Essa semana, um acontecimento movimentou toda uma categoria em Sergipe. O Tribunal de Contas do Estado abriu Processo Seletivo Simplificado (nº 01/2020) para a contratação de psicólogos por seis meses. No Edital, vem descrito: “Necessidade urgente de contratação de profissionais, visando mitigar os efeitos decorrentes da pandemia pelo novo coronavírus, fortalecendo, assim, os mecanismos assistenciais, comunica aos interessados a abertura de processo seletivo simplificado, em caso de excepcional interesse público.” Entretanto, o salário oferecido é de um salário mínimo. Isso mesmo, R$1.045,00 (mil e quarenta e cinco reais), por 30 horas de jornada semanal.
Cabe destacar alguns aspectos ao estudo da gestão do trabalho que são incoerentes. Para se estabelecer o quanto deve ser pago a um cargo, dentro de uma empresa ou instituição, este valor é construído a partir de um complexo estudo, que contempla muitas variáveis, começando pela atividade a ser desenvolvida; as funções que serão exercidas; a importância e a integração com os demais cargos e funções, para o perfeito funcionamento institucional; o investimento para a formação do trabalhador; a qualificação profissional, entre outras características e atribuições.
A criação de um processo seletivo com a oferta de um salário mínimo para um profissional de Nível Superior põe em dúvida o setor que construiu a proposta do processo seletivo e a área de gestão do trabalho da instituição (também conhecida como setor de recursos humanos ou setor de pessoal) e torna incoerente o objetivo do presente Edital. A instituição quer mitigar os efeitos da pandemia, fortalecendo mecanismos assistenciais à custa do enfraquecimento da função e desfavorecendo os profissionais que irão trabalhar, justamente para dar condições de trabalho e vida, por meio da melhoria da saúde mental individual e coletiva, que resulta na melhoria da saúde como um todo.
Não é para menos que todos os psicólogos estão indignados e o fato causou mobilização do Conselho Regional e do Sindicato da categoria. A saúde mental ainda sofre um grande estigma por “não ter um local concreto para habitar”. Ou seja, não tem um espaço específico no corpo, concretamente, que possa ser apontado ou selecionado para ser “tratado” e a suposta “abstração” – que muitos acreditam ser a saúde mental – a coloca em uma névoa entre a ignorância e a negação da importância de seu cuidado. Somente quem permite se beneficiar de seus cuidados pode compreender sua importância e perceber o quanto se implica o profissional da área em seu trabalho.
O psicólogo precisa cuidar-se, constantemente, para não adoecer. Para isso, o mínimo que se faz necessário é psicoterapia individual, supervisões constantes e atualizações em congressos, jornadas, cursos e pós-graduações. Esse investimento não é só para trabalhar bem, é para não adoecer! O psicólogo trabalha e se envolve com o que os outros não querem ver, sentir ou se comprometer, porque estão diariamente em contato com o maior e mais profundo sofrimento humano. Será que é por isso, por essa negação de não querer ver a importância da dor e do sofrimento dos seres humanos que o TCE, órgão conhecido por seus generosos salários, não suporta admitir que seus servidores precisam de auxílio? Ou tem algo de obscuro e do não dito por traz deste Edital?
O fato é que, se a legislação fosse cumprida, nenhum psicólogo poderia assumir o cargo. No Código de Ética, art. 1º, alínea c), afirma-se que o psicólogo deve “prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional.” Com um salário mínimo é impossível pagar psicoterapia, supervisões e manter-se atualizado. Assim, é incompatível com o exercício de qualidade que a profissão exige. Então, pergunto: quanto vale sua saúde mental?
(*) Profa. Esp. Petruska Passos Menezes é psicóloga e psicanalista, integrante do Círculo Psicanalítico de Sergipe, tem MBA em Gestão e Políticas Públicas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Gestão Estratégica de Pessoas (pela Fanese), Neuropsicologia (pela Unit) e em curso Gestão Empresarial pela FGV.
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