quinta-feira, 14/11/2024
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Os dentes do sultão

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Por Nilton Santana (*)    

 

Há um breve conto de Mulá Nasrudin que fala da maneira como nos dirigimos ao próximo. Um conto que é bastante caro para nossas relações.

O conto de Nasrudin pertence à tradição Sufi, porém, passa o mesmo ensinamento descrito no livro de Provérbios, na Bíblia. Em Provérbios, capítulo 15:1, está escrito: “Resposta branda aplaca a ira, palavra ferina atiça a cólera”. Cito o conto sufi consonante com a tradição judaico-cristã para demonstrar que ensinamentos semelhantes podem ser encontrados em diversos povos. Embora as tradições místicas e religiosas não sejam idênticas em suas características superficiais, com um olhar mais atento podemos perceber que em sua profundidade as tradições são semelhantes. Isto acontece porque a sabedoria nunca foi monopólio de um único povo. Há ensinamentos elementares que balizam a vida humana onde quer que ela aconteça.

O conto sufi a seguir tem como protagonista o Mulá Nasrudin, personagem clássico da literatura do Oriente Médio que acabou extrapolando as barreiras do espaço e do tempo e sendo reconhecido hoje no mundo todo.

Eis agora o conto:

 

O sultão sonhou haver perdido todos os dentes. Um por um dos seus dentes caíam em seu sonho. Ao acordar ele mandou chamar sábios de seu país para interpretar o sonho. Apenas dois sábios haviam se apresentado devido ao grande temor que o sultão despertava em seus súditos. O primeiro sábio entra, e o sultão conta-lhe o seu sonho. O primeiro sábio diz:

– Que lástima meu senhor! Cada dente caído representa a perda de um parente!

O sultão nesse momento fica furioso com tamanha notícia. Chama os guardas e ordena que expulsem o sábio para fora do palácio. No entanto, antes deveriam lhe dar cem chibatadas em suas costas.

O segundo sábio entra no salão principal. Era o Mulá Nasrudin. Da mesma forma que aconteceu ao primeiro sábio, o sultão contou o que havia sonhado. Nasrudin o escuta atentamente, e após o ouvir faz uma breve pausa. Pensa um pouco e profere as seguintes palavras:

– Oh! Agraciado sultão! A grande felicidade foi reservada para vossa majestade! O sonho significa que o senhor viverá mais que todos os seus parentes!

E o rosto do sultão se iluminou com um grande sorriso. E ordenou que fossem dadas a Nasrudin cem moedas de ouro! Ao estar saindo do palácio real, um dos guardas disse-lhe com admiração:

– Não é possível! A sua interpretação dos sonhos é a mesma interpretação do primeiro sábio. Eu não entendo porque o primeiro sábio recebeu cem chibatadas nas costas e você cem moedas de ouro.

Nasrudin o olhou com ternura, aquela ternura que apenas os mais sábios sabem destinar:

– O outro sábio foi realmente sábio ao interpretar o sonho, porém, um tolo ao proferir suas palavras. Seja sábio ao interpretar e proferir suas palavras. Somente assim será o autêntico dos humanos.

Nasrudin fita diretamente os olhos do guarda:

– Lembre-se bem meu amigo. Lembre-se que tudo depende da maneira como as coisas são ditas! A maneira como você se expressa acaba se tornando tão ou mais importante que o conteúdo da sua mensagem.

Fim do conto.

Saber dizer aquilo que importa sem ofender é uma arte e faz com que a nossa comunicação seja mais efetiva. Não seja um sincericida, aquelas pessoas que bradam: “Falo a verdade na cara mesmo.” Sempre pense em como você gostaria de receber a mensagem que pretende passar ao próximo. O sincericida escolhe falar a verdade para acalentar suas vaidades, não para o bem da pessoa que o escuta. O sincericida é merecedor de cem chibatadas nas cotas, o moderado em suas palavras é merecedor de cem moedas de ouro.

Que a sua forma de falar com os demais transpareça a nobreza que há dentro de você.

 

Referências principais

Aquiles Julián (Compilador) – 30 Histórias de Nasrudín Hodja.

Bíblia de Jerusalém.

 

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Sobre Nilton Santana

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Nascido em Aracaju, professor de História, membro da Loja Estrela de Davi e amante dos estudos sobre religiosidades e mitologia

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