botões dourados da blusa preta.
Foram momentos de descobertas. Ela pediu a ele que tudo ali fosse devagar. Era mulher de um homem só, o marido fora seu primeiro e único namorado. Foi ao banheiro, se despiu, enrolou-se na toalha e foi ao encontro dele.
À proporção que os encontros se intensificaram, melhor conheciam como funcionavam seus corpos. A felicidade dos amantes aflorou. Ela descobriu as delícias do sexo a dois, coisa inimaginável até um dia antes.
Os encontros passaram a ser fora de suas cidades de moradia. Desalinharam camas no Rio, Recife, Belém; tomaram café da tarde no Tortoni, na Avenida de Mayo em Buenos Aires. Dividiram centollas e vinhos nos bons restaurantes de Santiago e Viña del Mar, no Chile. Se divertiram em Las Vegas, fazendo jus ao “o que se faz em Las Vegas, fica em Las Vegas”.
Ela se descobriu mulher com ele, nunca tinha experimentado um orgasmo nos trinta e sete anos com o esposo. Casara virgem, e por pouco conhecer da arte do amor, o sexo caseiro lhe bastava. Tivera três filhos, sem nunca experimentar o gozo.
Na viagem a Portugal, hospedados em um hotel na praça do Rossio, por onde tantas vezes caminhou Fernando Pessoa, fizeram amor tórrido, observando da janela os lisboetas em suas caminhadas.
Na volta para casa, sentindo que estava se apaixonando por aquele homem que lhe apareceu nos ares, resolveu que era hora de parar.
Pensou no marido, que mesmo com a vida monótona, criatividade zero, sexo protocolar somente uma vez em ano bissexto, lhe tinha respeito. Pensou nos dois filhos homens, já casados, que jamais lhe perdoariam se soubessem que tinha um amante; lembrou da filha, que a tinha como exemplo de mulher. Enfim… os netos. As adoráveis crianças, suas paixões, não suportariam saber que a bondosa vovó, tinha vida dupla. Sorriu sozinha, o que vão pensar de mim, mulher honrada e ao mesmo tempo safada. Lembrou até do padre da paróquia, que aos domingos, após a missa, almoçava com toda a família. Calculou o tamanho do escândalo.
Após ter vivido tantas aventuras inacreditáveis até para ela, se encontraram em São Paulo, onde tudo começou, para a despedida. Jantaram no mesmo restaurante, conversaram muito, riram por conta do vinho e das deliciosas lembranças; ele ainda lhe pediu um beijo de despedida, ela achou mais prudente que não. Após a despedida, o forte aperto de mãos, ela se levantou para ir embora, caminhou pelo amplo salão, ele a observá-la, a lembrar-se cada bom momento vivido com aquela dama. Ela ainda se virou para trás, e ao vê-lo pela última vez, ele estava a cheirar a mão, sentindo o perfume deixado por ela. Sorriu, aguardou o táxi, desapareceu.
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Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes.