“(…) Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram todos iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir, quem era homem, quem era porco.”
(Último parágrafo de A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, de George Orwell)
Qual é mesmo a natureza dessa nossa vida se eu sou um ser humano?
Eu sou, sim, um ser humano. Eu sou um ser porco também. Eu sou um ser cachorro. Eu sou um ser cavalo, aliás. Eu sou um ser corvo, vez em quando. Eu sou todos os seres bichos possíveis e não sou diferente de você, que lê este texto agora. Somos aquilo de que participamos e aquilo de que não participamos, aquilo de que compartilhamos e aquilo de que não compartilhamos, aquilo de que protestamos e aquilo de que deixamos de protestar, aquilo que dissemos e mais ainda aquilo que não saiu de nossas bocas. Somos e ao mesmo tempo não somos, enfim, bichos.
Utilizando-se da imagética confabulatória de uma fazenda, repleta de animais diversos e de situações também as mais variadas possíveis, o escritor Eric Arthur Blair, ou simplesmente George Orwell, dirige-se ao leitor com uma sanha mordaz por reflexão acerca do comportamento humano de todos os tempos, e principalmente a tocar sobremaneira em algumas passagens históricas importantes ao mundo, tal como a Revolução Russa, fator que serviu de alvo para a obra.
A REVOLUÇÃO DOS BICHOS pode ser considerada uma fábula, não como as que o grego Esopo e o francês La Fontaine escreviam, sem dúvida, mas uma fábula mais longa, onde o desejo de um porco por criar uma granja gerida somente por animais, e que estivesse bem distante de qualquer espécie de exploração humana, termina por elaborar uma concepção vital moderna e tida como revolucionária, fato que provoca uma mudança total no modo como a categoria dos bichos lidavam com suas próprias existências.
A moral da história já nos é bem conhecida, ou nem tanto. De uma “revolução” para a gestão de um sistema de governo baseado na tirania é apenas um pulo, e justamente o que acontece no decorrer da trama de Orwell. O poder existe para ser apoderado. Alguém ou algo o exerce perante o outro. Com alguém à frente dos outros a liderar os passos e a caminhada de uma coletividade, a voz imperativa de quem ordena logo se transforma na voz que oprime uma massa de meros ouvintes, de agentes sem-ação, partícipes de uma miserável e indefinível desgraça que mais atinge os que estão por baixo.
Tendo como pano de fundo a Revolução Russa, a historieta deixa claro o ideário de que “todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros”. Posto que sim, sempre existem os com privilégios. E os devotos. Quem não se lembra dos cavalos no livro AS VIAGENS DE GULLIVER, de Jonathan Swift, que tal qual o personagem Sansão, possuía caracteres de abnegação e devoção demasiado destacados? O livro de Orwell satiriza a facilidade humana de nos desfigurarmos moralmente, esquecendo-nos de máximas éticas e racionais em prol de uma conduta totalmente arbitrária, ligada essencialmente ao momento.
A classe operária inglesa dos anos 1930 passava por dificuldades sociais e econômicas. Eis o leitmotiv. A alegoria de Orwell pincela o processo evolutivo da Granja do Solar, nome da granja onde ficavam os bichos antes da “tomada de poder”, que vai de um sonho socialista a um pesadelo ditatorial em cerca de cem páginas.
Garganta, Mimosa, Moisés, Major, Napoleão, Sansão, Bola de Neve, Benjamim e Quitéria são os personagens de um livro que fala sobre a busca por liberdade. O homem, para todos eles, era visto como um agente inimigo e por isso deveria ser extirpado. Para isso, os porcos liderariam o movimento, pois eram tidos como os mais inteligentes. Criaram um sistema de pensamento, ao qual chamaram de Animalismo. 7 mandamentos regeriam a turma inteira.
Todavia, o senso de democracia é maculado aos poucos, sempre no desígnio de favorecer os mais “poderosos”. Alguma semelhança com a realidade não é mera coincidência, aviso. O discurso é mudado, os rostos também se transformam. Não se sabe mais a quem os bichos serviam e por que lutar. Os líderes, antes iguais aos demais, começam a se diferenciar e a ostentar suas regalias sem fazer nenhuma cerimônia até os estados de alma serem sufocados de uma vez por todas pela insegurança. A REVOLUÇÃO DOS BICHOS é um livro fundamental para entender o homem e as circunstâncias que o perfazem. Eu não passaria a vida inteira sem lê-lo se fosse você.