“Apenas o setor privado tem capacidade de atuar, quando o assunto é emergência ambiental causada por óleo. O Plano de Contingência Nacional, que prevê ações de resposta eficiente para acidentes ambientais, incluindo vazamento de óleo, desde a década passada está engavetado em algum local”. A afirmação é do oceanógrafo Jackson Krauspenhar, especialista em emergências causadas por óleo, da Sprink, empresa líder no segmento de prevenção e contenção de vazamentos de óleo e gás. Segundo ele, os governos federal, estaduais e municipais são muito fracos em recursos e capitação, e “muito primitivos nesse setor”. O oceanógrafo alerta que se medidas fossem tomadas assim que foi percebido o vazamento, a situação seria bem diferente. Ele acredita que a longo prazo, o meio ambiente sofrerá consequências desse desastre, mas questiona algo importante: onde estão sendo colocados o óleo e areia retirados da praia? Krauspenhar diz que, se não for tomado o devido cuidado, esse óleo e areia podem estar recontaminando outros locais. Na sexta-feira, Krauspenhar, concedeu a seguinte entrevista ao Só Sergipe.
SÓ SERGIPE – As manchas de óleo começaram a aparecer no litoral brasileiro no início de setembro, mas somente nos últimos dias é que o Governo Federal agiu. A demora nas providências contribuiu para a situação que o litoral se encontra atualmente?
JACKSON KRAUSPENHAR – Se ações tivessem sido tomadas no primeiro momento, nós teríamos menos mortandade de animais. Morreram muitas tartarugas, aves. Com certeza, se fossem tomadas medidas urgentes, no início, os efeitos seriam bem menores, apesar do óleo continuar chegando às praias do Nordeste brasileiro.
SS – Seria possível saber o ponto exato do vazamento se a ação fosse rápida?
JK – Pelo que tenho acompanhado, principalmente pela mídia e pelo pessoal especializado, pois trocamos informações em grupo, não se sabe a fonte do vazamento. Então, teria como atacar o ponto zero onde ocorreu o vazamento. Mas volto a dizer, se ações fossem tomadas quando se constatou os vazamentos, já existiria uma logística e operação prontas para ficar recebendo óleo, monitorando as praias e as ações seriam feitas de maneira mais eficiente.
SS – Sabe-se que cada óleo tem suas especificidades, uma “identidade”. As especulações do governo federal de que seria produto venezuelano fazem algum sentido? Ou se fala demais nesse governo?
JK – Falando um pouco de política, eu tenho uma opinião formada sobre essa política de meio ambiente, que tem alguns equívocos. Parece de pouca preocupação a atuação do Ministério do Meio Ambiente. Sabemos que o Ibama está esvaziado, falta pessoal para atuar. Quanto à origem do óleo, nesse caso o governo não está falando demais. Existe uma “carteira de identidade, um número de registro” no óleo, que é dado pelo tipo de moléculas que o compõem. A gente chama de “assembleia de produtos compostos no óleo e o DNA do óleo”. Com essas informações, se consegue saber qual a bacia produtora, a origem. Já falaram que é venezuelano, com certeza é de alguma bacia de lá. Isso não quer dizer, ainda, que seja um derrame criminoso, que alguém agiu com interesse em derramar óleo na água. Existe a hipótese de algum navio em ação de emergência, para não afundar derramou o óleo, com o propósito de aliviar a carga. Mas isso é um crime, por não ser comunicado. Quem fez a mancha não comunicou e nem está tomando as providências para responder. Mas também existe a hipótese de algum tipo de fratura no subsolo e o óleo está vazando naturalmente de uma bacia petrolífera venezuelana. O que também é pouco provável que tivesse chegado onde chegou. Os indícios são de que, primeiro, óleo chegou ao Rio Grande do Norte, Maranhão e desceu em direção à Bahia. Bem nessa curva do litoral brasileiro, as correntes se dividem: uma em direção ao Caribe e outra em direção ao litoral brasileiro. Então, o foco do vazamento pode estar próximo a essa bifurcação das correntes.
SS – Hoje, com tanta tecnologia disponível, já não passou da hora de dizer de onde veio esse óleo?
JK – A tecnologia já foi usada para dizer que o óleo é de origem venezuelana, de bacias exploratórias. Já tem esse ponto. Parece que os sobrevoos não encontram a origem da demanda. É um mistério, a saber. Mas a tecnologia, nesse momento, talvez não auxilie encontrar o foco do óleo. Nos primeiros dias teria mais efetividade o uso da tecnologia. Existem radares, sensores, técnicas de sobrevoou que poderiam ajudar a identificar a fonte. Agora já passou muito tempo e está cada vez mais longe da solução.
SS – Já se sabe, até hoje, sexta-feira, da morte de peixes, tartarugas. O número oficial de 10 mortes. Mas esse número, infelizmente, pode aumentar?
JK- Com certeza, esse número deve aumentar. As informações são, como falei antes, que continua chegando óleo no litoral. E enquanto houver manchas derivando no oceano, animais continuam sendo sacrificados. Difícil prever quando vai parar. O que tem que fazer é montar estratégica, centro de atendimento para resposta da fauna. Isso tem que ser urgente onde tem toque de óleo na costa.
SS – Somente em Sergipe, foram retiradas 80 toneladas de óleo cru, sendo mais de 100 em todo litoral nordestino. Não é uma quantidade exorbitante. Os números podem ser bem maiores do que isso?
JK – Sim, serão bem maiores que isso. Não temos ideia. Pelo que está se descobrindo, são manchas que chegam pelo fundo e afloram na praia. Não sabemos o quanto tem para chegar. Pode cessar o óleo na praia, e daqui a um mês ou dois meses aflora de novo e chega à praia. Não dá para saber as dimensões dessa emergência e esses números são iniciais. Não temos como prever quando óleo vai chegar. Ele continua chegando.
SS – Quais as consequências deste desastre a curto, médio e longo prazo para a fauna e a flora?
JK – As consequências são imprevisíveis. Em curto prazo estamos vendo mortandade direta de animais contaminados pelo óleo. Num segundo momento, parte desse óleo se solubilizou na água e poderemos ter diminuição dos cardumes de pesca, a capacidade pesqueira da região. Esse óleo solubilizado pode afetar a cadeia atrófica dos ecossistemas da região. Vai ter impacto sobre os recifes de corais, sobre estoques pesqueiros, mamíferos marinhos, com a depressão da fauna alimentar desses organismos. Terão consequências a longo prazo que deverão ser estudadas, assim como teve no acidente da Vale, em Minas, que até hoje são sentidas na região.
SS – Que destino deve ser dado ao óleo que está sendo recolhido das praias?
JK – Estamos vendo a retirada do óleo da praia. Ela está sendo feita, utilizando mão de obra, com máquinas, pás e enxadas. Junto com óleo, vêm sedimentos, a maioria areia das praias e esse material está sendo levando para algum local. Mas isso não está sendo demonstrado e nem quem é o responsável pelo resíduo gerado. Provavelmente, as prefeituras estão levando para algum local. Podem estar recontaminando outras áreas. Existem hoje produtos no mercado que podem fazer a bioremediação desses sedimentos, para voltar à natureza. Uma grande preocupação que deve ser levantada: para onde está sendo levada, de que maneira e onde está sendo depositada.
SS – Como o senhor avalia o preparo das autoridades, sejam elas estaduais, municipais e a federal, para lidar com esses tipos de desastres?
JK- Vou começar falando do Plano de Contingência Nacional, que prevê ações de resposta de maneira eficiente para acidentes ambientais, incluindo vazamentos de óleo. Esse plano, na década passada, foi uma prioridade do Ministério do Meio Ambiente em implantá-lo. Ele foi escrito e está engavetado em algum local. Nunca foi colocado em prática e agora não tem nada. Pelo que vemos no dia a dia do mercado nacional, quando o assunto é emergência ambiental causada por óleo, apenas têm capacidade de responder com sucesso a esses eventos. O Ibama tem capacitação bem elevada e consegue auxiliar, mas a operação para recuperação, mitigação dos ambientes, somente empresas. Os nossos governos – federal, estaduais e municipais – são muito fracos em recursos e capacitação. São muito primitivos ainda nesse setor.