“Quanto mais armas, mais opressão, mais perigo e mais mortes”. Esse é o entendimento do secretário municipal de Defesa Social de Aracaju, o coronel da reserva da Polícia Militar de Sergipe, Luís Fernando Silveira de Almeida, 55 anos, ao comentar a decisão do presidente Jair Bolsonaro de zerar a alíquota do imposto aplicado para importação de revólveres e pistolas, que passará a valer a partir de 1º de janeiro de 2021.
Formado em Direito, com pós-graduação em “Gerenciamento Estratégico em Segurança Pública”, Luís Fernando lamenta que armas nas mãos da população, “estão matando os negros, pobres, crianças com balas perdidas”. E diante do cumprimento de promessa de campanha, para facilitar que a população se arme, Luís Fernando prevê tempos sombrios se avizinhando.
Avesso do avesso ao capitão-presidente, um armamentista juramentado, o coronel, defensor dos Direitos Humanos, vê como uma falácia a teoria bolsonarista de que população armada não é subjugada. Para ele tudo ocorre ao contrário, pois as pessoas armadas matam e poderão ser as próprias vítimas das armas que adquiriram com a falsa ilusão de que estariam se protegendo. “Se o policial bem preparado, perde arma num assalto, imagine o que pode ocorrer com as pessoas que não têm esse preparo”, provoca.
Há três anos e meio como secretário de Defesa Social de Aracaju, Luís Fernando se prepara para mais trabalho a partir de janeiro de 2021, justamente, em virtude dessa alíquota zero. E vai mais além: aquele policial militar ou civil que defende a liberação de armas, o aumento das vendas, está chamando o problema para ele.
“Aqui [Aracaju], que é um dos lugares mais pacatos da nossa Federação, imagina o que não vai ser de uma briga de trânsito, estando uma das pessoas armadas? Uma briga de condomínio, como terminará se uma delas ou as duas estiveram armadas?”, questiona o coronel que, quando ainda ativo na patente de capitão, ficou preso por quatro dias por determinação do então comandante da Polícia Militar, por ter pedido autorização para participar de um curso sobre Direitos Humanos.
Essa semana, o coronel Luís Fernando, um carioca filho de um salva-vidas e de uma enfermeira, duas pessoas que sempre trabalharam para salvar as pessoas, conversou com o Só Sergipe e mostrou que é totalmente contrário a essa cultura armamentista e que salvar vidas importa.
SÓ SERGIPE – O presidente Jair Bolsonaro zerou a alíquota para importação de revólveres, pistolas, dentre outros produtos. Especificamente, sobre as armas, como o senhor viu essa medida do governo?
LUÍS FERNANDO – Primeiro, entendo que o mundo passa por um momento extremamente delicado e que nós teríamos mil prioridades antes dessa para abrir mão de receita. Quer queira ou não, quando uma alíquota cai de 20% para zero, dependendo do volume de compras, pois existem colecionadores e algumas pessoas que têm interesse de possuir um armamento melhor, muitos vão comprar. Mas também é preocupante de que forma vai ser isso, o quantitativo, porque há decretos que vão e vêm. Essa questão da posse e do porte de arma está muito confuso. O que sei, e não tenho a menor dúvida disso, é que essa teoria de armar a população, pois ela armada não é subjugada, é tudo o contrário. O que vemos é que as armas nas mãos da população estão matando os negros, pobres, crianças com balas perdidas. Então, quanto mais armas, mais opressão, mais perigo e mais mortes.
SS – A campanha política do candidato Jair Bolsonaro foi, justamente, facilitar o acesso a armas para toda a população. E desde então isso gera críticas, divide opiniões. Agora, com esse decreto, poderemos vislumbrar que teremos um futuro complicado com aumento da violência pelo país?
LF – Não tenho dúvida disso. A tendência é que, quanto mais armar as pessoas, mais violência vai haver. O que temos visto ultimamente em Sergipe são pessoas disparando armas sem noção nenhuma, tem gente que ingere bebidas alcóolicas, sai armada e faz besteira. Aqui, que é um dos lugares mais pacatos da nossa Federação, imagina o que não vai ser uma briga de trânsito, estando uma das pessoas armadas? Uma briga de condomínio como terminará, se uma delas ou as duas estiveram com armas?
SS – Para se ter o porte e a posse de uma arma é necessário equilíbrio emocional, além de muita técnica, não é?
LF – Sim, exige muito controle, preparação, um estado psicológico extremamente estável. Armas são para as polícias e Forças Armadas. A população tem que andar desarmada e exigir uma polícia honesta, bem preparada que faça a sua defesa, e não armar todo mundo. E não sabemos em que mãos essas armas vão parar. Sabemos que no Rio de Janeiro, o tráfico, antes, e hoje as milícias, dominam os territórios, as pessoas. Fecha loja, abre loja, decreta toque de recolher. Isso não aconteceria se tivesse alguma forma de coação do poder armado.
SS – As pessoas se armando, da forma que o presidente Bolsonaro quer, vai aumentar o trabalho das forças de segurança?
LF – Não tenha a menor dúvida. O policial militar e civil que defendem a liberação de armas, o aumento de vendas de armas, eles estão chamando o problema para eles mesmos. Primeiro, eles podem estar abordando uma pessoa na rua, como se faz hoje, não com relaxamento, mas com um pouco de tranquilidade, eles farão mais desconfiados. Qualquer gesto pode fazer com que o policial venha a disparar arma, na legítima defesa putativa, porque achará que o abordado está armado. Porque vai partir do princípio de que qualquer pessoa pode estar armada. E outra: quem comprar arma, ou terá que ter um preparo extraordinário, para estar sempre muito atento, ou vai perder essa arma para o bandido, que age no fator surpresa. Se os policiais perdem armas ao serem assaltados por bandidos, pois ficam distraídos, imagine o cidadão comum que não tem aquela ideia fixa de que tem de estar em segurança o tempo todo. Imagina os que vão beber, dirigir, brigar por causa de um carro mal parado numa rua de condomínio, e acontecer uma tragédia. Hoje já vivemos isso.
SS – Ou então ser morto pela própria arma que ele comprou, suspostamente, para protegê-lo.
LF – Isso, pela própria arma. Por um manuseio errado. Ou uma criança pegar uma arma. É uma temeridade.
SS- Esse é um aspecto. Mas o bandido, ao abordar uma pessoa, toma a arma dela e a mata. Isso acontece.
LF – Exatamente. Se bobear pode morrer. A gente vê casos no Rio de Janeiro, com policiais fazendo ‘bico’, no qual o bandido toma a arma e o mata.
SS – O presidente emitiu esse decreto, tem mais outros 504 produtos. O senhor não acha que o presidente poderia restringir esse decreto para atender, somente, os operadores de segurança pública?
LF – A questão é o policial estar bem armado, pois nós vivemos durante muito tempo um monopólio de uma única empresa com armas que não são da melhor qualidade. Obviamente que as armas importadas têm uma qualidade melhor. Ótimo que o policial esteja bem armado, mas entendo que o Estado é que tem que prouver. Independente de preço, de alíquota, essa é uma obrigação do Estado. O policial precisa estar bem armado, com equipamento de proteção individual, bem treinado, bem remunerado e muito bem selecionado, para que não tenhamos no nosso meio pessoas sem escrúpulos. Infelizmente, o senso comum acha que armar todo mundo é a melhor solução, o que não é verdade. Ter uma arma é fator de insegurança.
SS – Além das mortes, que é algo trágico, um tiro pode deixar sequelas irreversíveis, os pacientes ficam muito tempo no hospital, a depender da gravidade, e isso gera despesa para o Estado. Isso é igualmente grave?
LF -Sim, os gastos no Sistema Único de Saúde com pessoas feridas são imensos no país. Tem gente que fica meses numa Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
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SS – Bom, falando da secretaria municipal de Defesa Social que o senhor dirige, o seu serviço vai aumentar a partir de janeiro, diante da facilidade financeira dada pelo presidente com mais armas circulando?
LF – A flexibilização é um perigo para todos. Para as forças de segurança, para a população, principalmente, a mais desassistida, mais carente que vive à mercê de pessoas que fazem uso da força e do poderio da arma para subjugá-la. É uma temeridade mesmo.
SS – Vi, recentemente, no bairro Luzia, numa pequena colisão entre um carro e uma moto, que o dono do carro sacou a arma, deu um tapa no rosto do motociclista e ficou tudo por isso mesmo. O motociclista foi embora humilhado. Depois disseram que o rapaz que sacou a arma era um delegado de polícia. Se um delegado, presume-se, deve ter equilíbrio para usar uma pistola, imagine quem não tem preparação.
LF – Uma arma você saca para fazer o domínio da outra pessoa, se ela estiver em situação suspeita. Verificando que não há nada, agradece, pede desculpas e manda embora. E outra coisa: há muita gente que acha que somente ela está armada. Numa dessas, saca uma arma, não espera que a outra também esteja, e dispara, e olha o problema.
SS – Há quem defenda que o presidente poderia zerar a alíquota dos produtos que compõem a cesta básica, pois ajudaria mais. O senhor concorda?
LF – Com certeza, seria uma última coisa diante da situação do povo brasileiro.
SS -Nesse cenário todo, quais são seus projetos para a Secretaria Municipal de Defesa Social na próxima gestão do prefeito Edvaldo Nogueira?
LF – É o uso cada vez mais aprofundado de tecnologia, de inteligência, para que se trabalhe com o mínimo de violência e o máximo de informação. Essa aí é a nossa visão.
SS – Na campanha eleitoral, alguns candidatos disseram, que se eleitos, promoveriam mais integração entre a Guarda Municipal e os demais setores da segurança pública. Mas, eu pergunto: ali foi discurso de candidato? Esse contato já existe?
LF – Nós temos um relacionamento muito bom com as Polícias Civil, Militar e Federal, principalmente, no que tange a parte de inteligência. E com a Polícia Militar fazemos algumas operações conjuntas com a Guarda Municipal. É total verdade essa parceria.