Aos 86 anos, sofrendo de Alzheimer e diabetes tudo o que dona Josefa de Souza Carvalhal queria na vida era sossego. Mas a moradora do bairro Castelo Branco, que vive numa casa simples sob os cuidados da filha Leônia Souza Carvalhal, 62, é incomodada com um som bastante alto colocado pelo vizinho. De janeiro a março desse ano, Leônia foi uma das 12.988 pessoas que ligaram para o Centro Integrado de Operações em Segurança Pública (Ciosp) pedindo providências da Polícia Militar (PM) para acabar com esse abuso. E, como sempre, não teve sucesso.
A reclamação feita por Leônia, não só ao Ciosp, mas também a uma equipe de militares que atua no bairro e não deu em nada. Ou melhor, em uma delas aconteceu algo inusitado: depois que a Polícia Militar pediu que os jovens diminuíssem o volume do som e foram embora, um dos jovens, de dentro da garagem da casa, virou-se de costas para a rua, abaixou as calças e mostrou as nádegas para quem quisesse ver.
“Nunca dei queixa numa delegacia, mas reclamei várias vezes para o 190. Quando eles ligam o som alto, mesmo dentro do estabelecimento deles, tenho a impressão que temos aqui um trio elétrico”, contou Leônia que se mudou para o Castelo Branco há seis meses e ao chegar já soube que havia reclamações anteriores de outros vizinhos. Mas só reclamação, porque resolutividade que é bom, nunca existiu.
O horário que mais incomoda Leônia é das 23 às quatro da manhã. “Certa vez, eles começaram na noite de sábado e só desligaram às 8 da manhã do domingo. Além do som alto, as músicas tinha um cunho pornográfico. A PM sempre vem, reclama e vai embora. Como aqui perto tem um Posto de Atendimento ao Cidadão (PAC), não é possível que eles não ouçam um som tão alto”, duvida Leônia que já não sabe a quem reclamar.
Pouco distante da casa de Leônia, o autônomo Paulo (nome fictício) tem vizinhos indesejáveis que, por conta própria, colocam um toldo no meio da rua, bloqueando-a, sem falar no som alto. Esse bloqueio é sempre acompanhado por festas que se estendem madrugada à dentro. “Não temos autoridade nesse município. Reclamar a quem?”, questiona Paulo.
Ele convive com a indignação e ao ser questionado porque não procurou a Polícia Militar, por causa do som alto, ou a SMTT (Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito), devido ao bloqueio da rua, disse que “não queria criar inimizades”. A rua a que ele se refere é Travessa Armando Sales. Certa época, o SÓ SERGIPE flagrou o que Paulo tanto se queixa.
Leônia e Paulo não são os únicos a se queixarem contra o som alto no bairro Castelo Branco. Uma família, que também pediu para não ser identificada, também fez a mesma reclamação de Leônia, com um detalhe: a perturbação era provocada por aquele mesmo vizinho mal educado, que colocou as nádegas de fora. “Meu filho tinha que ir estudar na casa de um amigo. Agora, felizmente, esse rapaz foi embora”, disse aliviada.
Quem também vai sentir alívio dos vizinhos barulhentos e que parecem ser os donos da rua é o Paulo, pois brevemente, ele e a família irão para outra cidade. “Acho um egoísmo da parte de alguém ligar um aparelho de som nas alturas e não se incomodar com as pessoas que vivem ao seu redor. Para completar, ainda fecham a rua e tudo fica pro isso mesmo”, lamentou, mas disse que está feliz, por livrar-se de tamanho incômodo.
Números – Leônia e uma família ficarão sossegadas no Castelo Branco, porque um mal educado mudou-se; e Paulo vai se ver livre de vizinhos inconvenientes, porque irá morar em outra cidade. Mas nem todo mundo tem a mesma sorte. As estatísticas do Ciosp mostram que perturbação do sossego é um problema cada vez mais grave em Aracaju e que parece estar longe de ser solucionado. Das 29.182 ocorrências atendidas pelo Ciosp, entre janeiro até março deste ano, 12.988 foram de perturbação ao sossego, o que corresponde a 45% do total.
No mesmo período de 2017, de um total de 37.060 ligações, 17.245 eram queixas contra perturbação do sossego, o que dá 47% do total. Embora tenha dados por região, o diretor do Ciosp, coronel William Nascimento Vasconcelos, não informou de quais bairros da capital chegam os maiores índices de reclamações. O Ciosp faz esse monitoramento, mas, inexplicavelmente, o coronel sonegou uma informação que é pública. E se limitou a dizer, no entanto, que nos finais de semana, são cerca de 3 mil queixas por dia ao Ciosp.
O comandante do policiamento da capital, o coronel da Polícia Militar, Vivaldy Cabral, reconhece que as reclamações por perturbação do sossego são altas e lamenta que a corporação não tenha condições de atender toda a demanda. “O ideal é que tivéssemos capacidade de atender a todos. Esses problemas começam, normalmente, da sexta-feira à tarde em diante, quando também ocorrem roubos e homicídios”, explicou o oficial.
No entanto, ele ressalta que quando a PM é acionada por uma vítima, através do 190, a guarnição vai até ao local. Existindo o problema, cabe a PM fazer um termo circunstanciado e apreensão do equipamento de som, que pode ser de um carro ou dentro de uma residência. “E em audiência no Juizado Especial, o juiz estipula a multa. Isso tem ocorrido com muita frequência, pois temos encaminhado isso bastante para o Poder Judiciário”, assegurou.