A citricultura ainda continua sendo um dos principais produtos agrícolas da economia sergipana. Junto com a cocoicultura concentra cerca de 90% da produção da lavoura permanente do Estado, que é composta por mais sete tipos de frutas: banana, goiaba, limão, mamão, manga, maracujá e tangerina, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados este ano no documento ‘Lavoura Permanente 2017 – produção agrícola municipal’. Ainda de acordo com o IBGE, no ano de 2017 a área destinada ao cultivo da laranja em Sergipe foi de 42.019 hectares (ha), porém, a colheita ocorreu em 38.004 ha, não havendo aproveitamento de 4.015 ha.
O boletim mais recente do “Acompanhamento conjuntural da cultura da laranja”, publicado em 2017 pela Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), órgão ligado à Secretaria de Estado da Agricultura, mostrou queda na produção do fruto entre os anos de 2010 e 2016 de 60,69%. A redução começou a ser acentuada da safra de 2012 para a de 2013, quando a produção caiu de 821.940 t/ano para 626.440 t/ano. Nos anos seguintes as quedas na produção foram de: 12.213t em 2014; de 61.410t em 2015; e de 63.661t em 2016.
Ainda de acordo com a Emdagro, os fatores que têm contribuído para essa redução ano após ano são: setor formado, na grande maioria, por pequenos produtores rurais que não conseguem se organizar para desenvolver a atividade, como, por exemplo, montando cooperativas; pomares antigos; falta de investimento em tecnologia, e a escassez de chuvas. Porém, além destes motivos que são “velhos” conhecidos de quem atua ou acompanha o setor citrícola, outro complicador passou a fazer parte do cenário em fevereiro de 2014: o Aleurocanthuswoglumi, popularmente conhecido como mosca negra dos citros.
A mosca negra é um inseto que se alimenta da seiva da planta, por isso, reduz a produção dos frutos, que também ficam menores. Além disto, no momento em que está se alimentando, a praga produz um líquido que proporciona o desenvolvimento de um fungo, conhecido como fumagina. Esse fungo cobre as folhas da planta como se fosse uma película negra, impedindo-a de realizar a fotossíntese e podendo levá-la a morte.
A infestação da mosca negra tem causado grave problema nos municípios que formam o Polo Citrícola Sergipano: Boquim, Salgado, Cristinápolis, Umbaúba, Itabaianinha, Lagarto, Arauá, Tomar do Geru, Riachão do Dantas, Indiaroba, Santa Luzia do Itanhy, Estância, Pedrinhas e Itaporanga D’Ajuda. “Os estudos de monitoramento desta praga indicam que os primeiros focos no Estado surgiram no município de Salgado. Possivelmente o inseto foi introduzido a partir de restos de colheita trazidos em caminhões de outros Estados, quando da compra de laranja nos pomares locais”, explicou o Dr. Marcelo da Costa Mendonça, pesquisador do Laboratório de Nanotecnologia e Nanomedicina (LNMed) do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP) e também pesquisador da Emdagro.
Segundo ele, a mosca negra possui características que favorecem o aumento da população e a infestação dos pomares de citros, que são: capacidade de migração rápida e de reprodução veloz, bem como, de utilizar plantas de outras culturas como hospedeiras. Por conta desses fatores, a mosca negra conseguiu se alastrar por Sergipe em pouco tempo.
BIOINSETICIDA PARA O COMBATE
As dificuldades em conter o problema da mosca negra do citros advêm, dentre outros fatores, dos elevados gastos para realizar as ações necessárias de controle, ações que os pequenos produtores sergipanos não conseguem custear. “A realidade do pequeno produtor de citros hoje é o abandono dos pomares e, aqueles que ainda resistem, estão com a produção muito baixa e com a qualidade das frutas comprometida. Essa situação reflete na economia dos produtores e dos municípios que são berço da citricultura sergipana e, por fim, atinge também o Estado”, observou o pesquisador.
Para ajudar a mudar esse quadro, os doutores Marcelo Mendonça e a Patrícia Severino, que também é pesquisadora do LNMed/ITP, estão realizando, em parceria, estudos e análises para dois projetos de pesquisa que visam combater pragas agrícolas, dentre elas, a mosca negra. Patrícia Severino coordena o projeto intitulado “Desenvolvimento de nanobioinseticida preparada a partir do óleo essencial de laranja com aplicação no controle de insetos na agricultura”, que está sendo financiado pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB); e Marcelo Mendonça coordena o projeto “Desenvolvimento de nanobioinseticida a partir do óleo essencial de plantas e de microrganismo entemopatogênico, com aplicação no controle de insetos pragas na agricultura”, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (Fapitec/SE)/CAPES/PROMOB – Projeto de Mobilidade Acadêmica.
De maneira pioneira no Nordeste, os pesquisadores do ITP obtiveram o óleo essencial a partir do resíduo de Citrus processado pela indústria de suco local. A partir deste óleo foi desenvolvida uma formulação que, durante os ensaios, não apresentou citotoxicidade em células e teve eficiente atividade antimicrobiana e antiparasitária. O produto está sendo utilizado em testes de controle da mosca negra em todos os estágios de vida do inseto, que são as fases de ovo, ninfa e adulta.
Ainda de acordo com o pesquisador, a mosca negra causou forte impacto negativo para o negócio citrícola sergipano, pois esta cultura é, principalmente, plantada por pequenos produtores que já vivem em dificuldade pelo grande endividamento, e por isso, não conseguem investir no controle da praga, cujos produtos além de trazerem outras consequências para o ambiente, são caros. “O que estamos produzindo é uma forma alternativa ao que existe para o controle da praga, alternativa eficiente, com custo de produção mais baixo, portanto, mais barato para o consumidor final e mais seguro do ponto de vista dos danos causados pelos inseticidas tradicionais”, frisaram os pesquisadores Marcelo Mendonça e Patrícia Severino.
Eles disseram, ainda, que embora os estudos atuais sejam direcionados para a mosca negra, nada impede que a formulação seja utilizada para sanar outros problemas, como pragas de outras culturas, ou em áreas como a saúde humana e veterinária. “Pretendemos ampliar as pesquisas nesse segmento de produtos naturais avaliando a aplicação para várias áreas. Esperamos, desta forma, levar soluções para a sociedade e contribuir para a melhoria das condições de vida da população”, concluíram os pesquisadores.
Fonte: ITP