quinta-feira, 14/11/2024
Alunos altamente preparados podem aprender estudando sozinhos Fotos: Pixabay

O velho professor

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Por Manuel Luiz Figueiroa (*)

 

O critério de escolha do curso na hora do vestibular, principalmente nos cursos noturnos, das universidades públicas, passa pela lista dos índices de concorrência publicados por essas instituições.

A experiência com a docência universitária, no exercício de gestão, ensina muitas coisas das quais se destacam o saber ouvir, o falar pouco, afastando-se da crítica de opinião, e encontrar soluções para as questões do dia a dia.

Um gestor recebeu uma estudante que estava terminando o primeiro período de curso noturno e ouviu mais ou menos o seguinte:

Estudante: “Estou decepcionada com o curso e com a Universidade, nem um nem outro correspondem às minhas perspectivas. Alguns professores são vaidosos, arrogantes e tratam os alunos com desprezo e perdem muita aula. Outros são bonzinhos, mas chegam atrasados nas aulas e saem antes do horário. A maioria trata durante o horário das aulas de assuntos estranhos à matéria, falam de futebol, da briga em família, de política partidária, doutrinando os alunos, de religião etc. Eu e a maioria dos colegas estamos reprovados em Cálculo I, Introdução à Estatística e Matemática Básica. Na hora da prova cobram o que não ensinaram dizendo que tal assunto deveria ter sido aprendido no nível médio. Vim aqui para cobrar explicações do senhor.”

Professor: “Conhece a história do menino pobre que queria ser rico? Era uma vez um menino pobre que morava em um bairro da periferia. O pai dele era operário de uma fábrica de tecido de um bairro industrial recebendo menos que o salário-mínimo, instituído por Getúlio Vargas, um dos nossos ex-presidentes. Naquela época, a jornada do trabalho era de nove horas por turno, mas a fábrica funcionava às vinte quatro horas do dia com apenas dois turnos. Após o trabalho da fábrica esse homem ia pescar para trazer algum alimento a mais para a família – mulher e doze filhos. Esse trabalhador era um homem embrutecido pelas dificuldades da vida e sempre tomava umas doses de cachaça na bodega da esquina. De tanto beber cachaça para superar a fome, tornou-se um alcoólatra e foi demitido do emprego. Sem emprego, se tornou frequentador da bodega chegando em casa sempre bêbado. Contam que algumas vezes agrediu a mulher e os filhos. Morreu alguns anos depois de cirrose hepática, sozinho, abandonado pela família. Esse pai de família comportou-se algumas vezes como o pai do nosso presidente Lula, conforme o filme ‘Lula filho do Brasil’.

Analise o comportamento desses dois viciados pelo álcool – no contexto da época, sem nenhuma profissão, sendo explorado pelo sistema dominante – e atire a primeira pedra. A mãe desse nosso personagem, o menino pobre, apesar de parir todo ano, era lavadeira de aluguel das madames em troca de alguns trocados das senhoras de bom coração, pois algumas delas tinham o hábito de não pagar. E cobrar a dívida, nem pensar em tamanha ofensa. O menino começou a trabalhar para ajudar a família, matriculou-se num curso noturno, na extinta Escola do Comércio, formou-se em Técnico em Contabilidade e conseguiu um emprego público, através do marido da caloteira que era político. Num desses dias de trabalho que Deus nos dá, nosso obreiro da contabilidade decidiu que era o momento de realizar o sonho de infância. Qual era esse sonho que fora acalentado por tantos anos? O seu desejo de comer uma moqueca de camarão pistola, camarão gigante, coisa para ricos, com mamão. O mamão tinha no quintal da casa e o dinheiro para comprar os maiores camarões do mercado ele também tinha. Foi num dia de terça-feira que ficara tudo acertado para o próximo domingo, com o convite para o médico da família que o tinha batizado, aquele médico que morava na rua Pacatuba em frente ao colégio Tobias Barreto e que foi vice-governador do estado. Ele ficou conhecido como o médico dos pobres. Ocorre que na quinta-feira o nosso festeiro foi acometido de um mal súbito e no posto de saúde ouviu o diagnóstico. Você está com o colesterol alto e uma crise de “Gota”, o famoso ácido úrico. Fica proibido de comer camarão e demais crustáceos. A festa do domingo foi suspensa e o sonho de infância não foi realizado. Quando ele podia comer camarão não tinha dinheiro; quando ele tinha dinheiro, a saúde não mais lhe permitia saborear a iguaria tão desejada.

Estudante: “O que o senhor quis dizer com essa história?”
Professor: “A gente nem sempre come o que quer.”
Estudante: “Ainda não estou entendendo!”
Professor: “Está com tempo e disposição para ouvir outra história?”
Estudante: “Estou sim, senhor. Apesar de não ter entendido, achei a história interessante.”
Professor: “Eu tive um ex-aluno, filho de uma empregada doméstica que estudou todo o curso médio na escola pública e que veio me reclamar de um professor que o chamou de burro. Esse aluno no primeiro período foi reprovado nessas três disciplinas que você citou. Naquela ocasião, olhamo-nos nos olhos e disse: “não acho que você seja burro”.

Professor: Qual a sua opinião?

Estudante: Claro que eu não me acho burro.

Professor: Então vamos provar a esse professor que ele está equivocado.

O aluno arregalou os olhos e disse: “topo”.

Professor: Primeiro vamos entender o que aconteceu com os seus estudos de matemática. No seu curso médio o professor de matemática da 1ª série não terminou nem metade do livro, os professores da 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries também não ensinaram nem metade dos seus respectivos livros. É sabido que para se aprender multiplicar primeiro se aprende a somar. A aprendizagem da matemática é como a construção de uma casa, primeiro se prepara o terreno, constrói os alicerces, levantam as paredes e por fim constrói-se o telhado. É impossível começar a construção de uma casa pelo telhado. A proposta é elaborar um projeto para a reforma da sua casa da matemática. Elaborou-se um programa de estudo, suprindo todo o conteúdo necessário, que o aluno se submeteu com satisfação. O tempo passou, nosso estudante se graduou, fez mestrado, iniciou o doutorado e foi trabalhar em uma empresa pública, após lograr o primeiro lugar no concurso público. Esse ex-aluno, algum tempo depois, voltou para uma visita ao velho professor, ocasião em que externou os sentimentos de gratidão, coisa muito rara nos dias atuais. Aproveitando a oportunidade, o professor o convida para proferir uma palestra aos novos alunos sobre o tema: “Como obter sucesso em um curso noturno.” A palestra teve a presença de muitos alunos, dos professores, inclusive, aquele, em especial, tendo sido um sucesso. O palestrante, quando foi abraçá-lo, sussurrou nos seus ouvidos: “Professor aquele nosso amigo me cumprimentou dizendo que se orgulhava por ter contribuído para o meu sucesso”. E você contestou? Eu não. Ele nunca entenderia. Devolveu a ofensa? Não foi preciso. E ficaram abraçados sorrindo por algum tempo.

Como se conclui, a missão do professor não é simplesmente ir para uma sala de aula e desenvolver um conteúdo programático. Na maioria das vezes, o saber ouvir é mais educativo. Compreender as dificuldades do aluno, encaminhá-lo à assistência pedagógica, pode ser uma ação educativa, em defesa dos altos objetivos da instituição de construir homens para uma sociedade mais igualitária.

Alunos altamente preparados não precisam de professores, pois estes podem aprender estudando sozinhos com algumas orientações. O mister do professor é exercido em toda plenitude quando recupera estudantes da escola pública que são vítimas de uma escola decadente.

 

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Sobre Manuel Luiz Figueiroa

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Professor Manuel Luiz Figueiroa é aprendiz maçom da Loja Maçônica Clodomir Silva

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