No domingo passado foi decidida a maioria dos campeonatos estaduais de futebol. Em Belo Horizonte o Atlético derrotou o América numa partida que contou com um público de 57.082, dos quais 47.966 pagaram ingresso e propiciaram uma renda de R$ 3.712.855,65. Já no Maracanã, o Fluminense massacrou o Flamengo e arrebatou o título carioca num jogo com 65.075 torcedores, dos quais 60.044 pagaram ingresso e deram uma arrecadação de R$ 4.810.051,50. Em Aracaju, na partida que classificou o Confiança para a final do nosso campeonato regional, contra o Lagarto, foi registrado um público de 4.847 presentes, dos quais 3.341 pagaram ingressos, resultando numa renda de R$ 91.425,00. A sopa de números dispensa opinião e oferece, a partir das estatísticas, um retrato fiel e lamentável da condição do nosso futebol.
Vamos a Minas, primeiramente. No Mineirão, a renda apurada foi 40,61 vezes a do Batistão e público 11,7 vezes superior ao nosso. O índice dos não pagantes, aqueles que vão desenvolver alguma atividade, como policiais, área médica, funcionários da federação e “outros”, em BH foi de 14%. Aqui, 31% dos que se dirigiram ao Lourival Baptista no domingo não pagaram um só centavo para ver a semifinal. No Rio a diferença é ainda mais gritante: enquanto a arrecadação da partida superou a do “Sergipão” em 52,6 vezes, a quantidade de público foi 13,42 vezes maior. Já o índice dos que entraram de graça não passou de 7%. Um detalhe para ser esclarecido por especialistas em números e na tradição do futebol sergipano: na semifinal da véspera, entre Sergipe e Itabaiana, o público pagante foi 3.335 pessoas, das quais 368 entraram sem pagar (índice de 11%) para uma renda de R$ 55.675,00.
Sou um antigo apaixonado pelo futebol sergipano, que acompanhava pelas transmissões da Equipe Campeã da Rádio Cultura, liderada por Carlos Magalhães e com um monumental elenco de narradores, repórteres e comentaristas, como Aroldo Lessa, Wellington Elias, José Antônio Marques, João Batista Santana, Gilson Rolemberg, Pedro Luís, Alcei de Carvalho e tantos outros. Essa turma era encarregada de fazer do futebol rigorosamente um espetáculo, com transmissões calorosas que recriavam essas partidas com ainda mais cores e vibração, graças ao talento e competência de cada um. Dentro do campo, ajudavam a consolidar verdadeiros mitos a destreza de jogadores como Ruiter, Vevé, Canhoteiro, Debinha, Samuca, Evangelista, Luiz Carlos, Joãozinho, Horácio, Marcelo, Targino, Gustinho, Tatica, Augusto, Nunes etc.
Num período em que o próprio futebol brasileiro era embrionário, conseguimos êxitos importantes em certames nacionais e regionais e derrotamos grandes times do Sul-Sudeste já colocados no topo, a exemplo do Sergipe em 1967 batendo aqui em Aracaju o campeão carioca Bangu. O Confiança na Taça Brasil dos anos 60 ou o Itabaiana campeão do Nordeste e vice do Norte-Nordeste em 71. Um certame com clubes de todo país só surgiu em 72 e chamou-se Campeonato Nacional. Até então existia o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, limitado a poucos estados, mas, com a consolidação dos campeonatos da CBF e a hierarquia estabelecida pelas séries, fomos cada vez mais empurrados para baixo, anos após anos figurando na ponta de baixo da tabela, quando não liderando a lanterna. Até chegarmos à situação atual, de só um clube na série C, com outros dois disputando a D – e sempre caindo nas primeiras fases dos mata-mata.
É esta, pois, a miséria em que nos encontramos na escala do futebol nacional, enquanto Alagoas se mantém há décadas na série B, com ASA, CRB ou CSA, inclusive com uma breve passagem recente na elite da série A. Já praticamos um nível próximo de Fortaleza, Bahia ou Santa Cruz. Hoje alguns dos nordestinos pontuam anualmente na Libertadores ou Sul-Americana, enquanto nós estamos perdendo para clubes do Acre ou Amazonas, por exemplo. No Mato Grosso, estado sem a menor tradição, o jovem Cuiabá, fundado em 2001, oscila entre série A e B já há algumas temporadas, incluindo uma Sul Americana.
Para mim, futebol local tem uma forte imbricação na identidade cultural de cada estado. Resistir com Sergipe, Confiança, Itabaiana é uma forma de manter nossa autoestima, um dos traços da citada sergipanidade. Nas várias cidades que morei, sempre me orgulhava ao ser parado na rua, como ocorreu em Madrid e tantas vezes em Porto Alegre, para explicar a que time pertencia aquela linda camisa tricolor que viaja comigo para onde vou. Por falar em Itabaiana, só há duas unanimidades nesta cidade: a festa de Santo Antônio e a torcida pelo seu Tremendão da Serra. Mais do que as demais místicas atribuídas à cidade (valentia, sabedoria em excesso e outras menos votadas), ser Tricolor é o que orgulha e une ceboleiros. Em Aracaju, mesmo nesse clima de decadência, é simplesmente emocionante ver o frisson causado pelas torcidas rubra ou do Dragão na fé e amor pelo seu time. Ver nossos times literalmente caindo pelas tabelas me causa um desconforto, digo tristeza mesmo, resultado inevitável de anos de amadorismo, falta de planejamento, transparência e incompetência pura e simples das sucessivas direções, sem uma única exceção em toda a história. Aliás, talvez eu esteja sendo injusto: do tempo em que comecei a frequentar o velho estádio Médici, com a federação sob o comando de Robério Garcia, tudo parecia muito mais sério e organizado. Pelo menos é o que parecia ao olhar de um menino.
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(*) Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).
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