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Os acidentes de percurso para licitação do transporte coletivo; empresa que denunciou o processo no TCE tem escritório no Santos Dumont e vizinhos não o conhecem

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Depois de dois imbróglios jurídicos – um do Ministério Público Estadual pedindo à Justiça a suspensão da licitação e outro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que efetivamente barrou o prosseguimento do processo – a licitação do transporte coletivo de Aracaju e região metropolitana parece que vai seguir. A entrega, via online, das propostas das empresas interessadas em explorar o serviço que deveria ocorrer ontem pela manhã, ficou para o dia 2 de agosto, às 14h30. A decisão em dar continuidade ao processo veio do desembargador Cezário Siqueira Neto, que derrubou a medida cautelar do TCE. Parece, porque esse imbróglio está longe de acabar, pois no início da noite de ontem, o TCE anunciou que vai recorrer dessa decisão.

Para barrar a licitação, o TCE se baseou numa denúncia feita pela empresa Sergipe Service Ltda., que alegou que o edital e a licitação estavam “eivados de graves patologias e vícios”. Mas antes disso,  na emblemática data de 1º de abril, o prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, foi ao TCE e entregou toda a documentação pertinente à licitação para análise, seguindo depois para o Tribunal de Justiça para fazer a mesma coisa. Somente na semana passada, é que a  relatora da matéria no TCE, a conselheira Angélica Guimarães, votou favoravelmente pela suspensão da licitação seguindo opinião técnico da 6ª Coordenadoria de Controle e Inspeção (CCI) e parecer do Ministério Público de Contas (MPC), tendo como lastro a denúncia da Sergipe Service, assinada pelo advogado Marcus Santa Rita, do escritório RR Advocacia, representante da empresa.

Antes e depois da decisão do desembargador Cezário Siqueira de derrubar a medida cautelar do TCE que pedia a suspensão da licitação com base na denúncia da Sergipe Service, o Só Sergipe entrou em contato com o escritório do advogado Marcus Vinicius Santa Rita, mas não obteve sucesso. O último contato ocorreu ontem, 30, pela manhã, e a funcionária avisou que já havia passado os recados anteriores para ele, que nunca retornou às ligações. O Só Sergipe tentou contato com Marcus Vinicius, através do telefone, para obter mais detalhes sobre “as graves patologias e vícios” no edital e na licitação, para saber quem dirige a Sergipe Service e esclarecimentos sobre o endereço, onde, supostamente, é a sede da empresa, mas não foi atendido.

Sede da Sergipe Service, no Santos Dumont. Ninguém atendeu e moradores não conhecem a empresa

Isso porque o portal esteve algumas vezes na rua Herildo Brito, 305, no bairro Santos Dumont, para tentar falar com algum representante da empresa, que segundo consta na Receita Federal, atua com “locação de mão de obra temporária”. O Só Sergipe encontrou o prédio, chamou e ninguém atendeu. A última visita foi na manhã desta quarta-feira, 31. Desta vez, o local parecia habitado: havia uma janela entreaberta e foi vista uma pequena mesa com uma agenda e outros objetos, além de uma cadeira. Mas ninguém apareceu. Os moradores da rua Herildo Brito nunca ouviram falar da Sergipe Service.  Ao ligar para o telefone de contato da empresa, uma pessoa atendeu,  disse morar no bairro Japãozinho e afirmou não conhecer a Sergipe Service.

No documento  da Sergipe Service enviado ao TCE, a empresa alegou que entre as possíveis irregularidades na licitação do transporte coletivo,  estão as ausências “de dotação orçamentária prévia para o pagamento do subsídio tarifário”, “de índices contábeis para a avaliação da regularidade financeira dos balanços das licitantes”, e “de acréscimo da prova de capital social ou patrimônio líquido mínimo de licitantes que se apresentam no formato de consórcios”, além da “discrepância entre as fórmulas de compensação do Índice de Passageiros Equivalente por Quilômetro (IPKe)”. O espaço aqui no portal Só Sergipe segue aberto para o advogado Marcus Santa Rita. Caso chegue o seu posicionamento, esta matéria será atualizada com o devido destaque.

Em sua decisão suspendendo as pretensões do TCE, o desembargador Cezário Siqueira diz que “considerando que estão presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora para a concessão da tutela de urgência, defiro a tutela de urgência para suspender a decisão do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe que determinou a suspensão da Concorrência Pública nº 01/2024, referente ao Processo Licitatório nº 12.629/2024. Determino que o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, sem prejuízo da continuidade do processo ali tramitante, se abstenha de qualquer ato que comprometa a continuidade da licitação em curso, até que se resolva a presente demanda da forma definitiva”.

Ministério Público

No dia 11 de julho, o Só Sergipe procurou o promotor de Justiça Henrique Ribeiro Cardoso, através da assessoria de imprensa do Ministério Público Estadual, pedindo informações de como estava o  acompanhamento do MP neste processo. Isso porque, o prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira entregou no dia 27 de março passado ao MP documentação da licitação para análise.  O promotor avisou, via assessoria, que não ia falar com a imprensa naquele momento e enviou o seguinte texto: “O MPSE está acompanhando através do processo judicial de origem. O Edital foi juntado aos autos pelo Consórcio e nós estamos dentro do prazo para análise acerca do atendimento dos pedidos do Ministério Público”.

Quando o promotor Henrique Ribeiro Cardoso pediu à Justiça que suspendesse a licitação, ele foi procurado, novamente, e a assessoria de imprensa do MP divulgou o seguinte: “A respeito da licitação do transporte público da Grande Aracaju, o promotor de justiça informou que, neste momento, o Ministério Público de Sergipe apenas se manifestará nos autos do processo, que é público e pode ser consultado no site do TJSE por meio do número 201111202371”.

A iniciativa no MPSE não foi acatada pelo juízo da 12ª Vara Cível, mas o mérito da ação não foi analisado, por entender que o objeto dela não cabe no processo. Vale lembrar que no dia 5 de abril passado, Edvaldo Nogueira visitou o titular da 12ª Vara Cível, juiz Marcos Pinto, entregando-lhe documentação pertinente à licitação do transporte coletivo.

Um pouco antes, no dia 2 de abril, o superintendente municipal de Transporte e Trânsito, Renato Telles, junto com a subprocuradora-geral do município, Camila Brasileiro, entregou a mesma proposta na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Aracaju será a nona capital brasileira a ter o serviço de transporte licitado

Se até o dia 2 de agosto não ocorrer nenhum questionamento jurídico e o processo licitatório seguir seu rito normal, possivelmente no próximo ano Aracaju entrará no rol das poucas capitais brasileiras onde o serviço de transporte coletivo é devidamente licitado, saindo de uma situação bastante antiga. Das 27 capitais brasileiras, somente São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador, Fortaleza e Maceió já passaram por esse processo. Natal já está fazendo a consulta pública.

Renato Telles: processo tem credibilidade

Para o superintendente municipal de Transportes e Trânsito, Renato Telles, a previsão é que o novo serviço de transporte coletivo esteja operando no início de 2025. Será uma frota de 473 ônibus, dividida em dois lotes, com idade máxima de cinco anos e meio que será gradualmente equipada com ar-condicionado, para atender os passageiros de Aracaju e os municípios de Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão e Barra dos Coqueiros, que formam o Consórcio Municipal de Transporte (CMT).

Renato Telles destaca que todo o processo que culminou com a licitação em andamento, “tem a credibilidade do prefeito Edvaldo Nogueira – presidente do Fórum Nacional dos Prefeitos (FNP) – e da Agência Nacional de Transportes Públicos (ANTP)”. Vale ressaltar que a ANTP foi contratada pela Prefeitura de Aracaju para elaboração dos estudos que resultaram na proposta inicial do edital.

O titular da SMTT explica que se uma empresa de outro Estado vencer a licitação ela terá um período para adquirir ônibus, se instalar na cidade, contratar funcionários, entre outras providências. “Ela terá um prazo de seis meses”, disse Renato, ao esclarecer que a licitação do transporte é algo complexo. “Veja, temos uma licitação para compra de rádios para os agentes de trânsito e estamos analisando a quarta empresa e ainda não finalizamos”, comentou para mostrar que processo licitatório não é algo simplório.

Passagem mais em conta

Um dos pontos mais importantes do novo sistema de transporte público de Aracaju será a previsibilidade. “Que horas o ônibus passará no terminal onde estou e quanto tempo ele levará para ir do ponto A ao B. O novo modelo vai dar bastante conforto nesse sentido. Vai se criar um hábito. Claro que imprevistos podem acontecer, mas teremos formas de controle e eficiência, tomando medidas mais rápidas do que temos hoje”, assegurou Renato Teles.

No tórrido calor nordestino, ter ar-condicionado nos ônibus não é  nenhum luxo, mas sim, algo fundamental. Isso vai acontecer de forma gradativa e será inserido em 40 a 45 ônibus todos os anos. “E por que não começarmos com todos os ônibus com ar-condicionado?”, antecipa-se Teles, que dá a resposta: “para equilibrar o custo.” Ele entende esse desejo da população, mas está procurando atender a esse anseio, levando qualidade sem pesar demais no custo. “Colocar todos os ônibus com ar-condicionado aumentaria o desembolso das empresas vencedoras e aumentaria a necessidade da contrapartida”, frisou.

Um investimento deste porte – colocar ar-condicionado em toda a frota – pode impactar no preço das passagens para os usuários. Até porque, “da maneira que está colocado hoje, na média dos dois lotes, a tarifa ficaria, em janeiro de 2025, por R$ 8,16; e não tem como transferir 100% do custo para a população. Então, adotamos o custo da tarifa para a população em R$ 5, e a diferença custeada, proporcionalmente, pelos municípios. O subsídio anual de R$ 126 milhões será pago pelos quatro municípios que formam o consórcio, sendo 64,66% de responsabilidade de Aracaju, 20,63% de Nossa Senhora do Socorro, 10,26% de São Cristóvão e 4,45% da Barra dos Coqueiros. Veja a tabela abaixo:

 

Os passageiros de Aracaju e região metropolitana terão ônibus novos, uma situação bem diferente da realidade atual, pois há um envelhecimento da frota. “Tem ônibus com 18 ou 19 anos de uso e não deveria ter”, reconhece. Por presidir o Fórum Nacional de Mobilidade Urbana, Telles tem acesso aos secretários das demais capitais, através de um encontro trimestral para debater ações de trânsito, subsidiar prefeitos e vereadores para implementarem melhorias, e isso foi importante para Aracaju.

Verificador independente

Um ponto crucial nesta licitação que está em curso será a criação do Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM), que passará a fazer o controle e fiscalização do sistema de transporte coletivo. Essa função, hoje, é da SMTT, mas a partir da assinatura do contrato do novo sistema, a superintendência deixará de ter essa obrigação. “O consórcio cria esse órgão interfederativo, junção dos quatro municípios e mais o governo do Estado. A CTM terá uma sede, funcionários, com mais ferramentas de fiscalização e um verificador independente, com pesquisas qualitativas para averiguar o sistema com os usuários e contribuir para o resgate dos passageiros”, explicou.

E mais uma vez, Renato Telles bate numa tecla que considera bastante importante para os usuários: o tempo de viagem. “Motoristas e a população clamam, hoje, em andar numa faixa exclusiva, como acontece na avenida Hermes Fontes”, afirmou. Ele lembra que a ANTP e a NTU (Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano) elaboram cartilhas nas eleições com sugestões para que os candidatos incorporem nos programas de governo. São ideias que servem para qualquer cidade, e uma delas é o investimento e priorização do transporte público, através de faixas exclusivas”, pontuou.

Os corredores exclusivos de ônibus, na concepção de Telles, são um modelo exitoso para Aracaju, demandado pela população. “Acredito que o próximo prefeito, seja quem for, vai ter a sensibilidade de ampliar os corredores para beneficiar o sistema de transporte e toda a população”, imagina.

População deu sugestões

Embora o processo licitatório para o sistema de transporte coletivo não previsse a participação da população, os prefeitos que compõem o consórcio acharam por bem que houvesse uma consulta popular para que fossem conhecidos os anseios da população.  O período de contribuições foi de 22 de março a 05 de abril de 2024, que resultou num relatório com 353 páginas que o leitor pode baixar clicando aqui.

Ao todo foram 551 contribuições constadas no relatório, por data de recebimento, com as respectivas respostas e considerações feitas pelo CTM. Das 551 contribuições, 544 (98,9%) foram de pessoas que residem na capital e região metropolitana: Aracaju, com 287 (52,09%); 163 de Nossa Senhora do Socorro (29,58%); 64 de São Cristóvão  (11,62%);  e 32 de Barra dos Coqueiros (5,81%). Foram registradas cinco outras contribuições vindas das seguintes cidades: Campo Belo/MG, Itaporanga D’Ajuda/SE, Maruim/SE, Santo Amaro das Brotas/SE e São Paulo/SP.

Em alguns casos, uma pessoa registrou mais de uma contribuição, portanto o total de temas citados foi de 767. É importante ressaltar que desse total, 587 citações (76,5%) se referiram a apenas três temas: 313 citações (40,8%) para situação das linhas, indicando ausência ou extinção de linhas, intervalos entre ônibus e sugestões de itinerários, destacando que 68 das citações foram reivindicação para a manutenção da linha Piabeta; 187 citações (24,4%) de reivindicação de ar-condicionado nos ônibus; e 87 citações (11,3%) com reclamações da qualidade e condições de manutenção e segurança dos ônibus.

 

Setransp sofre com a queda  no número de passageiros 

 

Um dos grandes problemas enfrentados pelo setor de transporte coletivo de Aracaju foi a queda no número de passageiros com a pandemia da Covid-19, em 2020. Essa baixa demanda que afeta financeiramente as empresas foi percebida pelo titular da SMTT, Renato Telles, e pela presidente-executiva do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Aracaju (Setransp), Raissa Cruz. Com o novo sistema, o Setransp e a SMTT quererem, literalmente, resgatar esses passageiros. E isso é mais que necessário para equilibrar as contas das empresas.

De janeiro a junho de 2019, foram transportados 27,6 milhões de passageiros; no mesmo período de 2020, essa demanda caiu para 16,2 milhões; nos primeiros seis meses de 2021, mais uma queda: 15,3 milhões; de janeiro a junho de 2022, 19,3 milhões; janeiro a junho de 2023, baixou para 18,9 milhões; e agora, de janeiro  a junho de 2024, 19 milhões.

A demanda de passageiros no transporte coletivo caiu, de acordo com os dados do Setransp

“Em 2018 transportávamos 210 mil passageiros por dia. Veio a Covid-19 e essa queda é sentida até hoje, quando transportamos 130 mil por dia. Houve uma pequena melhora, mas, em contrapartida, vimos o aumento no número de carros particulares nas ruas”, disse Raissa Cruz.

Atenta à licitação, a presidente do Setransp defende que o mais relevante nesse processo é o equilíbrio entre a demanda e a oferta. “O número de passageiros que estava sendo esperado no edital era muito aquém da realidade. Esse item precisava ser ajustado e foi. O edital fala em renovação da frota, disponibilização de itens novos, mas precisávamos de garantias financeiras. Acreditamos que a Prefeitura de Aracaju vai cumprir o que foi proposto”, destacou.

“O setor acredita que todas as entidades públicas e a sociedade podem defender que o transporte é focado no coletivo, no bem comum. A melhoria no transporte vai impactar na vinda de passageiros, mas pesquisas mostram que a maior necessidade do passageiro é a agilidade no uso deste transporte. Ele só vai entrar no veículo, se este tiver as condições perfeitas de conforto. Se tiver demora para chegar no destino, ele vai migrar para outros tipos de veículos, mesmo colocando a vida dele em risco. Qualquer melhoria precisa ser prioridade na distribuição de vias. Priorizar o ônibus com corredores exclusivos. O ônibus leva 40 pessoas e um carro, no máximo duas ou três”, explica.

“Licitação é um processo bom para todos”, diz empresário  Alberto Almeida

“A licitação é uma grande oportunidade para todo mundo. O processo é bom para todos”, diz o empresário e ex-presidente do Setransp Alberto Almeida, cuja empresa participa. Proprietário da empresa Atalaia, Alberto explicou que há três sequências: a proposta comercial, o plano de negócios e o documental. “Estamos fazendo tudo da forma que o edital pede e sabemos que ali é uma escolha e nos preparamos”, completou. A empresa Atalaia opera com 250 ônibus em todas as quatro cidades que formam o consórcio.

Alberto Almeida: “usuário quer previsibilidade”

“O processo licitatório é uma seleção com várias empresas e escolhas. Não existe nada pré-determinado e estamos muito bem-preparados”, ressaltou. Almeida é um entusiasta dos corredores exclusivos para os ônibus, pois prioriza, segundo ele, a grande maioria da população. “É um benefício porque se a maioria está no ônibus, a via está mais livre”, frisou. Ele lembra que a faixa é importante, pois, num engarrafamento, o ônibus não tem a mesma liberdade de outro veículo, que pode procurar rotas alternativas. O ônibus tem um itinerário a seguir.

Há um ponto em comum entre as ponderações de Renato Telles, Raissa Cruz e Almeida: a certeza de que no futuro, com um transporte circulando sem percalços, os usuários saberão quanto tempo vão gastar do ponto A ao ponto B. Mas até isso acontecer, a parte mais fraca, que são esses usuários, continuará esperando uma decisão daqueles que não utilizam o sistema de transporte coletivo.

 

 

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Antônio Carlos Garcia

CEO do Só Sergipe

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