Por Claudefranklin Monteiro Santos (*)
Lagarto-SE, Natal de 1984. Recordo-me que foi a primeira vez que recebi o presente de Papai Noel sem maiores traumas. Haja vista que antes disso, a maioria das crianças, incluindo eu, tinha medo do “Bom Velhinho”. Naquele ano, meus tios maternos, Jacob e Maria do Carmo, com seus familiares de Fortaleza, nos visitavam por ocasião das Festas Natalinas. Todos nós, eu e meus irmãos, fomos agraciados com brinquedos e lembranças da Casa Oriente (referência à famosa marca de relógio Oriente), localizada na Praça Filomeno Hora, do casal de comerciantes dona Conceição e seu Ursulino Loiola, Seu Nozinho, como era popularmente conhecido. Antes desse exitoso negócio, eram proprietários de uma fábrica de bebidas que sofreu um incêndio, na Rua Jackson de Figueredo (Rua da Jaqueira).
Durante anos fiquei sem saber quem era a pessoa naquela fantasia de Papai Noel. Àquela altura dos meus dez anos de idade, sabia eu que não se tratava de um sujeito que vinha do Polo Norte, em seu trenó e renas, para fazer a alegria da meninada. O Papai Noel da Casa Oriente esteve entre os mais tradicionais da cidade de Lagarto, por anos, além de ter sido o pioneiro. Somaram-se a ele o de Maninho de Zilá, o de Tonho da Casa do Alumínio e do Armarinho Júnior.
Eis que passadas quase três décadas, descubro que um dos sujeitos por trás daquela alegoria de Noel era alguém com quem tive a oportunidade de me encontrar algumas vezes, notadamente por ocasião da apresentação de um programa de rádio na Juventude FM, que coordenei entre os anos 2011 e 2013: o “Relicário Cultural”. Como o segredo de quem era o Papai Noel da Casa Oriente era um segredo de milhões, jamais pude saber quem fora meu Papai Noel da infância, até fazer memória daqueles tempos numa das edições da programação — numa revista de circulação local, quando publiquei a foto daquele dezembro de 1984. Finalmente o mistério foi revelado. Tratava-se do radialista Rosinaldo Fontes.
Doravante, até a presente data, sempre que nos encontramos assim nos cumprimentamos: eu, “Meu Papai Noel”; e ele, “Meu professor”. Nessa coisa de é hoje, é amanhã, o corre-corre do dia-a-dia e os contratempos naturais da vida, o desejo de conhecer um pouco mais de sua trajetória de vida e compartilhá-la com o máximo de pessoas, particularmente de sua experiência como uma das pessoas que fizeram a alegria das crianças daquele longínquo anos 80, com a marca do Papai Noel da Casa Oriente, permaneceu. E a ocasião não poderia ter sido melhor. No último dia 24 de dezembro deste ano, ele me recebeu em sua casa para uma entrevista, na tradicional Rua da Caridade, número 67.
Rosinaldo Santana Fontes nasceu na Rua Josias Machado, em Lagarto, no dia 15 de novembro de 1964. É filho de José da Silva Fontes (pintor, conhecido como Fontes do Pastel) e Adecy Jardelina de Santana (bordadeira). É o segundo dos cinco filhos do casal: Rosivaldo, Rosevânio, Viviane e Gilvan. Ele teve uma infância intensa, diversificada e feliz, com a maior parte do tempo a brincar de futebol, em campos improvisados de terra batida, em praças como a Felinto Fontes e Gomes, no oitão do armazém de fumo de seu Bruno (depois, segunda sede da Rádio Progresso) e ao lado da Rodoviária, ou, ainda, na antiga quadra da Praça Dr. Evandro Mendes e no campo de seu Pedro, da Igreja Evangélica do Sétimo Dia. Afora isso, também de diversões típicas daqueles da época, a exemplo de “esconde-esconde”, “cabana”, “furão” e “bola de marraia” (bola de gude), na Praça Filomeno Hora; “carrinho de rolimã”, descendo em alta velocidade na antiga rua do vapor; e “Faroeste”, sob a influência do gênero cinematográfico. Era comum a venda de revolveres de brinquedo com espoleta. Até hoje, Rosinaldo guarda, com esmero, miniaturas de forte Apache.
Entre alguns dos amigos com quem vivia estes momentos, destaque para Márcio (filho de Mário Filho, do Crioulo), Osmel Andrade (irmão de João da Farmácia), Marcos de Ernesto, Leostênisson Mesquita, Luiz Eduardo Mesquita, Marcelo Mesquita, Risonaldo, Joãozinho do Banese, Tavares, Levi, Davi, Juraci (conhecido como Cobra de Óculos) e Marquinhos de Xui (Marco Antônio de Menezes, assassinado em setembro de 2015, filho o ex-prefeito de Lagarto, Antônio Martins de Menezes). Entre os meses de agosto e setembro, ficava na expectativa de ganhar das avós uma calça de fazenda para ir para as festas da Padroeira Nossa Senhora da Piedade ou ainda das inesquecíveis feiras de Natal.
A renda dos pais de Rosinaldo não era suficiente para suprir a família. Desse modo, sobretudo os mais velhos, começaram a trabalhar logo cedo. No seu caso, aos nove anos. Inicialmente, vendendo picolé, da Sorveteria de Seu Gilson. E depois, com o casal Ana e Pedro, pastel. Na famosa Pastelaria do Pedro, fundada em 1968, tradição mantida pela família até a presente data, em estabelecimento localizado na Avenida Zacarias Júnior, 170.
Diversão, trabalho e estudos. Tripés fundantes da vida de Rosinaldo Fontes. Sua mãe foi a principal estimuladora no que se refere à necessidade de ir à escola. Embora não fosse dado à vida de estudante, ele desenvolveu uma exímia capacidade de gravar e aprender, seja pela experiência, seja pela oralidade. Até hoje, ele é fascinado pela História de Lagarto e por tudo que remeta à memória de Sergipe e do Brasil. Está sempre atento aos acontecimentos do tempo presente, buscando explicações no passado. Assim, com muito esforço, foi inicialmente alfabetizado pelas professoras Arlene e Zezita, que ofereciam escolarização particular em suas próprias residências: as chamadas “tias”. Até hoje, ele guarda de cor a lição da sua primeira cartilha: “Renato – Eu sou Renato. Gosto muito de estudar. Todos os dias, eu vou à escola aprender a escrever e contar”.
Também foi aluno do Educandário Dom Frei Vital, da professora Piedade Hora, onde fez a primeira, a segunda e a terceira séries. A partir da quarta até a oitava, passou a estudar no então Ginásio de Escola Normal Nossa Senhora da Piedade, de onde traz a memória das Irmãs Nazaré, Aparecida, Anunciação e Zélia. Ali, conseguiu freguesia para a venda dos pastéis de sua mãe, ajudando as religiosas na cantina. Concluiu o antigo Primeiro Grau no Colégio Estadual Sílvio Romero e foi para o Colégio Cenecista Laudelino Freire para cursar o Segundo Grau e no recém-fundado Colégio Abelardo Romero Dantas, quando revolveu abandonar os estudos. Por intermédio do programa Educação de Jovens e Adultos (no Laudelino Freire), concluiu, anos depois, o que passou a se chamar de Ensino Médio, com Aderaldo Prata.
Foi nos tempos de estudante que conheceu a sua esposa, a professora e assistente social, Vera Lúcia (que atua na APAE de Lagarto). Ambos foram colegas dos tempos de dona Zezita. No colégio Sílvio Romero, com dezesseis anos, passaram a namorar. Do casamento, em 1986, nasceram Rívia Mara (mãe das netas Ana Luísa e Ana Laura), Keize Mara e Rony Max.
Com Vera Lúcia vivenciou os antigos carnavais de Lagarto e vai a Salvador todos os anos curtir a folia momesca. Sonha em conhecer o Carnaval de Olinda. Lembra do primeiro trio elétrico que esteve em Lagarto para a campanha de José Vieira Filho, o trio Saborosa, da Bahia, além do Tapajós e do trio velho da prefeitura, criado por José Ribeiro Coletor. Tem saudades dos bailes de clubes, a exemplo dos que ocorriam na extinta Associação Atlética de Lagarto (ALL). O casal até a presente data é presença marcante nos eventos festivos da cidade e em outros lugares, levando alegria e diversão. Também vivenciam as Festas Juninas há anos. Aprendeu a gostar de forró no antigo Bandeira Dois, vendo uma senhora de idade dançar. Rosinaldo é um dos grandes entusiastas da Cilibrina, há quarenta anos, tradição centenária que marca o início dos festejos na última noite de maio para a madrugada do dia primeiro de junho. Relembra com saudades dos tempos de Seu Temístocles e de meu saudoso pai, o comerciante José Almeida Monteiro, além de Paulo de Maxi e Seu Dedé fogueteiro.
Rosinaldo Fontes fez as vezes de Papai Noel por dez anos, pela Casa Oriente. Seu Nozinho era seu parente por parte de pai, seu tio-avô, irmão de sua avó, Otília Loiola Silva. Vale ressaltar que se tornou uma das famílias mais importantes de Lagarto, com destaque para o senhor Luiz, filho de Barbadinho Loiola, fundador do Bairro Loiola, sede da Paróquia Nossa Senhora de Fátima. Rosinaldo foi trabalhar como montador de móveis para a loja Oriente Móveis, para Seu Nozinho. Função esta que ele conciliava com as vendas do pastel de seu Pedro e de sua mãe. Num dos Natais, Christen (policial civil), não pode participar, vindo a falecer em seguida. Assim, Rosinaldo o substituiu e foi ficando ano após ano (entre o final dos anos 70 e final dos anos 80), juntamente com Nenezão, hoje com 73 anos (irmão de Christen e de João Tripa). Curiosamente, ambos eram sem barba, magros e grandes em estatura, longe do estereótipo do Bom Velhinho, barbudo, baixo e barrigudo. Eles usavam uma máscara, que era a razão do temor das crianças mais novas.
Juntos, Rosinaldo e Nenenzão, vestidos de Papai Noel, percorriam toda a cidade de Lagarto, levando presentes não somente para crianças, mas também para pessoas de todas as idades, a exemplo dos moradores do Asilo Santo Antônio. As encomendas eram feitas na Casa Oriente desde o mês de agosto. A marca Estrela era a mais procurada. Lembro até hoje de ir nas vitrines ver as novidades, a exemplo do Ferrorama, Autorama, Gênius, entre outros. Meu sonho era ganhar um Falcon. Mas, fiquei muito feliz em ser presenteado por meu irmão mais velho, Cláudio Monteiro, com um barco do Playmobil que tenho até hoje. Havia ocasiões de a Casa Oriente encher e distribuir, entre os dias 24 e 25 de dezembro, pelo menos três caminhões de brinquedos. As crianças pobres também tinham vez, com balas e pequenas lembranças, como bonecas e carrinhos de plástico, nos domingos que antecediam ao Natal. Eu era uma delas que corria feito maluco para garantir uma lembrancinha. A disputa era acirrada, nos rendendo a alguns arranhões e leves escoriações nas pernas e pés. A locução do carro principal, numa caminhonete, era feita por um dos filhos de Seu Nozinho, conhecido por Santinho (Ursulino Loiola Filho), que era quem anunciava os nomes dos contemplados, a rua e número da casa, sempre com a mesma frase: “O Papai Noel da Casa Oriente…”, com uma voz postada e firme. Além de músicas de Natal daquele tempo, uma locução gravada, de autoria de Reinaldo Moura (1944-2021), que dizia: “Se você quer presentear seu filho, vá à Casa Oriente. Casa Oriente, o palácio dos brinquedos”, nos lembra Rosinaldo.
Rosinaldo Fontes, atualmente, trabalha na radiofonia lagartense, na Juventude FM. O gosto pela profissão de radialista surgiu por conta da instalação dos transmissores da extinta Rádio Progresso, em 1983. Ele havia saído da Oriente Móveis e fazia alguns bicos para comerciantes locais, a exemplo do fotógrafo Pacheco. Foi quando o radialista e locutor Isaú Monteiro o convidou para trabalhar na emissora, como cobrador, com a aprovação de Artur Reis e do diretor, Gilson Araújo. Ao ver Elias Vasconcelos lidando com os aparelhos dos estúdios, interessou-se e aprendeu com ele a manuseá-los. Era o ano de 1989, quando também passou a ser operador de rádio. Fez curso técnico de rádio e TV por quatro anos e tirou a sua DRT (registro profissional). No rádio, aprendeu a fazer de tudo, das vendas à sonoplastia, apresentação, reportagem e militância no Sindicato dos Radialistas de Sergipe, tendo sido seu presidente. Entre os grandes nomes da radiofonia sergipana, destaca George Magalhães, com quem aprendeu muito e mantém amizade de longa data, além de Fábio Henrique e Fernando Cabral.
Assim, enfim e em tempo, rendo minhas homenagens ao meu querido Papai Noel, Rosinaldo Fontes, a quem agradeço, em nome das inúmeras crianças lagartenses daquele anos 80, por nos levar alegria, muito mais do que presentes. Pois nada marca mais uma criança do que o direito de sonhar e de um dia poder viver dignamente. E era assim que éramos embalados naquele tempo, sobretudo as que tinham um menor poder aquisitivo, por pedidos como:
“Querido Papai Noel / Vou fazer o meu pedido para o dia de Natal / Uma boneca bem grande / Se for pequena não faz mal…
Não se esqueça de trazer / Um brinquedo pro Tatá / Ele está no orfanato / E de lá ele não sai / Mande um vestido pra mamãe / E aumente o ordenado do papai…
Para o Norman uma guitarra, pro Juneco um futebol / Pro Ronnie um Volkswagen que ele quer fazer farol / Mande felicidade mil pra todo esse povo do Brasil” (Maria Regina Cordovil, 1967)
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