Pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS) documentaram um caso inédito de Síndrome de Guillain-Barré associada à Covid19. Trata-se do primeiro relato científico no mundo em que o material genético do SarsCoV-2 foi identificado no fluido cerebroespinhal, também conhecido como líquor, da paciente com a complicação neurológica, segundo o estudo divulgado no último sábado,15, na revista cientifica The Pediatric Infectious Disease Journal, uma das mais conceituadas da área, ligada à Sociedade Europeia de Doenças Infecciosas Pediátricas.
O caso relatado na publicação é de uma adolescente de 17 anos, de Aracaju. O intervalo entre o início dos sintomas da infecção causada pela Covid-19 e o surgimento de condições neurológicas provocadas pela Guillain-Barré foi de apenas uma semana. A identificação do RNA do vírus causador da Covid-19 no líquor – responsável por proteger, lubrificar e nutrir o sistema nervoso, preservando as estruturas cerebrais e medulares – confirmou, pela primeira vez, a hipótese de que a infecção pelo Sars-CoV2 pode desencadear a síndrome rara por invasão viral direta no tecido nervoso.
“Alguns casos dessa doença rara têm sido diagnosticados em pessoas com Covid-19 em todo o mundo, mas o entendimento até o momento é de que a patogênese desta condição neurológica quando associada à Covid-19 era apenas imunomediada. Este estudo acrescenta informações importantes sobre a forma como o novo coronavírus pode levar a alterações no sistema nervoso,” explica o líder da pesquisa e chefe do laboratório de Patologia Investigativa da UFS, professor Paulo Ricardo Martins Filho.
Ao todo, sete pesquisadores participaram do estudo. Até a publicação desse relato, eles levantaram 42 casos de pacientes com a síndrome rara associada à covid-19 no mundo. Porém, diferentemente do caso relatado em Sergipe, os 25 pacientes submetidos à coleta do líquor tiveram o resultado negativo para a presença do RNA do Sars-CoV-2 no líquido cerebroespinhal.
Em fevereiro deste ano, a adolescente apresentou febre, dor abdominal, náusea e diarreia severa. Oito dias depois ela procurou atendimento no serviço de emergência de um hospital de Aracaju com histórico de 48 horas de fortes dores lombares e fraqueza nas extremidades do corpo com perda de força e equilíbrio nos braços e pernas.
Na ocasião, os resultados do exame RT-PCR das amostras tanto das vias respiratórias quanto do fluido cerebroespinhal da paciente, processadas junto ao Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Sergipe (Lacen-SE), deram positivo para Sars-CoV-2.
Pela característica dos sintomas, ela também passou por exames complementares, como eletroneuromiografia e ressonância magnética de coluna. Nisso, a eletroneuromiografia, utilizada para identificar lesões nos nervos e músculos do corpo, comprovou a suspeita de uma inflamação comum em casos de Guillain-Barré: a polirradiculoneurite, afetando a raiz de um nervo espinhal.
A médica neurologista do Hospital Universitário de Aracaju (HU-UFS) e doutoranda do programa de pós-graduação em Ciências da Saúde da UFS (PPGCS), Lis Campos Ferreira, está acompanhando o quadro clínico da paciente que ficou hospitalizada durante 15 dias. “Ela já teve alta e está clinicamente muito melhor. Ainda tem fraqueza muscular, mas já consegue andar sem ajuda. Continua em seguimento neurológico ambulatorial e reabilitando na fisioterapia,” afirma a médica.
“A paciente continuará sendo acompanhada e novos casos de Guillain-Barré serão estudados também no sentido de se detectar o novo coronavírus no fluido cerebroespinhal. Esses dados são extremamente relevantes para que possamos compreender a capacidade de neuroinvasividade do coronavírus e melhorarmos a forma como os pacientes são tratados,” acrescenta o professor Paulo Martins.
Histórico da síndrome rara Guillain-Barré é um distúrbio autoimune, no qual o sistema imunológico ataca os nervos do próprio corpo, tendo origem geralmente por uma infecção anterior à síndrome. O risco provocado pela doença se eleva quando ocorre o acometimento dos músculos respiratórios, podendo levar a pessoa à morte ao comprometer o funcionamento do coração e dos pulmões.
Há cinco anos, o Brasil sofreu um aumento expressivo no número de diagnósticos da doença por causa da associação à epidemia do Zika Vírus. Porém, ainda não há registros oficiais sobre a incidência da síndrome rara na população brasileira.
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