O secretário-geral do Fórum Brasileiro de Direitos Humanos, o bacharel em Direito sergipano, João Augusto Botto de Barros Nascimento, criticou a falta de preparo do Brasil em enfrentar crises, a exemplo da guerra entre Rússia e Ucrânia, que já ultrapassou os 50 dias, com milhares de mortos, e afirmou que, diante da situação, o país poderá “ficar ainda mais pobre, lamentavelmente”,
“Brasil, até pela falta de preparo para enfrentar crises, pode simplesmente ser aniquilado”, destacou o bacharel, ao acrescentar que a “falta de condenação do governo do Brasil a esses atos de claro terrorismo não representa a visão do nosso povo, que é solidário aos ucranianos e é contra essa guerra insana”. Ele ressaltou, ainda, que o Brasil e a Rússia “são malquistos na questão do meio ambiente e no trato com seus povos originários e que a posição de ‘neutralidade’ é um apoio velado à Rússia.
João Nascimento, no entanto, minimizou as palavras do ex-presidente Lula quando este afirmou que a crise entre Rússia e Ucrânia poderia ser resolvida numa mesa de bar bebendo cervejas. “Não seria o caso de agravar uma fala de Lula com a irresponsabilidade dessa “neutralidade” do Brasil. Mesmo imprópria, a pilhéria do ex-presidente não traz consequências para o mundo real”, afirmou.
Em 2019, João Nascimento, por indicação do Fórum Brasileiro de Direitos Humanos, teve o nome aprovado pelo Parlamento do Mercosul (Parlasul) para compor a lista tríplice ao cargo de ministro da Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, mas não foi o escolhido.
Esta semana, João Nascimento conversou com o Só Sergipe. Acompanhe a entrevista.
SÓ SERGIPE – Qual a sua reflexão sobre o posicionamento do Brasil na ONU diante da invasão da Ucrânia? O país poderia seguir a mesma linha do resto do mundo, que condena a invasão?
JOÃO NASCIMENTO – A Assembleia da ONU fez o que era necessário, a fim de salvar vidas e impedir que o Conselho de Direitos Humanos afundasse, diante desta tragédia contra a humanidade. A narrativa da Rússia de que não comete crimes de guerra caiu por terra com as tristes imagens de pessoas assassinadas e deixadas para apodrecerem nas ruas e porões de Bucha, cidade nos arredores de Kiev, e de valas comuns com centenas de corpos, muitos com sinais de tortura e tiros à queima roupa, sem falar nos estupros cometidos até contra meninas pré-adolescentes. Fotos e vídeos feitos por equipes internacionais de jornalistas independentes confirmando as atrocidades, comoveram o mundo inteiro no fim de semana retrasado, menos o governo brasileiro. Agora somos tragados pelo ataque contra uma estação de trem em Kramatorsk, na sexta-feira, dia 8, que deixou mais de 50 pessoas mortas, sendo cinco delas crianças, algumas de colo, e centenas de feridos. Eram pessoas que tentavam escapar da guerra e foram assassinadas de modo cruel, sem aviso, sem chance de defesa. A falta de condenação do governo brasileiro a esses atos de claro terrorismo não representa a visão do nosso povo, que é solidário aos ucranianos e é contra essa guerra insana.
SÓ SERGIPE – Essa postura de neutralidade do governo Jair Bolsonaro, que antes da guerra ser deflagrada visitou Vladimir Putin, prejudica a imagem do Brasil no resto do mundo?
JOÃO NASCIMENTO – A imagem do país já estava prejudicada antes mesmo de a guerra na Ucrânia ter sido deflagrada. O presidente tem posição de direita, é defensor da presença militar no governo. E não apenas neste ponto, a visita demonstra que ele está afinado com o presidente russo. A pauta de direita como a proliferação de armas de fogo é tema comum na agenda de ambos os líderes. Os exemplos na Rússia e no Brasil de ataques aos direitos humanos são corriqueiros, sistemáticos e, podemos dizer, seguem um padrão de ação de governo, ou seja, atuam no plano da dominação. Aliás, o Brasil e a Rússia também são malquistos na questão do meio ambiente e no trato com seus povos originários, e esses fatores, somados agora à posição de “neutralidade” do nosso país, que na prática é um apoio velado à Rússia e as suas alegações para invadir a Ucrânia, aproxima pelo estilo e pelas ações os presidentes Jair Bolsonaro e Vladimir Putin.
SÓ SERGIPE – Há um vídeo em que o ex-presidente Lula diz que numa rodada de cerveja com Putin e Volodymyr Zelensky tudo seria resolvido. Como o senhor avalia essa declaração? Caberia ao ex-presidente postura mais séria, diante de um problema tão grave que abala o mundo?
JOÃO NASCIMENTO – É uma visão simples para um problema gravíssimo, que implica na perda de muitas vidas, tanto ucranianas como russas, e que provoca fome, desestabiliza o comércio e gera insegurança quanto ao futuro da humanidade. A guerra é algo deprimente sob qualquer aspecto, mas não é possível resolvê-la na mesa de um bar. Soa trágico confirmar a falta de visão da geopolítica e suas implicações nesta tal “nova ordem” imposta pelos fatos. Porém, não seria o caso de agravar uma fala de Lula com a irresponsabilidade dessa “neutralidade” do Brasil. Mesmo imprópria, a pilhéria do ex-presidente não traz consequências para o mundo real. Já essa ambiguidade, esse “morde, assopra” do governo, isso sim pode provocar reações ao Brasil e nos criar mais empecilhos do ponto de vista estratégico, comercial e também político.
SÓ SERGIPE – Já temos no Brasil reflexos negativos causados pela guerra, que agravam problemas antigos: combustíveis com aumento estratosférico, trigo caro, a falta de fertilizantes, dentre outros. Se a guerra persistir, que é o que parece, a situação vai piorar bastante? Ou há alguma luz no fim do túnel?
JOÃO NASCIMENTO– A Ucrânia é conhecida por sua fertilidade, era uma nação muito importante para o agronegócio. Já a Rússia, rica em ativos energéticos e fertilizantes, exerce posição estratégica para harmonizar custos e estabelecer a precificação das commodities. Em resumo, a guerra afeta o mundo e, por consequência, contribui para piorar o já combalido cenário econômico no Brasil, até porque a nossa economia está atrelada ao dólar, e isso provoca um custo adicional na nossa agricultura, na nossa indústria. O mundo caminha para um fechamento da economia, em razão da desconfiança entre os parceiros comerciais. O Brasil, até pela falta de preparo para enfrentar crises, pode simplesmente ser aniquilado. Podemos ficar ainda mais pobres, lamentavelmente. A globalização tem seu lado bom e seu lado ruim, e em um panorama mais amplo, a posição de líderes “globalistas” liberais como Justin Trudeau, Joe Biden, Olaf Scholz ou Emmanuel Macron, em detrimento da liderança autoritária de Vladimir Putin, um conservador, nacionalista e disposto a enfrentar a hegemonia dos Estados Unidos, gera no governo do Brasil esse impasse, essa paralisia em relação a como posicionar-se nessa guerra. Ocorre que não há como fugir da realidade. Ou o Brasil se organiza como nação, apostando no talento do nosso povo, na melhoria da educação para o trabalho e em busca de agregar valor comercial às nossas riquezas naturais, ou seremos engolidos pela concorrência de nações bem mais preparadas para esse novo momento.
SÓ SERGIPE – O Fórum Brasileiro de Direitos Humanos está associado a organismos internacionais para o trabalho de ajuda humanitária?
JOÃO NASCIMENTO – Não. De fato, como ocorre em outras nações, o Fórum Brasileiro de Direitos Humanos opera como uma instituição sem fins lucrativos – no caso do Brasil, liderada pelo jurista internacional doutor Luiz Afonso da Costa Medeiros –, dedicada a debater assuntos afins aos direitos humanos e sociais e, desta forma, atuar junto aos governos, instituições públicas, parlamentos e entidades do direito civil com sugestões e apoio à pesquisa, à proteção do Estado Democrático de Direito e em defesa dos desamparados da Justiça. Nossa missão é fomentar na sociedade o espírito de solidariedade através da difusão do conceito de liberdade, igualdade e fraternidade.