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Pena que Lavra, Tintura e Grada – A propósito de “Caderno Croqui (1985 — 1996)

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Léo Mittaraquis (*)

 

O poeta e o artista plástico/gráfico [assim eu o considero] propõe-se ao apanhado. E entre dois marcos, 85 e 96, dispõe seus versos e seus traços. Em ambos há cores. E diria, também, sua música. Ora, pois, sim: Ronaldson, ademais, é elegante compositor.

Sei que o artista dialoga bem com o potencial polissêmico inerente à poesia. Contudo, não é sensato perceber suas produções de forma aleatória, tudo a significar tudo, sem vela nem leme. O escritor sabe à larga valer-se da palavra, conhecedor que é, além da Literatura, também da nossa língua portuguesa. Há sequência e sentido. Volpi entre a bala e a embalagem. Bule velho, transversal ao tronco de velha árvore. Esquisso ao longo da estação mais fria do ano, que se situa entre o outono e a primavera.

O projeto gráfico da obra é impecável. Responde bem às expectativas do leitor. As ilustrações conversam de forma consistente, pertinente, com os textos. São, por si tão somente, testemunhas extremamente confiáveis da perspectiva plástica do artista ante o mundo [o dele e este que, mesmo não sendo nosso por merecimento, ocupamos]. Não será este sabatino escriba que irá tagarelar, poema a poema, desenho a desenho, qual engenheiro de obra pronta e consolidada.

Sim, é isto: não me lançarei à exaustiva empreitada de comentar todo o livro, de ponta a ponta. A coisa é digna e boa. Neste ponto, sem surpresas – Ronaldson, desde há muito, se afirmou como poeta, como referência literária na terrinha e alhures.

Meditei, após leitura e releitura desta obra que se faz respeitar e admirar, e a mim mesmo disse: verdade seja dita, é um saboroso reencontro.

Volto no tempo, anos oitenta, do começo até o finzinho. Época em que eu não escrevia poemas, mas, sim, cometia hediondos crimes sob os olhos escandalizados de Calíope. Eu não era poeta, longe disso. Apenas um pedante e pernóstico, sob o manto da arrogância, a escrever [escrever?] frases de efeito, metáforas sem fundamento, amontoando-as.

Hoje, é de bom-tom esclarecer-se, continuo pedante, pernóstico e arrogante, porém, pari passu, tornei-me escritor [e crítico] a lidar com mestria nas composições.

Ronaldson, já naquela época, sabedor das coisas, e do que ainda teria de saber, ia, aos poucos, mostrando a que veio. Li “Gradação (ou A Flauta Submarina)”, e um estalo doído e esclarecedor ocorreu na cachola: “este sim, é poeta, entende do riscado”. Outros tantos poemas que li só reafirmaram o observado.

O consolidado, não obstante dinâmico, vívido, mundo poético do escritor Ronaldson.

Em “Caderno Croqui”, um mundo de memórias. Não no mero sentido da comum [ainda que muito importante] capacidade mental que permite armazenar e recuperar informações – esta caracterizada pela percepção, codificação e armazenamento. Ferramenta do dia a dia.

Na verbal e imagética lavra ronaldsoniana, a memória manifesta-se numa riquíssima evocação habilmente mesclada, isto é [a parafrasear Frances A. Yates], o poema e o desenho, pelas mãos deste artista, se impõem na supremacia dos significados inerentes ao visual, sob traços e termos bem-dispostos diante de nós, leitores.

“Caderno Croqui” é a materialização plástica e verbal do denso estofo lírico de Ronaldson. Ao ler e olhar o livro, me vejo sob o compromisso de externar o que esta produção literária me passa sobre o autor: cada poema, cada desenho emana um ritmo nítido, próprio e marcante. O artista, via estes recursos, compartilha momentos de transformação e de revelação. Trajetória poética, trajetória de vida, devidamente articuladas, ainda que não se recusem ao fator da inexorabilidade tão própria aos percalços próprios à existência, pois, estes são, também, o motor da construção poética.

O autor é profuso em temas e soluções, mas, num sedutor paradoxo, se utiliza do aproveitamento racional e eficiente, versado que é na exigência de especificidade que a cada poeta a poesia inspira.

Por consequência feliz, “Caderno Croqui” põe o leitor a refletir, a sonhar, a observar e fantasiar. Ou seja: do mundo poético de Ronaldson, cada leitor apreende um lote e traz ao seu ambiente pessoal, mediante imagens e sentimentos que se manifestam, então, em formas singulares.

Como gesto de memória, de inspeção do estado patrimonial do seu espírito transcendente e estético, Ronaldson, nesta sua publicação, demonstra que fixou, sem amarras demasiadamente cerradas, diversos lugares de revivescências. Entre o ontem e o presente, o poeta se move na direção que lhe melhor aprouver.

E como ele mesmo diria: “Olho a vida/Sombreada na estrada/Que eu mesmo fiz”.

É isto.

 

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Leo Mittaraquis

Léo Mittaraquis é graduado em Filosofia, crítico literário, mestre em Educação. Mantém o Projeto "Se Comes, Tu Bebes". Instagram: @leo.mittaraquis

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