Entrevista

Professor Edson Tomaz: “Essa é a grande oportunidade para Sergipe despontar como importante produtor e exportador de fertilizantes”

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Enquanto uns choram, outros vendem lenços. Diz o ditado para mostrar que, mesmo diante de uma crise, há sempre uma oportunidade de negócios. Ao invadir a Ucrânia, a Rússia deixou o mundo em desespero, abalado diante de uma guerra cujos desdobramentos são incertos. Mas qual a oportunidade de negócios, enquanto o mundo assiste a uma guerra a ferro e fogo? O professor Edson Tomaz de Aquino, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), explica que “o Brasil será afetado, pois é um grande produtor agrícola e dependente de adubos e fertilizantes, comprados, principalmente, da Rússia”.

Mas para Sergipe, na concepção do professor, “pode ser uma oportunidade de adquirir a capacidade de instalar toda uma cadeia produtiva de fertilizantes para suprir o mercado interno e diminuir a dependência. Essa crise tende aumentar a oferta de fertilizantes pelo mundo e o Estado pode se tornar, inclusive, um fornecedor”, destaca. “Ganha o Nordeste como um todo. Quando se fala em cadeia produtiva, isso pode transbordar para outros Estados”, ressalta.

Enquanto há essa perspectiva para o Nordeste – e de modo particular para Sergipe e Bahia – outros problemas econômicos virão, pois os preços dos combustíveis no Brasil – que já está assombrosamente caro – tendem a subir e aí começa uma cadeia de reajustes: preço do frete, alimentos, bebidas. Até o pão nosso de cada dia poderá sofrer um aumento.

Para completar, há o presidente Jair Bolsonaro que, recentemente foi solidário a Putin, enquanto a maioria dos líderes mundiais o rejeita. “Bolsonaro está isolado no cenário internacional. Poucos líderes querem se associar a ele. O convite para visitar a Rússia foi uma oportunidade para mostrar que ele não está isolado”, disse o professor Edson Tomaz. “O presidente do Brasil age como candidato, está em campanha e busca agradar sua base eleitoral”, completou.

Por esses dias, Edson Tomaz, doutor em Relações Internacionais pela Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, conversou com o Só Sergipe sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia e seus desdobramentos.

Confira a entrevista.

 

SÓ SERGIPE – A crise entre Rússia e Ucrânia é algo antigo. O senhor poderia contextualizar, resumidamente, sobre o que ocorreu com esses dois países chegando à situação atual?

Infográfico mostra o primeiro dia da invasão russa à Ucrânia. – Reuters/Agência Brasil

EDSON TOMAZ – A crise entre os dois países tem início em 2013, quando o então presidente ucraniano  Viktor Yanukóvytch desiste de assinar um acordo de adesão à União Europeia. O recuo leva a grandes protestos na capital, Kiev, e à deposição do presidente alguns meses depois. O episódio é visto por Moscou como interferência do Ocidente, ou seja, Estados Unidos, ao incentivar os protestos nas redes sociais ucranianas. O novo governo eleito leva adiante a aproximação com o Ocidente apresentando candidatura do país para ingressar na OTAN. A Ucrânia foi território do império russo e no período soviético alguns territórios foram transformados em repúblicas, inclusive a Ucrânia. As repúblicas socialistas eram unidades da União Soviética. Somente em 1991, após o fim da União Soviética, as repúblicas se tornaram estados independentes. Nos primeiros anos após a dissolução da União Soviética, a Rússia enfrenta dificuldades em manter a influência sobre tais repúblicas, visto que se encontrava em fase de transição de uma economia socialista para uma economia de mercado. Esse enfraquecimento dos laços fez com que ganhasse força grupos antagônicos, uns pró-ocidente e russofóbicos. De outro lado, os ultranacionalistas anti-ocidente e pró Rússia, principalmente no leste da Ucrânia, na fronteira com a Rússia. Nessa parte do país encontra-se a cidade de Donetsk, uma das regiões separatistas. Há uma guerra civil entre esses dois movimentos, mas o pano de fundo do conflito é o avanço da OTAN, ou seja, dos Estados Unidos, em área historicamente de influência russa.

SÓ SERGIPE – O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não concorda que a Ucrânia integre a Otan, aliança militar que reúne 30 países. Por que essa postura? Qual o problema ?

EDSON TOMAZ – Putin não deseja a OTAN nas bordas da Rússia, lembrando que os países bálticos, Estônia, Letônia e Lituânia, ex-repúblicas soviéticas, já fazem parte do tratado. O avanço da OTAN no entorno russo provoca insegurança e enfraquece a influência da Rússia sobre outras regiões que podem pretender se aproximar do Ocidente, via OTAN e União Europeia.

SÓ SERGIPE –A guerra começou. Como deve ser vista?

Ucrânia sendo bombardeada pelas tropas russas Foto: EBC

EDSON TOMAZ – Como estamos acompanhando nas últimas horas, a ofensiva militar da Rússia sobre a Ucrânia não deve ser vista como uma guerra de anexação, mas de pressão para persuadir a Ucrânia a realinhar sua política externa na direção de Moscou. A ofensiva deve ter como objetivo a deposição do atual presidente para a instalação de um governo pró-Rússia.

SÓ SERGIPE – O presidente Putin fez uma ameaça aos países que interferirem na guerra. Disse que “quem quer que tente interferir conosco, e ainda mais para criar ameaças ao nosso país, ao nosso povo, deve saber que a resposta da Rússia será imediata e o levará a consequências como você nunca experimentou em sua história”.  Uma interferência pode desencadear uma terceira guerra mundial?

EDSON TOMAZ – Sim, há o risco de uma guerra mundial, mas o risco disso acontecer são mínimos, pois a Rússia é uma grande potência militar.

SÓ SERGIPE –  Ao invadir a Ucrânia, a Rússia não está querendo ter de volta a antiga União Soviética? O que vai ficar desta guerra, mesmo que ela não demore muito tempo, como é o desejo de todos?

EDSON TOMAZ  – Acredito que esse acontecimento na Ucrânia  representa uma nova fase nas relações internacionais. Uma ruptura que vinha antes e agora com um sistema mais, digamos, compartilhado em termos de poder com Rússia e China.

“A Rússia tem movimentos separatistas internos e alguns foram massacrados por Putin. E essa demonstração de força enfraquece os EUA.”

Mesmo havendo solução diplomática agora para esse conflito, a marca que fica é de uma visão mais realista da força. E isso deve envolver a China, que tem questões semelhantes para resolver com Taiwan e com o Tibet. A Rússia tem movimentos separatistas internos e alguns foram massacrados por Putin. E essa demonstração de força enfraquece os EUA. E provavelmente teremos um cenário mais realista, de que as relações internacionais vão competir, necessariamente, contabilizar esses aspectos de conflito, de guerra, território e de uso do poder.

Presidente Jair Bolsonaro “está isolado no cenário internacional” Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

SÓ SERGIPE – Como o senhor interpretou a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, onde demonstrou apoio ao líder russo, e depois foi visitar a Hungria, quando chamou o primeiro-ministro Viktor Orbán de “irmão”?

EDSON TOMAZ – Bolsonaro está isolado no cenário internacional. Poucos líderes querem se associar a ele.   O convite para visitar a Rússia foi uma oportunidade para mostrar que ele não está isolado. Por outro lado, após apoiar Trump nas eleições dos Estados Unidos, as relações com o atual governo também são frias e o não alinhamento explícito do Brasil a Washington está relacionado com a animosidade criada desde então. Orbán é conservador de direita, defende pauta de costumes semelhante a de Bolsonaro. E também foi oportunidade de mostrar que não está totalmente isolado.

SÓ SERGIPE – Bolsonaro desautorizou o vice, que se posicionou contra a Rússia.  Como o senhor avalia a postura do presidente que afaga ditadores?

EDSON TOMAZ – O presidente do Brasil  age como candidato, está em campanha e busca agradar sua base eleitoral. O Itamaraty e alguns setores do Estado se posicionam da forma tradicional da diplomacia brasileira, defendendo a paz, a soberania e a não intervenção.  Por isso as sinalizações desencontradas do governo brasileiro.

SÓ SERGIPE- O Brasil é dependente da Rússia em produtos como cloreto de potássio, ureia, enfim, adubos e fertilizante. Esse mercado será bastante afetado?

EDSON TOMAZ – Sim, o Brasil será afetado, pois é um grande produtor agrícola e dependente de adubos e fertilizantes, que o Brasil compra, principalmente, da Rússia.

“A alta de preços desses insumos terá reflexos nos custos de produção…”

No comércio exterior a substituição de fornecedores não é tão fácil e rápida, além do fato de escassez que o conflito pode provocar. A alta de preços desses insumos terá reflexos nos custos de produção, encarecendo os produtos tanto no mercado externo como no mercado interno. Esse é um outro fator que pode pressionar a inflação neste ano.

Unigel em Laranjeiras: grande oportunidade

SÓ SERGIPE – Vamos trazer a questão para a realidade sergipana. Depois de muito diálogo, a antiga Fafen agora é Agro Unigel, e retomou a fabricação de ureia.  Como fica Sergipe?

EDSON TOMAZ – A retomada da fabricação de ureia se dá em momento que apresenta grande oportunidade para Sergipe despontar como importante produtor e exportador de fertilizante. As bases produtivas já existem, basta maior investimento para capacitar a Unigel, bem como outras empresas que podem compor um complexo produtivo com capacidade de escala.

SÓ SERGIPE – O senhor está dizendo que, mesmo numa situação de guerra, pode ser uma oportunidade para Sergipe, Bahia, já que ambas têm fábricas de fertilizantes?

EDSON TOMAZ -Pode ser uma oportunidade de o Estado adquirir a capacidade de  instalar toda uma cadeia produtiva de fertilizantes para suprir o mercado interno e diminuir a dependência. Essa crise tende aumentar  a oferta de fertilizantes pelo mundo, o Estado pode se tornar inclusive um fornecedor. E uma oportunidade, desde que haja estratégia empresarial, aliada com ações de governo para capacitar essa base industrial que já existe. Ganha o Nordeste como um todo. Quando se fala em cadeia produtiva, isso pode transbordar para outros Estados. A exportação, uso dos portos, por exemplo. Tem toda uma cadeia que se beneficia com um complexo industrial como esse.

SÓ SERGIPE – Há ainda a questão do petróleo, pois a Rússia é um dos maiores produtores do planeta. Poderemos pagar mais caro pelos combustíveis, diante do aumento do dólar? O preço do barril de petróleo já ultrapassou a casa dos US$ 100.

EDSON TOMAZ  – Já chegou a mais de 100 e deve continuar subindo. O reflexo nos postos é rápido e deve pressionar os preços de forma generalizada. E a inflação em alta também eleva a Selic, tornando o acesso a crédito por parte das pessoas e das empresas mais caro.

SÓ SERGIPE – Com o aumento no preço do barril de petróleo, outros seguirão em cadeia, como o preço dos alimentos. Nós  temos a terceira inflação mais alta entre as principais economias do mundo, ficando atrás da Argentina e da Turquia.  O futuro é desanimador?

EDSON TOMAZ – Sim, no que diz respeito à inflação, os fatores atuais deflagrados pelo conflito no leste da Europa contribuem para uma inflação alta em 2022. Se considerarmos que os trabalhadores estão com perdas de poder de compra, tanto pela questão da inflação como pela falta de reajustes salariais, o cenário é de economia estagnada.

SÓ SERGIPE – Haverá impacto no preço do pão, do milho, também?

EDSON TOMAZ –  Sim, o Brasil é importador de trigo, não produz o suficiente para   atender o mercado interno. De qualquer forma, produtos como trigo, milho, soja, café e petróleo são commodities e têm suas cotações definidas em bolsas no exterior.

 “Não apenas a produção de alguns produtos fica comprometida, mas também o transporte dos produtos, o preço do frete, do seguro de mercadorias, enfim, há reflexos generalizados nos preços dos produtos.”

O conflito ou apenas o receio de um conflito provoca a alta dos preços desses produtos. As cadeias produtivas dos mais variados produtos que consumimos no dia a dia, como o pãozinho, serão impactados pelo conflito na Ucrânia. Não apenas a produção de alguns produtos fica comprometida, mas também o transporte dos produtos, o preço do frete, do seguro de mercadorias, enfim, há reflexos generalizados nos preços dos produtos.

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Antônio Carlos Garcia

CEO do Só Sergipe

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