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Santa Rosa Venerini, a fraternidade e a amizade social

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

No próximo domingo, 17 de março, na Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, na cidade de Paripiranga-BA, a partir das 9 horas, em missa presidida por dom Guido Zedron, acontece a abertura oficial das comemorações do Jubileu de Ouro das Pias Mestras Venerini no Brasil (1975-2025). Será o pontapé inicial para uma série de reflexões em torno da obra de Santa Rosa Venerini (1656-1728).

Considerando o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, penso que é muito oportuno conhecer um pouco mais sobre esta santa italiana do século XVII e à luz de sua obra trazer para o nosso tempo a ideia de fraternidade e amizade social, tendo como mote a Encíclica Fratelli Tutti (somos todos irmãos). Se considerarmos o esforço abnegado e cristão que Rosa fez em favor dos mais necessitados de seu tempo, teremos a nossa disposição um guia importante não somente para este tempo de Quaresma, mas também para toda a nossa vida.

Nascida em Viterbo (Itália) no dia 9 de fevereiro de 1656, Rosa foi a segunda cria de quatro filhos (Domenico, Orazio e Maria Madalena) do casal Goffredo Venerini e Marzia Zampichetti. Ele médico e ela viúva, oito anos mais nova. Rosa nasceu e se criou durante uma peste que assolou triste e ferozmente a região, fazendo com que seu pai se destacasse na assistência aos enfermos, inclusive aos mais pobres. Dr. Goffredo, certamente, foi uma grande inspiração para a sua filha.

Seu nome foi inspirado na padroeira da cidade de Viterbo, Santa Rosa (1234-1252), a padroeira dos exilados, tendo esta morrido muito jovem, aos 18 anos, depois de uma vida intensa de pregações, prodígios milagrosos, visões e profecias, além de perseguições políticas. Aos sete anos de idade, Rosa Venerini ficou encantada com o andor de Santa Rosa por ocasião dos festejos anuais. Era setembro de 1663, quando, em silêncio, no íntimo de seu coração, prometeu à Virgem Santíssima que iria ser monja.

Guardando esse segredo por muitos anos, somente o revelou, inicialmente, à sua tia materna, a irmã Anna Cecília, sua primeira orientadora e conselheira espiritual. Perto de completar 18 anos, apaixonou-se pelo primo Sebastiano, morto de forma repentina e prematura, quando Rosa vinha sendo pressionada a casar-se, sobretudo pela mãe, a quem tinha medo de revelar a razão de sua resistência: a promessa que fizera quando criança.

A morte daquele que poderia vir a ser seu esposo teve em Rosa um impacto profundo e ela resolveu se entregar a sua vocação, informando seu desejo primeiro ao pai e depois à mãe e aos irmãos. Era fevereiro de 1676. Dois meses depois de entrar no Convento de Santa Catarina, em Viterbo, seu pai faleceu. Quatro anos mais tarde, seu irmão mais velho e, logo em seguida, sua mãe, também.

A passagem de Rosa pelo convento não acalmou seus medos, angústias e ansiedades. Tanta experiência de morte, a seu ver, seguia dizendo algo para ela no que se referia à sua vocação, mas não se sentia à vontade em ficar atrás de muros de um convento. Queria servir a Deus, mas sem ser esposa e muito menos religiosa. “(…) Queria viver para os outros e levar a eles a sua ajuda” (p. 53), afirma a sua biógrafa, a escritora italiana Rita Pomponio.

Impulsionada por esse propósito, passou a catequizar meninas pobres em sua casa. Com o tempo, sentiu o desejo de abrir uma escola, e associada a duas outras jovens – Porzia e Girolama – fundou no dia 30 de agosto de 1685 a primeira escola gratuita para meninas pobres, na cidade de Viterbo. A pioneira nesse sentido, pois já havia instituições do tipo, mas para meninos pobres.

Não tardou, mesmo diante de tantas dificuldades que enfrentou, inclusive de saúde, para que a obra saísse das fronteiras de Viterbo e da Itália como um todo, principalmente depois da publicação do livro “Relazione degli Esercizi que si pratticano in Viterbo nelle Scuole destinate per istruire le Fanciulle nella Dottrina Cristiana” (Relatório dos Exercícios praticados em Viterbo nas Escolas destinadas a instruir as Meninas na Doutrina Cristã), de 1716 e a da subsequente aprovação do Santo Padre, o papa Clemente XI, que reconheceu oficialmente a obra, passando doravante a se chamar de “Mestras Pias Venerini”.

Por toda a sua vida, além do voto de pobreza, manteve intacta a sua castidade, sem congregar-se a nenhuma ordem. Morreu no dia 7 de maio de 1728, com 72 anos de idade. As moças que passaram a seguir seu exemplo de vida, desde 1941, são reconhecidas como religiosas. Em 1952, foi elevada à condição de venerável pelo papa Pio XII e no dia 15 de outubro de 2006, foi sagrada santa pelo papa Bento XVI.

Na Encíclica Fratelli Tutti, de 3 de outubro de 2020, véspera de São Francisco de Assis, um dos inspiradores da carta do papa Francisco, destaco o seguinte trecho: “A partir da intimidade de cada coração, o amor cria vínculos e amplia a existência, quando arranca a pessoa de si mesma para o outro. Feitos para o amor, existe em cada um de nós «uma espécie de lei de ‘êxtase’: sair de si mesmo para encontrar nos outros um acrescentamento de ser». Por isso, «o homem deve conseguir um dia partir de si mesmo, deixar de procurar apoio em si mesmo, deixar-se levar»”.

Assim o foi toda a vida de Santa Rosa Venereni. Ela foi arrancada de si mesma para viver o outro, primeiro na menina pobre, depois nos demais necessitados, apoiada num tripé eficientíssimo: orientação intelectual, orientação espiritual e orientação para profissional. Dizia ela: “Não se pode alimentar uma alma se antes a mente não for alimentada”.

Sobre essa intrepidez cristã de Santa Rosa, escreveu Sarah Gallik: “Decidida para onde quer que houvesse necessidade de escolas, viajou em lombo de mula por remotas cidades nos montes e viveu de esmolas, sendo, inclusive, perseguida várias vezes pelos que se opunham às suas inovações” (2017, p. 144)

Além disso, a preocupação com a dignidade da pessoa humana. É fato que o ideário cristão da época entendia que a mulher deveria ser preparada para ser uma boa esposa e uma boa mãe. Mas, para Rosa tinha que ser mais do que isso. Ela teria que ser inteligente e até mesmo capaz de se virar sozinha, se fosse o caso, com um emprego que os estudos lhe pudessem favorecer.

Infelizmente, ainda vivemos numa sociedade misógina, que enxerga o fato de uma mulher ser independente como um sério problema, sobretudo para os homens inseguros e educados, se é que podemos chamar isso de educação, para serem duros, brutos e dominantes. Santa Rosa não estimulou uma guerra de sexos, mas o que poderíamos chamar hoje de civilidade entre os gêneros, valorização da mulher pela educação, pela fé e pelo trabalho.

Seu encontro fraterno com os humildes e desafortunados gerou frutos importantes dentro e fora da Igreja. É comum que os lugares que acolheram as Irmãs Venerini tenham saído de uma situação de periferia social para uma de dignidade social. Também ela enfrentou o preconceito dos mais ricos, mas não estimulou a luta de classes. pelo contrário, com seu exemplo e com o método adotado nas escolas gerou fraternidade.

Os seus conterrâneos deixaram depoimentos marcantes de sua personalidade e também de sua beleza física, notadamente de seus olhos verdes. Tendo sido uma moça temerária e insegura, tornou-se, pela fé, comedida, confiante e carismática, a ponto de deixar desafetos ruborizados. Mestra da Vida, como ressalta sua biógrafa, Santa Rosa viveu o que o papa Francisco propõe na Encíclica Fratelli Tutti e sua trajetória de vida aponta caminhos importantes para o bem se portar não somente na Quaresma deste ano, mas também no dia a dia da Igreja Católica, nos movimentos, grupos e pastorais.

Pelas razões aqui expostas, quero crer e reitero que Santa Rosa Venerini para além de ter sido a Mestra da Vida, tornou-se uma expressão concreta de amizade e de fraternidade social, alçando o amor de Cristo pela humanidade a patamares que o nosso tempo precisa aprender e a viver.

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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