Desembarco em Boa Vista, última etapa da viagens de 32 dias de caminhada pelo mundo. Nesta viagem cheguei ao 151° país visitado em todos os continentes. É meio-dia. Saio do pequeno aeroporto e vejo que o aplicativo para pedir um carro não funciona. Ligo para Frederico, meu filho, em São Luís. Frederico é meu GPS, Google e assessor para todos os assuntos e pendências.
Digo para ele pedir um carro. Dou as coordenadas de localização do aeroporto e do hotel onde ficarei hospedado pelos próximos três dias. Em minutos Frederico me passa a placa, a cor do carro e o nome do condutor.
Não demora chegar o carro, com as características descritas.
-Boa tarde, sou Oriosvaldo.
Solícito e comunicativo, se apresenta o motorista. Desce, pega minha mala coloca no bagageiro. A mochila no banco de trás juntamente com minhas muletas.
Pergunta como foi o voo, se eu já conhecia Boa Vista, se já tinha sentido o calor da cidade.
Respondo que a viagem foi boa, que era minha primeira vez na cidade, o calor senti assim que cheguei do lado de fora do aeroporto Athas Brasil Cantanhede.
– Seu Luiz, aqui é quente, tem gente daqui que diz que Boa Vista fica a dois palmos do inferno. Eu não sei dizer, não sei se é verdade, porque nunca fui ao inferno. Para falar a verdade nem quero ir. Mas que é quente, é quente, o senhor vai sentir. De que lugar o senhor é?
-Sou do Maranhão, respondo.
-Meu pai é do Maranhão, de um lugar chamado Santa Luzia.
-Lá no Maranhão tem duas Santa Luzia: Santa Luzia do Tide; e a outra, Santa Luzia do Paruá.
-Agora o senhor me pegou, não sei não. O pai quando chegou aqui foi lá atrás; ele ajudou a construir essa cidade. Desde que ele chegou aqui, nunca mais voltou. Aqui tem muita gente das bandas do Maranhão. Quase todo o estado de Roraima é de gente do Maranhão.
Pergunto quanto tempo ele trabalha com aplicativo.
-Não faz muito tempo não. Foi do ano passado para cá. Da pandemia para cá. Estava parado, tinha tirado a habilitação, resolvi fazer Uber.
-Esse carro é seu?
-Quem me dera, não tenho “bala” para comprar carro, não senhor. Não sei se o senhor entende o que é “bala”. Seu Luiz, “bala” é “dindin”, ou melhor “dinheiro”. Não tenho crédito para financiar um carro. Esse carro é do Tonho, meu amigo, que vive com minha cunhada. Como ele tem uma barbearia, quando ele não está trabalhando no carro, eu pego pra rodar.
Oriosvaldo muda a estação de rádio e sintoniza uma que toca Marília Mendonça. Ele cantarola a música, fazendo dueto com a cantora sertaneja goiana.
-Uma pena uma mulher dessa morrer. Tão jovem, no “audi” do sucesso. Tanto futuro pela frente. Mas Deus quis assim, fazer o quê? A gente não manda em nada, Deus que determina tudo. Seu Luiz, posso fazer uma pergunta?
-Faça meu amigo.
-Andar de muletas deve ser ruim demais, não é?
-Muito ruim, Oriovaldo, mas não tem outro jeito. Após o acidente, são as muletas que me levam para todos os lugares.
-É seu Luiz, pelo menos o senhor anda, saiu do Maranhão e chegou nessa “lonjura” toda. O senhor é um “homi” determinado.
-O meu sogro, seu Umbelino, sofreu uma “congestão”, ficou todo “troncho”, e não anda mais. Fica o tempo todo em “riba” da cama, ou na cadeira de rodas. Até para tomar banho tem que ser pelas mãos do outros. Se o senhor conhecesse seu Umbelino antes – era um “homi” sadio, trabalhador, labutava na roça – não imaginaria que ele ficasse nessa situação. Hoje faz dó de ver.
E pergunta:
-O senhor tá reparando a cidade?
-Estou, sim.
-Nossa cidade é bonita, pelo menos pra mim que nunca saí de Roraima.
-O que o senhor conhece por aí? Já foi em Manaus, São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília? Só de olhar pela televisão eu tenho medo, não tenho vontade de conhecer não.
Para não assustar Orisvaldo, digo que sim, que conheço as quatro cidades, mas não acrescento nenhum outro lugar.
-Seu Luiz, o senhor é pião rodado, conhece isso tudo? O senhor não tem medo de andar por aí de muletas? Não é perigoso?
-Não, a gente se acostuma.
-Sei não. Acho que eu não me acostumo. Eu sou matuto, fui criado na roça. Gosto é do cheiro do animal, gosto de montar no cavalo. Na área do meu pai tenho um cavalo que só eu monto, o bicho é arisco. Todo final de semana, saio de Boa Vista e vou para meu reduto. Lá é o melhor lugar do mundo. Se o senhor fosse ficar mais tempo, ia levar o senhor lá.
Oriosvaldo comenta:
-Seu Luiz, chegamos. Aqui é o seu hotel. Desculpe as matutices, mas eu sou assim, gosto de prosear.
Oriosvaldo estacionou o carro, tirou a mala, depois a mochila, acomodou-as no sofá da recepção. Apertou minha mão, desejou boa sorte. Reforçou a dica para eu apreciar Boa Vista. Olhou para o celular, nova corrida.
Seguindo o conselho de Oriosvaldo, passeei por Boa Vista. Realmente, uma bonita cidade, muito limpa, de gente boa, porém muito quente.
O mundo é fabuloso. O mundo de cada um é do tamanho de nosso horizonte.
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Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, escritor, cronista e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. O sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes.
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