Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)
Ele morreu no último dia 3 de novembro com 91 anos, em razão de complicações de um câncer de pâncreas. Aguardei um momento oportuno para dissertar algo ao seu respeito, sobre sua arte, criatividade, legado, mas, sobretudo, o quanto foi importante para eu aprender com sua trajetória de vida, que se não foi um modelo de santidade, certamente deixou apontamentos que servem para qualquer pessoa, fruto da sabedoria de quem viveu muito e soube lidar com os extremos: ascensão e quedas; sucesso e intercorrências naturais de toda existência humana.
Mas antes, permitam-me fazer uma ponderação. Há muito deixei de escrever pautado pelo que pensam ou deixam de pensar. Tenho muito claro em mim, jovem ou não (pois não o sou mais), que uma vez publicado o que se lê não é mais meu, mas de quem se apropria do que escrevo. Por isso mesmo, penso que o sonho é mais importante do que o ego, seja o meu, seja o de quem ler, levando as minhas palavras para onde bem lhe aprouver e interessar.
Nesse sentido, valho-me de uma das assertivas de Quincy, sobre o assunto, que para mim é certeira e cirúrgica:
“Um ego geralmente é apenas uma insegurança disfarçada. Eu acho que devemos sonhar alto o bastante para que não haja ego”.
E ele sonhou e realizou muito alto! Não se tornou um velho amargo, rabugento, ranzinza e ácido, na espreita de julgar e condenar o mundo, tendo seu próprio umbigo como sentença. Não. Após três casamentos, dois AVCs, duas cirúrgicas no cérebro, coma diabético aos 81 anos, ele levou sua vida até o último suspiro, produzindo com entusiasmo, alegria e sonhando com novos projetos e sede, muita sede de vida, brindando-nos com arte da melhor qualidade. Um músico e produtor cultural dos mais importantes de todos os tempos.
No verdadeiro, honesto e franco documentário “QUINCY” (Netflix, 2008), uma outra fala dele, logo nas primeiras imagens, dá a tônica do que foi sua vida e do que pode ser a nossa:
“Saber sua origem ajuda você a chegar aonde quer”.
Natural de Illinois – Chicago (EUA, 14 de março de 1933) – Jones se criou, para além de lidar com o preconceito racial, sem o afeto e presença da mãe (Sarah Frances Jones), internada com problemas mentais quando ele tinha apenas 7 anos. Na companhia do pai, mudou-se para Washington aos 10 e logo se apaixonou pela música, inicialmente, pelo trompete.
Aos 18 anos foi adotado, musical e profissionalmente, por Lionel Hampton (1908-2002). Amigo pessoal de Ray Charles, Jones se cercou da nata musical de sua época e não tardou para se destacar junto a nomes tais como Benny Goodman, Buddy Rich, Charlie Parker, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Count Basie, Dizzy Gillespie e Frank Sinatra. Este último um dos maiores responsáveis por sua ascensão artística nos EUA, depois de uma temporada malsucedida em Paris. De Sinatra tornou-se não só produtor e maestro, mas um grande e fraternal amigo. Jones recebeu dele um vistoso anel de ouro que ele passou a usar para toda a vida.
Ainda sobre o documentário, destaco um trecho de Paulo Lima (2018), que considero muito importante para se ter a real dimensão de Quincy Jones, seja no plano pessoal (família), seja no campo profissional e artístico:
O filme mostra um Quincy generoso com todos, adotando jovens artistas talentosos, como ele próprio foi adotado um dia. A questão racial, naturalmente, permeia o filme. Embora Quincy Jones tenha sido o primeiro compositor negro a emplacar uma trilha sonora no cinema, e apesar de ter acumulado tantas realizações, ele reconhece que, em termos de conquistas dos afro-americanos, ainda há um longo caminho a percorrer.
Nesse sentido, uma das últimas ações de Jones foi seu empenho e dedicação à materialização de um outro tipo de “sonho americano”, o de afirmação da cultura e da identidade negra nos EUA, por meio da inauguração do Museu Nacional História e Cultura Afro-Americana, em 2016, para a qual produziu um marcante show de abertura, contando com a presença do presidente norte-americano à época, Barack Obama.
Vale dizer que para além dessa iniciativa, ele também se envolveu em diversas outras causas sociais, não somente de combate ao racismo, como também à fome, com destaque para a campanha “We Are The World” (1985), que reuniu grandes nomes da música, a exemplo de Michael Jackson (1958-2009), de quem foi produtor e bateu os maiores recordes de venda, a exemplo do sucesso “Thriller”. Demonstrando seu apreço e especial atenção pela música brasileira, para este e outros trabalhos contou com o percussionista carioca, Paulinho da Costa (hoje com 76 anos).
Em que pesem o inúmeros recordes e o enorme reconhecimento que alcançou ao longo de sua longa trajetória profissional, a vida não foi nenhum pouco fácil para ele. No auge dos reveses que sofreu, dos problemas de saúde, da teimosia e das decisões equivocadas que tomou, encontrou no amor aos filhos seu último e mais valioso porto seguro, aprendendo e deixando como uma de suas principais lições a presente máxima:
“Você tem que abandonar o passado, trazer as partes boas para frente, esquecer as coisas negativas e seguir em frente. Porque quando você se prende ao passado, está roubando o próprio presente e com certeza o futuro”.
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