Marcus Éverson Santos (*)
Procusto, descrito na mitologia grega como um personagem cruel, costumava sequestrar suas vítimas e forçá-las a deitar em uma “cama de ferro”. Quando os membros da vítima sequestrada eram pequenos para se adequar à cama, ele os esticava; e, quando eram grandes, os cortava. A narrativa de Plutarco sobre “a Cama de Procusto”, contada em seu livro Vidas Paralelas, convida-nos a refletir, por analogia, sobre o sequestro da vontade popular e a mutilação das regras que permeiam uma democracia. Disfarçadas de democracia, as atuais ditaduras esforçam-se por maquiar sua sanha autoritária em processos eleitorais fraudulentos.
A “Cama do Procusto eleitoral”, crivo das atuais pseudodemocracias, tornou-se comum na estratégia de esticar aqui, cortar acolá, o corpo da vontade popular, de modo a se ajustar às sandices autoritárias. O “Procusto eleitoral” é uma ação coordenada de tomada do poder maquiada de processo eleitoral. Trata-se de um disfarce para fazer com que as vítimas (o povo) continuem acreditando que, pelo simples fato de ocorrerem eleições, isso é o quanto basta para estarmos diante de um processo coberto de lisura e equanimidade democrática.
O crivo da Cama do Procusto eleitoral simula respeitar o pluralismo de ideias, a ampla participação política, a paridade de armas e a contagem pública dos votos. Tudo é fingimento. Não há absolutamente nada que escape da ação violenta do Procusto eleitoral, esfacelando quaisquer que sejam os princípios de uma democracia real. Há uma clara e inequívoca diferença entre uma democracia real e a formal. Formalmente, uma democracia caracteriza-se por um conjunto de princípios e instituições, tais como: a soberania popular, eleições livres e justas com paridade de armas, garantia de direitos civis e políticos, estado de direito que assegura que ninguém escape dos ditames da lei, pluralismo político e de ideias, e participação popular. Mas, sob o crivo da “Cama de Procusto”, nenhum desses princípios faz sentido. Todos são obliterados pelo “trabalho incansável de Procusto”.
O Procusto eleitoral é, antes de tudo, uma ferramenta de guerra invisível, mas muito eficiente, para que tudo pareça estar acontecendo na mais pura lisura democrática. Para que tudo possa estar bem ajustado, a cama de Procusto é uma ferramenta de guerra informacional. Trata-se do uso estratégico da informação para influenciar a percepção, o comportamento e as decisões de indivíduos, grupos ou nações. O estica e puxa informacional usado no Procusto eleitoral tornou-se uma prática comum em contextos políticos, militares, sociais e culturais. Sua ação se faz pela manipulação da informação como ferramenta de poder.
O Procusto eleitoral opera usando uma gama variada de técnicas de mudança de comportamento eleitoral, incluindo desinformação, propaganda, ciberataques, manipulação e ou censura de mídias sociais, e o emprego de influenciadores sociais. Toda essa maquinaria é empregada com o propósito de vencer a guerra política sob a aparência da lisura democrática. Usando vultosas somas de dinheiro público e privado, o Procusto eleitoral utiliza a desinformação, com informações falsas ou enganosas, para confundir ou manipular o eleitor; utiliza a propaganda para distribuir mensagens que promovem uma agenda política que favorece apenas um lado em detrimento do outro; utiliza ciberataques com invasões de sistemas para roubar dados, desfigurar informações e ridicularizar a segurança de uma determinada entidade; censura mídias sociais para espalhar narrativas, mobilizar apoio e desestabilizar opositores; e aplica somas gigantescas de dinheiro em filmes, músicas e outras formas de expressão artística para moldar o comportamento eleitoral.
Eleições auditáveis, com contagem pública dos votos, e liberdade de expressão: nenhum desses princípios escapa ao crivo da “cama de Procusto”. Contra gosto, todos nós nos tornamos expostos à maquinária do Procusto eleitoral. Trata-se de uma ação de guerra por outros meios. Não há tropas marchando nas ruas, nem tanques de guerra ou caças supersônicos sobre nossas cabeças. A guerra informacional realiza um trabalho eficiente de formiguinha.
A inversão gradual e lenta e o ajuste comportamental para fazer valer uma ordem política em detrimento da outra é uma extensão do que defendia Antonio Gramsci com seu conceito de guerra cultural. Antonio Gramsci, um dos mais influentes marxistas do século passado, concluiu, dentre outras sandices, que a dominação cultural silenciosa revelaria sua força e, por fim, venceria a guerra política. No Brasil, esse trabalho de formiguinha lento e gradual atingiu com maestria seu objetivo final. Cumpriu-se uma extensa revolução cultural, conformando nossas instituições ao controle total das elites socialistas e oligárquicas.
A construção de consensos e valores que sejam aceitos por toda a sociedade de maneira sutil e gradual foi vista por Gramsci como uma maneira eficiente de estabelecer o poder hegemônico. Por meio desse expediente, o sequestro das massas idiotizadas por uma ampla revolução cultural faria o sistema inteiro da sociedade sucumbir a uma ciclópica visão de mundo. Dito e feito!
Tal como havia preconizado o teórico marxista, a ideia de uma revolução cultural tornou-se central para compreendermos as transformações informacionais que o Brasil sofreu nas últimas décadas, tanto no âmago das estruturas de poder quanto na cultura. Atualmente, todas as nossas instituições “democráticas” encontram-se ajustadas à “cama de Procusto socialista”, fruto do ardiloso trabalho preparado para estabelecer o controle cultural e ideológico em nosso sistema político, educacional, intelectual e institucional.
No Brasil, os principais propósitos da guerra informacional já estão em curso, tais como o controle da narrativa por um consórcio de mídia muito bem pago para dominar a forma como os eventos políticos e as ações devem ser percebidas pelo eleitorado, moldando a opinião pública a favor de um determinado lado ou espectro político; a desestabilização da opinião pública, criando factoides e desordem entre adversários, minando a confiança em determinadas instituições e líderes; a mobilização do eleitorado para que se apoie ou se oponha a determinadas ações políticas; a promoção de ataques àqueles que são taxados como inimigos, por meio da disseminação de informações que possam ser prejudiciais à sua reputação e imagem política; e a abertura para influências geopolíticas externas que, por sua vez, possam alcançar objetivos estratégicos em nível internacional, com a promoção de ideologias (wolkismo, ecosocialismo, aquecimentismo) ou a deslegitimação de governos.
Assim como Procusto forçava os viajantes a se ajustarem à sua cama, as elites socialistas e as oligarquias globais sequestram os eleitores em todo o mundo. Em países como a Rússia, embora ocorram eleições anunciadas como democráticas, o controle do governo sobre os meios de comunicação, a repressão de opositores políticos e a falta de um ambiente eleitoral justo confirmam o emprego do Procusto eleitoral; na Turquia, realizam-se eleições, mas há um aumento da repressão à liberdade de expressão e na perseguição a opositores políticos, especialmente após a tentativa de golpe frustrada em 2016. Na última eleição venezuelana, governada por um ditador, Nicolás Maduro, vimos a própria instituição eleitoral do país, em um governo que se apresenta como democrático, anunciar o resultado de eleições fraudulentas, com a oposição sendo intimidada e silenciada. Tudo que se revelou nas últimas eleições venezuelanas mostra com clareza como funciona o ajustamento à “cama de Procusto”. “Podre de Maduro”, o ditador buscou ajustar a realidade de sua acachapante derrota a teorias conspiratórias sem pé nem cabeça, fazendo jus às ferramentas da guerra informacional.
Na Bielorrússia, sob o regime de Alexander Lukashenko, o país realiza eleições, mas é amplamente considerado uma ditadura, com repressão severa a qualquer forma de dissentimento; no Egito, apesar de realizar eleições, o governo é conhecido por reprimir a oposição e restringir a liberdade de imprensa; no Camboja, o governo realiza eleições, mas a oposição política foi praticamente eliminada, e há restrições severas à liberdade de expressão. Esses são alguns exemplos de que estamos em guerra informacional contra a lisura democrática e a ordem social. O caos informacional tem método, e seu principal objetivo jamais foi respeitar a opinião pública.
São vários os atores envolvidos na guerra informacional. Governos e estados, através de suas agências de inteligência, utilizam informações para espionar, desinformar e manipular narrativas, com vultosos recursos financeiros. O objetivo é controlar a informação interna e externamente para manter o poder e deslegitimar e perseguir inimigos. Também participam da guerra organizações não estatais, grupos terroristas e movimentos políticos, recrutando, financiando e justificando campanhas de desinformação e propaganda contra aqueles que são vistos como inimigos.
A mídia tradicional (a velha mídia) também participa da guerra informacional, usando ferramentas como jornais, televisões, rádios e agências de notícias ávidas pelos recursos financeiros disponíveis em períodos eleitorais. Plataformas de mídias sociais, como Twitter, X e Instagram, também são utilizadas para fomentar o sectarismo político e ideológico. Influenciadores digitais, ativistas, cidadãos comuns e coletivos das mais variadas tribos utilizam o alcance de seus canais para moldar percepções e disseminar mensagens entre os eleitores. Some-se a essa maquinária as ferramentas de mega corporações de análise de dados que utilizam algoritmos para segmentar públicos e direcionar mensagens específicas.
O eleitor me pergunta: Mas, e o Brasil? Qual a extensão do Procusto eleitoral? Para não cansar o leitor, recorro a um ditado popular:
Para responder a essa pergunta, basta perguntar com que países o atual governo mostra-se simpático. O leitor que estiver sob o efeito das ferramentas da guerra informacional não será capaz de perceber que a parafernália autoritária no Brasil anda tão bem mascarada que, por força do hábito, muitos eleitores ainda vão às urnas acreditando que, por meio delas, estarão a salvo da cama de Procusto.
O efeito didático que o mito da cama de Procusto nos propicia é que o fato de um país ter ou não eleições não significa nada diante de uma imensa guerra informacional. Em todas as atuais ditaduras, seja autocrática (centrada numa visão salvacionista do líder político) ou partidocrática (centrada numa visão ciclópica de um único partido), ocorrem eleições. Na “cama de Procusto”, tudo é ajustável; a questão de ser ou não uma democracia é pouco relevante; o que importa para a atual elite não é ser, mas sim, parecer ser, mostrar-se neutra e impoluta.
Cortar e ajustar uma mentira de tal modo que pareça ser verdade; sequestrar as qualidades objetivas da realidade e forçá-las a ajustar-se a um padrão autoritário e arbitrário. Esse tem sido o principal trabalho da elite socialista, em conluio com as oligarquias, usar todos os meios possíveis para fazer parecer que respeitam as liberdades individuais e as eleições. O sequestro cultural e a imbecilização coletiva promovida pela hegemonia socialista e oligárquica alcançou níveis já esperados. O “procusto eleitoral”, a máquina de estica e puxa do autoritarismo, sequestrou qualquer esperança democrática. Se o disfarce democrático ainda não caiu, isso mostra o quão eficientes foram as ferramentas da guerra informacional.
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