Uma das maiores questões que sondam os psicodiagnósticos no modelo médico são as oscilações afetivas. Tristeza e alegria, quando intensificadas e desarmônicas, dão espaço para o desencadeamento da depressão e da mania. Veja: tristeza não é sinônimo de depressão e alegria não é mania. Mas, no mundo atual, parece difícil identificar as diferenças.
Parece que os sentimentos nunca estiveram tão desorganizados e desarmônicos como agora. Ou eles são anestesiados de uma forma que o embotamento do sentir transforma alguns em robôs ou o sentir vem numa intensidade tão grande que o desequilíbrio faz uma descompensação e o que deveria ser a consequência afetiva de reações internas e externas toma proporções imensas.
A depressão e a mania são desequilíbrios biopsicossociais advindos de uma grande dificuldade de lidar com os sentimentos. A partir de uma falsa crença social de que o que precisa prevalecer é a razão, os sentimentos ficaram relegados ao primitivo e uma pessoa “evoluída” deveria saber controlá-los e omiti-los das suas relações, para não ser excluída das suas redes sociais ou julgada como inferior no desenvolvimento humano.
É justamente este julgamento que faz com que os pais tenham grandes dificuldades de ensinar aos filhos a respeitar o seu sentir e aprender com o que sente; a se compreender e a utilizar as emoções como força motriz para qualquer decisão, atitude e desejo que possuam. Temos pais e adultos em geral que têm receio de permitir que as crianças chorem, como se o choro fosse algo ruim e destrutivo. O riso e a espontaneidade incomodam e, muitas vezes, também são calados, em busca de uma pessoa que aparentemente é equilibrada, mas só na superficialidade, pois o que sente é simplesmente suprimido.
Uma pessoa realmente equilibrada é aquela que consegue se permitir sentir e expressar suas emoções, compreendê-las como um processo de autoconhecimento e usar a força de seus sentimentos para movimentar-se, buscar caminhos que a deixem mais adaptada à sociedade, ao mundo e consigo. Podemos ter sentimentos contraditórios sobre os mesmos agentes mobilizadores, mas somente a capacidade de sentir, refletir e, daí, encontrar possíveis respostas é que acalantam o que se sente e potencializam a energia necessária para a transformação ou a mudança.
O que acontece, atualmente, é que as crianças, e atuais adultos, crescem sem uma capacidade de compreender-se. Sim, é um processo mais complexo do que estou descrevendo, porque passa pela bioquímica cerebral principalmente, mas que também deveria adaptar-se. Quando as birras não são cuidadas na idade certa e os sentimentos apreendidos, as crianças começam a dar sinais de que não estão bem e as pessoas não conseguem compreendê-las. O desequilíbrio começa e torna-se uma bola de neve, que só cresce com o tempo.
O desequilíbrio afetivo toma proporções gigantescas e o que deveria durar pouco tempo é incorporado ao humor que, ao contrário do que se sente, perdura e fica por baixo dos sentimentos, e traz uma permanência muito mais intensa e duradoura, mesmo com sentimentos contraditórios presentes. Por exemplo, uma pessoa depressiva pode se divertir e rir. Isso não quer dizer que ela esteja melhor ou que a depressão seja falsa. O sentimento de se sentir menos, de não ter motivações, falta de força e desejo de continuar permanecem, porque a estrutura está enrijecida a tal ponto que será necessário muito esforço, psicoterapia e, provavelmente, medicação, para romper esse ciclo destrutivo – inclusive bioquimicamente.
Assim, gostaria de propor uma reflexão sobre uma sociedade adoecida que oscila entre a depressão e a mania – isso é comprovado pelo altos índices de diagnóstico psiquiátrico do transtorno bipolar. Quando ignoramos o que sentimos e não conseguimos ensinar nossas crianças a cuidar do que sentem, a aprender a lidar, ter paciência com as situações afetivamente desconfortáveis, impedimos o desenvolvimento da capacidade de aprender a identificar todo o aparato de percepção e sensação presentes, muito antes do desenvolvimento da razão e, por que não, da capacidade de pensar, da existência da razão.
Portanto, faço um convite para que ressignifique a importância das emoções em sua vida, dê mais espaço para o que sente observando-se e, buscando, com isso, o desenvolvimento das ferramentas internas de suporte e cuidado consigo. Talvez assim possamos diminuir o alto nível de diagnóstico que perpassa os consultórios e teremos, ao fim, uma sociedade mais equilibrada e com maior qualidade de saúde e vida. Não é fácil, mas é possível. Podemos pensar juntos a respeito?
(*) Profa. Esp. Petruska Passos Menezes é psicóloga e psicanalista, integrante do Círculo Psicanalítico de Sergipe, tem MBA em Gestão e Políticas Públicas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Gestão Estratégica de Pessoas (pela Fanese), Neuropsicologia (pela Unit) e em curso Gestão Empresarial pela FGV.
** Esse texto é de responsabilidade exclusiva da autora. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.