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Luiz Thadeu (*)

Toda família grande tem gente de todo jeito. A minha não poderia ser diferente. Vou falar apenas do lado paterno. A família de meu pai tem um traço em comum e muitas diferenças. A maioria de meus tios, tias, primos e primas são muito engraçados, gozadores, desses que transformam facilmente qualquer tragédia em comédia, tudo vira galhofa. São piadistas por natureza, perdem o amigo, mas não a piada.

Em velórios, então, se superam. Tem até animador de velório, não existe um enterro que ele não esteja presente, contando casos e causos, em especial do morto, que embora esteja presente, não participa da comédia. Enquanto a maioria das famílias fica contrita, em silêncio, choro contido, rezando pela alma do defunto, meus parentes contam piadas, dão risadas, falam alto. Faz parte da cultura da família, está no DNA.

Lembro de ter ido ao velório de um tio, em uma Central de Velórios, a maior da cidade – com várias salas -, e ao estacionar o carro no pátio do recinto, já sabia, pela altura das vozes e risos, onde meu tio estava sendo velado. Como não sou chegado a rituais fúnebres – velórios e enterros – quando tenho que ir, por obrigação, passo pouco tempo, cumprimento os conhecidos, vou embora. Mas deste, não pude escapar. Era um tio, a viúva e filhas sempre foram atenciosas comigo.

Logo que cheguei, um primo, falando mais alto que um megafone, anunciou minha presença. Cumprimentei a viúva, as filhas, os genros, falei quase o trivial, e não pude sair mais. Aprendi que nestas horas se fala pouco. Sou antigo, só vou a velórios e enterros com um lenço limpo no bolso, que ofereço à dama mais chorosa.

Queriam saber sobre minhas viagens, qual seria a próxima. Uma prima pretendia falar de Portugal; ela e o marido estavam organizando um passeio à terra de Luís de Camões. Já era perto da meia-noite, eu lá, já sem assusto, o café com bolachas, já na segunda rodada, e chegando gente. O velório do meu tio tinha mais pessoas, que todos os demais reunidos. Tempos que podíamos nos aglomerar.

De repente armaram uma mesa, apareceu um baralho, em outra mesa a turma do dominó se organizou. Lembraram que o falecido era jogador inveterado de baralho, desse de virar a noite. O genro lembrou das habilidades do sogro na sinuca, que desde garoto era campeão de tacos, bolas e buracos. Olhei para o lado, e pensei: só falta esse pessoal trazer uma mesa de pano verde pra cá. Será que vão tirar o morto, colocar em um canto, e transformar o esquife em mesa de bilhar?

Alguém lembrou que velório bom é no interior, onde se mata galinha, capão; é servida refeição completa, com cachaça, café e bolo à vontade. Para alguns um sacrilégio, não para esses parentes.

Não joguei baralho, não joguei dominó, fiquei a escutar histórias/estórias engraçadíssimas, sempre tendo o morto como protagonista. Atualizei-me sobre familiares distantes que nunca mais ouvira falar.

Como em todo velório vem à tona alguns segredos, o receio de um primo era que uma antiga amante do falecido quisesse marcar presença, e tumultuar o recinto. Como a esperar onça em caçada, dois primos sempre se olhavam, a monitorar quem chegava. Só faltava o binóculo para melhor fiscalização.

Qualquer mulher que chegava, fosse para os demais velórios, era acompanhada com olhares atentos.

Olhei para o relógio, os ponteiros apontavam que estava próximo das cinco da manhã, o sol se arrumava para brilhar. Sem assunto, cansado, já tinha esgotado minha cota de risos, perguntaram se queria mais café, bolacha creme-craque. Agradeci, me despedi, fiz uma breve oração, rumei para casa, pensando como seria o meu velório. Seria tão animado como o do meu tio? Certamente, não.

Desde garoto, quando fui ao primeiro velório, acompanhando minha mãe, achei tudo aquilo um grande teatro, onde o ator principal, deitado, inerte, de braços cruzados, no meio do salão, era o único que não participava da encenação.

Meu pai, Luiz Magno, um dos sujeitos mais engraçados que por aqui pisou, expoente máximo da hilária família, já tinha partido, não estava presente no velório. Para desgosto de parte da família, quando morreu, não teve velório, foi tudo muito rápido. Ele morreu na madrugada, sepultado ao meio dia, em 16 de janeiro de 2016.

Meu pai, homem contido, sem excesso, não deu trabalho nem para morrer. Sentiu-se mal em casa, foi levado para o hospital, começo da noite, partiu com o raiar do dia, consciente, aos 84 anos. Sábio, aprendeu a arte do bem viver.

Saudades do meu velho, engraçado e saudoso pai, que hoje completa seis anos de sua partida. Por onde estiver, deve estar contando boas histórias, fazendo rir.

 

*Luiz Thadeu Nunes e Silva, Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes.

** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor.  Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.

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Luiz Thadeu Nunes

Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o homem mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.  Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências; ATHEAR, Academia Atheniense de Letras; e da AVL, Academia Vianense de Letras, membro da ABRASCI. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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