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“Quero botar meu bloco na rua”

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Por Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)

 

Pouco saio de casa à noite. Por locomover-me com muletas, é mais complicado ficar zanzando pela cidade, especialmente nessa hora do dia, além de inseguro.

À convite de Heloísa, resolvi encarar um desafio e fui assistir a um show, aliás, O SHOW, “Bloco na rua”, do showman Ney Matogrosso.

Luiz Thadeu e Heloísa

Noite de sábado, 18/11. Multicenter Sebrae, em São Luís, minha Ilha do Amor.

Chego cedo, estaciono o carro no local para pessoa com deficiência. Me encaminho para a bilheteria, mostro o QRcode do ingresso. Sou conduzido pela produção para um lugar reservado às pessoas da minha tribo. Sento-me em frente ao palco.

O multifacetado, Ney Matogrosso, está em turnê pelo Brasil com “Bloco na rua”, desde 2019. Ficou parado no período pandêmico, e retornou quando Ney completou 80 anos.

Luzes apagadas, silêncio na platéia lotada. Acendem-se as luzes e surge Ney, de costas, com o figurino de Lino Villaventura, em dourado, colado ao corpo.

Como uma lagartixa, corpo esguio, exalando sensualidade aos 82 anos, começa cantando, a bela canção de Sérgio Sampaio.

“Há quem diga que eu dormi de touca/Que eu perdi a boca/Que eu fugi da briga….

Há quem diga que eu não sei de nada/Que eu não sou de nada/Que eu não peço desculpas/Que eu não tenho culpa/Mas que eu dei bobeira…

Eu quero é botar meu bloco na rua/Gingar, pra dar e vender……

Eu quero todo mundo neste carnaval”.

Pronto, agora é só alegria; durante duas horas e meia Ney hipnotiza a plateia, que em êxtase responde, cantando, gritando, chamando-o de lindo, gostoso, por homens e mulheres. Com performance de um garoto, requebra o tempo todo, e vai enfileirando sucessos conhecidos: Jardim da Babilônia (Rita Lee), Pavão misterioso (Eduardo), A maçã (Raul Seixas), Homem com H, Sangue Latino, que o projetou com o grupo Secos e Molhados, nos anos 70. Ao todo, Ney cantou e interpretou vinte músicas.

Este foi o quarto show que tive o prazer e privilégio de assistir, esse que é o maior showman do país. Antes tinha assistido a shows no Rio, Fortaleza e aqui em São Luís, ainda nos anos 90. Eram shows mais performáticos, com muitos figurinos.

Símbolo da liberdade com suas maquiagens e figurinos ousados ao se apresentar — isso desde os anos do regime militar — esse filho de um oficial do exército sabe que abriu muitas portas, mas discreto, prefere não vestir rótulo. Durante o show falou pouco, deu “boa noite, São Luís”, e fez com maestria o que sabe fazer: cantar, encantar e hipnotizar o público. Ney não faz discurso sobre sua opção sexual, sobre sua idade, sobre cor da pele, falas tão afeitas a um público pseudo-politizado. Por sua maneira de pensar e falar, Ney é cancelado pelos esquerdopatas.

Ele simplesmente segue vivendo, aproveitando o que a vida tem de melhor. Fez do tempo um aliado, e aos 82 anos, com mãe viva — em outubro, dona Beita Pereira completou 101 anos — esse mato-grossense de Bela Vista segue faceiro e serelepe. Perguntado em uma entrevista qual o segredo de tamanha vitalidade, respondeu: “Comer pouco, dormir bem e fazer o que gosta”. Eu acrescentaria “amar a vida”.

Sem precisar mostrar a bunda, como tantos artistas brasileiros, esse ex-integrante da banda “Secos e molhados”, foi eleito pela revista Rolling Stone, com a “terceira maior voz brasileira em todos os tempos”.

Ney de Souza Pereira, deu seu recado, cantando, dançando, rebolando, encantando, como uma lagartixa dourada, e terminou o show dizendo que aquela noite foi “inenarrável”. Agradeceu ao público, as luzes se apagaram, e Ney Matogrosso saiu de cena.

Voltei para casa em êxtase, querendo botar meu bloco na rua, gingar, botar pra ferver…, e como canta Ney, de Chico Buarque:

“Não existe pecado de lado de baixo do equador/ Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor/ Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho, um riacho de amor…”

Enquanto grande parte do mundo está em conflitos, com dor, miséria e morte, Ney é porta-estandarte da alegria, da paz. Viva a alegria! Viva a liberdade! Viva a vida! Viva Ney Matogrosso!

 

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Luiz Thadeu Nunes

Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o homem mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.  Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências; ATHEAR, Academia Atheniense de Letras; e da AVL, Academia Vianense de Letras, membro da ABRASCI. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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