As reiteradas tentativas do governo Federal em acabar com a autonomia das Instituições Federais de Ensino Superior, aliadas às restrições sociais ocasionadas pela pandemia do novo coronavírus causaram não só apreensão nas universidades, como também, obrigaram os gestores a mudar o andamento de alguns processos internos, como ocorreu na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Em virtude da publicação de duas MPs em um prazo de seis meses, e para garantir que o Ministério da Educação não indique reitor pro tempore, o atual gestor da UFS, o professor Angelo Antoniolli, convocou no início deste mês de junho, por meio da Portaria N°. 442, o Colégio Eleitoral Especial para a eleição da lista tríplice de nomes para a escolha dos novos reitor e vice-reitor da instituição, que serão nomeados pelo presidente Jair Bolsonaro.
A decisão causou insatisfação em alguns grupos dentro da UFS, a exemplo dos sindicatos e associações, que começaram a desferir críticas ao reitor sob a alegação de que o processo é, além de antidemocrático, um golpe. Segundo eles, os nomes que deveriam ser encaminhados para o conselho seriam os resultantes da consulta pública/eleição iniciada em dezembro de 2019 e suspensa em março, antes da escolha da comunidade universitária, em virtude do decreto do governo do Estado proibindo atividades presenciais nas instituições de ensino. Quatro chapas estavam inscritas no processo deflagrado pelas entidades, mesmo o processo indo de encontro ao que determinava a Medida Provisória 914/2019, que esteve em vigor até o dia 2 de junho de 2020.
Pela MP, a consulta à comunidade para a formação da lista tríplice deveria ser organizada por colégio eleitoral instituído especificamente para este fim (sendo esta, uma atribuição do reitor), e não por entidades de classe e representantes da comunidade. Além disso, o peso atribuído aos votos de cada categoria participante não foi respeitado. Os professores da ativa respondem por 70%, os docentes por 15%, mesmo percentual atribuído para os servidores técnico-administrativos, porém, a consulta organizada pelas entidades atribuía pesos iguais para os três segmentos, cada um com 1/3 dos votos e, ainda, ouviria professores e servidores aposentados, que não fazem parte do pleito. Outra “ilegalidade” do processo informal consiste em apresentar os nomes dos candidatos a reitor e a vice, sendo que a MP, até então em vigor, dizia explicitamente que a eleição seria, apenas, para o cargo principal.
Somente esses três motivos já dariam margem suficiente a uma intervenção do MEC na UFS para indicar reitor e vice-reitor pro tempore. Inclusive, essa possibilidade estava descrita no inciso II do Artigo 7° da MP, podendo ser usada caso houvesse vacância simultânea dos cargos já citados ou “impossibilidade de homologação do resultado da votação em razão de irregularidades verificadas no processo de consulta”. De acordo com o professor Angelo Antoniolli, em 52 anos de existência da UFS nunca houve um período tão conturbado e com tamanha instabilidade jurídica, que foi agravada pela pandemia.
E, neste cenário, outra situação ganha destaque. A Portaria N°544, editada pelo governo Federal em 16 de junho autorizando, em caráter excepcional, a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a grave situação de saúde pública causada pelo novo coronavírus, autorização que se estende até o dia 31 de dezembro do corrente ano. “As entidades dizem que a comunidade pode fazer a votação por meio da internet, mas, rechaçam com veemência a adesão ao ensino à distância ou ensino remoto durante a pandemia, como declaram em uma nota de repúdio divulgada no dia 27 de maio. Ou se é totalmente a favor ou totalmente contra o uso do ambiente remoto, estar de acordo com o uso dele apenas quando é para atender os próprios interesses é falta, no mínimo, de coerência”, comentou o gestor.
SITUAÇÃO NÃO É EXCLUSIVA DA UFS
“Dezessete universidades no país deverão fazer o processo eleitoral no segundo semestre deste ano, e todas estão sofrendo com essa turbulência, ainda mais porque estaremos fazendo uma eleição remota, algo que é completamente novo para todos. O que cabe a mim fazer, enquanto reitor, tenha a certeza de que estou fazendo e trabalhando para oferecer a maior confiabilidade possível a todo o processo, só que claro, obedecendo a Lei e o Estatuto da UFS”, garantiu.
A lei a qual o reitor Angelo Antoniolli se refere é o artigo 1° do Decreto 1.916, de 23 de maio de 1996, que regulamentou a Lei n° 9.192, de 21 de dezembro de 1995. Com a queda da MP 914 no início de junho, e após a revogação da MP 979/2020, instituída no dia 9/6 e revogada no dia 10/06, que também versava sobre a eleição para reitores e vice-reitores das IFES brasileiras (e que também não validava a consulta realizada pelas entidades de classe), voltou a vigorar a 9.192, cujos artigos e incisos não foram respeitados pelo processo deflagrado pelos sindicatos e diretórios.
Quanto à reclamação de convocação do Colégio Eleitoral no dia 4 de junho, Angelo Antoniolli explicou que esta é outra normativa do Estatuto, que ordena o chamamento deste grupo 150 dias antes do final do mandato. “A eleição da UFS nesses últimos 30 anos é feita no conselho, que não é composto por pessoas do reitor, como estão divulgando de forma inverídica, pois, os diretores são eleitos pela comunidade. Para se ter uma ideia, cada centro acadêmico tem quatro representantes dos professores; são 10 representantes dos estudantes, sendo oito da graduação e dois da pós-graduação; oito dos servidores técnicos-administrativos e todos eles escolhidos pelos pares, portanto, é um conselho democrático e representativo”, esclareceu.
O reitor da UFS fez questão de salientar que a eleição da UFS é sim democrática, porque qualquer pessoa que cumpra os critérios exigidos pelo Estatuto pode ser candidata à votação nos conselhos, inclusive, os quatro candidatos que se apresentaram para o pleito informal. O que não pode acontecer, de acordo com o reitor, é a transferência das angústias dos candidatos para “a conta” dele. “Estão angustiados porque está sendo ferido o princípio que os favorecia”, disparou. O professor Angelo Antoniolli reforçou que a projeção da UFS tem que ocorrer dentro da legalidade para que a Instituição permaneça sempre em segurança, por isso, tem seguido as determinações da Advocacia Geral da União, inclusive para a eleição.
“Não sou candidato, em 150 dias deixo o cargo. Tenho ouvido diversas críticas, todas infundadas do ponto de vista legal e moral. O que eu espero é que o meu sucessor trabalhe com vontade e disposição para fazer uma UFS laica, inclusiva e democrática, que ela não seja empoderada por nenhum partido ou ideologia, que todas elas estejam aqui dentro e que o processo democrático possa ser o mais fluido possível”, desabafou o reitor da Universidade Federal de Sergipe.