Ricardo ressalta que as propostas da reforma não são pensadas para resolver os problemas, pois trazem, somente, questões relacionadas ao pagamento do tributo. “Uma das propostas quer agregar vários tributos em um só, a exemplo do Imposto sobre Valor Agregado, chamado de IVA, como existe em outros países. Tem a que trata da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituiria o PIS e Cofins. Tudo bem. Mas e as obrigações acessórias? Como ficaria a questão da que fez surgir a chamada guerra fiscal, o diferencial de alíquota, a alíquota interna, a interestadual?”, questiona.
Mas qual seria a reforma tributária ideal? Para Ricardo Machado “uma reforma nunca será ideal, porque o ideal é algo inalcançável”. No entanto, é necessário haver uma que dê um fim na insegurança jurídica do contribuinte. “Queremos uma reforma com obrigações enxutas, com regras claras que não pudessem ser objeto de instruções normativas ou de tantas consultas junto à Receita Federal”, completou.
Ricardo tem uma vasta experiência em direito tributário, é membro da Academia Brasileira de Direito Tributário, e ele diz que é necessário estar constantemente atualizado.Leia a entrevista.
SÓ SERGIPE – O brasileiro paga muito imposto, não é verdade?
RICARDO MACHADO – Paga. Sem dúvida alguma, o Brasil é apontado como um dos países que mais se paga tributos.
SÓ SERGIPE – Foi na Constituição da 1988 que tivemos a reforma tributária. Hoje já se discute muito numa nova reforma. Já passou da hora de fazer atualizações?
RICARDO MACHADO – A Constituição de 1988, particularmente, é um primor de construção. E nessa construção nós temos o sistema constitucional tributário que estamos até hoje. Eu não diria que o nosso problema tributário está no sistema constitucional. Não entendo dessa forma. Como também discordo dos projetos de reforma tributária que aí estão.
SÓ SERGIPE – Por quê?
RICARDO MACHADO – Porque, na verdade, o problema que se criou no Brasil é muito mais além do que essas reformas que estão sendo discutidas, e muito mais além do simplismo de dizer que nós temos uma carga tributária excessiva. Sim, nós temos uma carga tributária pesada. Mas será apenas o tributo que encarece? Não. Antes de chegar no fim precípuo do sistema tributário que é, efetivamente, o pagamento do tributo, nós temos uma quantidade absurda de obrigações acessórias a serem cumpridas por parte do contribuinte. E isso causa um desgaste muito grande.
“Eu acho que não há um empresário no Brasil – falando diretamente da parte dos tributos que incidem na atividade econômica empresarial – que tenha passado incólume do ponto de vista do cumprimento das obrigações tributárias.”
O sistema constitucional tributário foi posto, a meu ver, de forma brilhante como está na Constituição. Mas aí tivemos as legislações que vieram regulamentar aquilo que a Constituição delegou a se regulamentar, de forma infraconstitucional, e essas legislações, muitas das vezes, foram além. Daí veio a necessidade de instruções normativas, por parte dos órgãos fiscalizadores, que no fim das contas terminam criando novas regras. Com o passar do tempo, precisou reformar essas legislações originárias e elas foram surgindo. Se criou uma verdadeira colcha de retalhos. Uma quantidade absurda de normas que é humanamente impossível. Eu acho que não há um empresário no Brasil – falando diretamente da parte dos tributos que incidem na atividade econômica empresarial – que tenha passado incólume do ponto de vista do cumprimento das obrigações tributárias. Eu acho que no Brasil não tem ninguém que não tenha sido autuado, que não tenha recebido notificação da Receita Federal ou do Estado ou município. Não necessariamente para pagar um determinado tributo, mas para corrigir uma declaração. Veja que a regra é clara, mas vem uma determinada regra posterior, que já traz uma certa carga de subjetivismo do ponto de vista interpretativo, e pronto. E aí começa o litígio. Chega a um ponto que o grande combustível do sistema tributário brasileiro é o litígio. O sistema se alimenta do litígio. São autuações, defesas, ações declaratórias, ações de nulidade. É isso.
RICARDO MACHADO – Elas não trazem, efetivamente, uma reforma profunda, duradoura. São reformas que podem resolver uma questão ou outra, num curto espaço de tempo. Quando se diz que há um projeto de reforma tributária todo mundo imagina que seja uma baita reforma.
SÓ SERGIPE – São quantas proposta de reformas tributárias em discussão atualmente?
RICARDO MACHADO – São quatro. Uma que trata do imposto de renda, outra do PIS e Cofins, e duas que são até mais profundas: uma de iniciativa do Senado e outra da Câmara dos Deputados.
SÓ SERGIPE – E alguma delas vai resolver os problemas?
RICARDO MACHADO – Efetivamente nenhuma delas é pensada para resolver o nosso sistema tributário, porque elas trazem, na maioria dos seus artigos, questões relacionadas ao fim, que é o pagamento do tributo. Uma quer agregar vários tributos em um só, a exemplo do Imposto sobre Valor Agregado, chamado de IVA, como existe em outros países. Tem a que trata da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituiria o PIS e Cofins. Tudo bem. Mas e as obrigações acessórias? Como ficaria a questão do que fez surgir a chamada guerra fiscal, o diferencial de alíquota, a alíquota interna, a interestadual? Isso tudo foi sendo criado para cada um resolver o seu problema, esquecendo que nós somos uma nação como um todo.
SÓ SERGIPE – Resolver os problemas dos Estados às nossas custas, não é?
RICARDO MACHADO – Lógico. Sempre às nossas custas. Na verdade, se gasta muito para tentar cumprir as obrigações anteriores ao próprio pagamento do imposto.
SÓ SERGIPE – É fato que o país precisa de reforma tributária.
RICARDO MACHADO – Acho que chegou a hora, diante do que aconteceu de 1988 até agora. Há necessidade de uma mudança no nosso sistema tributário, mas a reforma teria que ser profunda, pois as superficiais não vão resolver. As que estão aí postas não resolvem.
“Na prática nós não vamos resolver nada. A curto prazo, talvez se tenha um pseudo sentimento de que resolveu, mas a longo prazo voltaremos aonde estamos hoje…”
SÓ SERGIPE – O senhor acha que falta vontade política?
RICARDO MACHADO – Não sei se falta vontade política. O que talvez foi pensado a ser feito é o que está aí. Será por que há dificuldade de se aprovar uma reforma mais profunda? Não sei. Acho que a vontade política que se tem é a que está aí.
SÓ SERGIPE – Mas que na prática não traz nenhum benefício?
RICARDO MACHADO – Na prática nós não vamos resolver nada. A curto prazo talvez se tenha um pseudo sentimento de que resolveu, mas a longo prazo voltaremos aonde estamos hoje, depois destes anos todos após 1988. O que aconteceu com a reforma da previdência? Ela foi de uma forma, como houve aprovação foi resolvido. Mas já diz que foi resolvido até determinado tempo, e não definitivamente. Porque não houve profundidade na reforma, e aí não entro no mérito se ela foi ou não correta, justa ou injusta. O fato é que foi aprovada, deu um folego, mas não resolveu.
SÓ SERGIPE. Quando o senhor fala dessas constantes interpretações da lei, imagino que para o advogado tributaristas é necessário muito estudo, e de uma forma constante. Correto?
RICARDO MACHADO – Como toda atividade, temos que estar sempre nos atualizando. Às vezes somos pegos de surpresa, porque tem a insegurança jurídica. Por exemplo, você vê claramente uma situação da lei, não duvida daquilo. Tem uma determinada autuação por parte do Fisco, vai discutir judicialmente, chega a ganhar e lá na frente perde. O que está acontecendo agora? O Supremo Tribunal Federal adotou um meio termo que acho interessante. Tem chegado ao Supremo debates interessantes, do ponto de vista tributário, com muita força a favor do contribuinte e o Supremo tem adotado posição de interpretação conforme a lei, o direito justo, mas tem adotado também um meio termo, para evitar um problema financeiro. Lógico que ninguém tem culpa de uma determinada situação ter sido interpretada equivocadamente por parte do órgão arrecadador, mas também, o ente que depende daquela receita também não tem. O Supremo tem modulado os efeitos dessa decisão, que particularmente acho interessante, de forma coerente, como tem visto ultimamente. Há pouco tempo, o Supremo deu uma decisão interessante em relação ao diferencial de alíquota do ICMS, que era inconstitucional para alguns Estados, que não fosse instituído por uma lei complementar. Mas colocou os efeitos a partir do ano seguinte à decisão. Do ponto de vista do consumidor não gerou nenhum ganho efetivo, mas disse: vocês estão desrespeitando a Constituição, tem que ser através de lei complementar. Haverá situação que teremos majoração. O setor de serviço, muito provavelmente, vai majorar. Vou fazer uma reforma, pegar três tributos e colocar numa nomenclatura só? Não é bem assim.
“Uma reforma nunca será ideal. Porque o ideal é algo inalcançável.”
SÓ SERGIPE – Na sua opinião, qual seria a reforma tributária ideal?
RICARDO MACHADO – Uma reforma nunca será ideal. Porque o ideal é algo inalcançável. Mas uma reforma tributária que efetivamente resolvesse e desse um fim na insegurança do contribuinte, ou seja, uma reforma com obrigações acessórias enxutas, com regras claras que não pudessem ser objeto de instruções normativas ou de tantas consultas junto à Receita Federal. Para você ter uma ideia, há várias consultas que o contribuinte faz à Receita por dúvidas e algumas respostas trazem interpretações diferentes das já conhecidas, e já se cria uma nova situação. Conseguir parar o litígio seria importantíssimo. E, evidente, tentar fazer com que o cidadão pague menos tributos, pois isso pesa para todo mundo, porque implica no preço final dos gêneros de primeira necessidade.
SÓ SERGIPE – O próprio nome ‘imposto’ já quer dizer que você é obrigado a pagar. O Estado lhe impõe o pagamento do tributo.
RICARDO MACHADO – O tributo é uma das formas de financiamento do Estado, é a principal receita. Sem o tributo não teríamos a prestações de serviço. Às vezes a desorganização com este gasto termina implicando numa necessidade de acréscimo de receita.
SÓ SERGIPE – Numa comparação comum, imposto seria a taxa de condomínio para administrar onde moramos.
RICARDO MACHADO – E num condomínio em que se gasta mais, precisa-se de mais receita.
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