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Por Léo Mittaraquis (*)

 

É Dionísio, o deus do vinho, que traz este vestígio aos homens sem-Deus envoltos pela escuridão da sua noite do mundo. Porque o deus das videiras guarda nestas e nos frutos destas, simultaneamente, a co-pertença originária da terra e do céu como o terreiro festivo onde se celebra a união entre os homens e os deuses.

Martin Heidegger

 

José Ortega y Gasset é um dos nomes próprios mais completos e elegantes que conheço. Para começar, “Ortega” é alvo de distintas opiniões sobre sua origem. Segundo Roberto Faure, coautor do Diccionario de Apellidos Españoles, Ortega é derivado do substantivo ‘ortega’, uma denominação variante da espécie vegetal urtiga espanhola. O nome da planta é encontrado como topónimo em vários locais de Espanha, como Ortega (Burgos) ou Ortega (Jaén). O Dicionário de Sobrenomes Americanos afirma que o nome pode derivar de ortega: “perdiz-preta”. E Gasset? Bem, acredita-se que Gasset seja um nome patronímico formado a partir de um nome próprio medieval agora desconhecido. Uma forma latina mais antiga do sobrenome era Garsea, mas as raízes desse nome podem muito bem ser anteriores à era latina e vir da língua basca.

Prumodeduquê essa coisa toda acima?

Ué, pra começar dalgum lugar, pois.

Tava pensando como entrar mesmo no assunto, ou seja, o pensador da vez e os vinhos, então decidi meio que o apresentar.

Filósofo, sociólogo, historiador, esteta… O homem foi tudo isso de vera. Bom em todas esses campos do conhecimento.

Não queria restringir a nenhuma área de estudo em seu diálogo interminável para entender melhor o que era de importância central para ele: O QUE SIGNIFICA SER HUMANO. Ele escreveu sobre filosofia, história, crítica literária, sociologia, relatos de viagem, filosofia da vida, história, fenomenologia, sociedade, política, imprensa e romance, para citar alguns dos vários tópicos que explorou.

Ortega y Gasset exibia (no bom sentido), digamos, várias identidades: era filósofo, educador, ensaísta, teórico, crítico, editor e político. Ele não se esforçou para ser um “filósofo profissional”; em vez disso, ele pretendia ser um “ensaísta filosófico”.

Eu sei, eu sei… Tenho de incluir a obra “Rebelião das Massas”, citado à mancheia e pouco lido (que nem os livros de Walter Benjamin). Mas se não mencionar fica igual à missa em que, pelo menos, parte da bíblia não foi citada.

Esta, sua teoria, hum… Como diria? A mais polêmica, talvez: a rebelião das massas reflete as crises da nossa época. Isto no século XX, primeiro terço. A obra é de, creio, entre 29 e 30. O “homem-massa” contra a “minoria seleta”. Quem nunca leu Ortega y Gasset (refiro-me aos que, por seu discurso mesmo, são obrigados a fazê-lo), ou que o leu e não o entendeu (miríades), conclui que o filósofo está a propor uma divisão, uma classificação social ideológica, entre pobres e ricos. Bem, não é isso. Mas, caso alguém queira uma aula, cobro 50,00 a hora.

Lê-lo — suas obras, quero dizer —  é o nobre e privilegiado misto de satisfação e aprendizagem constante. Minha dívida estético-filosófica para com este autor é imensa e impagável.

Voltemos ao vinho, ô mania de digressão, vixe!

Enchimento de linguiça, só isso, mon amis…

Ortega y Gasset, não só amava os vinhos, conhecia bem os rótulos, e se valia, com elegância, da bebida quase como uma figura de linguagem: contra o tédio, contra a dor universal, contra o vazio da existência, faz-se necessário beber vinho, de preferência os fortificados, se  possível, das adegas alheias. Em seguida devemos nos encher de arte, de doçura, de afeto. Estou a parafraseá-lo, bem entendido, adaptando-o às sórdidas intenções do meu texto.

Ortega e Gasset amava o Jerez, o “Palo Cortado” notadamente o “Três Palos Cortados”. Considerava-o a plena felicidade em estado bebível.

Há quem discorde. Mas gosto e como… Cês sabem…

A bebida tem sua história começada no século XIX. Cumpre esclarecer que tal história não é lá muito exata e conhecida, embora se tenha a certeza de uma coisa: a bebida , afirma-se, é fruto de um acidente. Vamos lá.

Em 1863 aparece a primeira referência Palo Cortado. Vinho muito antigo, fino e perfumado com símbolos de palmeiras: um belo oloroso.

Hoje esse tipo de vinho está mais que consolidado, a partir dos três tipos diferentes de Palos Cortados: um blend de colheitas segundo o sistema Criaderas e Soleras; as de Añada e as de Cabeceo. Estou acossado por imensa preguiça, portanto, não me estenderei com a tipologia, com a técnica.

Voltemos a Ortega e Adega…

Para o pensador madrileno, “os êxtases diante do vinho de Jerez, diante do céu polido de Castela, diante das pupilas febris de uma mulher andaluza”, são as coisas que importam em tempos de paz.

Havia, e permanece em seus escritos, algo de cósmico e de mitológico, no sentido poético, em sua maneira de pensar o mundo, mas sem renegar o mundo real. Recordemos de que o conhecimento, para Ortega y Gasset, assim penso eu, tem fundamento e origem na vida humana considerada como “realidade radical”. Em outras palavras: a proposta de Ortega será do exercício intelectual que não partirá de uma suposta douta essência do ser humano, mas do essencial da vida humana.

Em suas produções estéticas, filosóficas, ensaísticas, críticas, a cultura do vinho (claro, tendo à frente o Jerez) é citada várias vezes, e sempre relacionado à paixão pela vida, pela realidade, ainda que, por vezes, hedonista, da vida.

Em suas “Obras Completas”, publicadas por “Revista de Ocidente” em parceria com “Talleres Gráficos de Ediciones Castilla”, Madri, Ortega y Gasset dirá que “O mais famoso helenista alemão do início do século disse que o Ocidente está dividido em duas massas humanas, separadas por uma fronteira composta por dois tipos de alimentos: de um lado, os povos que bebem vinho, usam azeite e comem mel; do outro, as aldeias que bebem cerveja, comem manteiga e Sauer Kraut”.

Quanto ao maior helenista alemão, salvo engano, está a se referir a Friedrich August Wolf. Entretanto, posso estar a dar tiro n’água, pois, outros nomes, como  Zeller ou Schleiermacher, merecem tal honra.

Quanto a Sauer Kraut (ou Sauerkraut), eis o chucrute, isto é, uma preparação culinária que é feita através da fermentação das folhas frescas do repolho ou da couve.

Penso que podemos, de certa forma, beber, e até comer, com Ortega y Gasset; ir com Ortega à Adega, se soubermos sorver os finos aromas, os raros sabores, enquanto corremos os olhos e lemos com o coração suas linhas.

Santé 🍷

 

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Leo Mittaraquis

Léo Mittaraquis é graduado em Filosofia, crítico literário, mestre em Educação. Mantém o Projeto "Se Comes, Tu Bebes". Instagram: @leo.mittaraquis

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