Numa tarde de domingo, após a música, o locutor no seu programa de rádio perguntava:
-Você sabe o que seus filhos estão fazendo agora?
Muitos pais ou responsáveis pelos menores responderiam: “Provavelmente ao celular”.
Eládio e Eládia concordaram com a resposta. Pergunta-se: o que será que seus filhos estão fazendo agora, aliás, o que os adultos também estão fazendo agora? Diariamente quantas horas usam o celular e as redes sociais?
– E aí? O que você percebeu após ficar 24 horas sem relógio e celular, perguntou Eládia?
– Entendi o quanto somos frágeis e principalmente viciados no uso destas ferramentas, disse Eládio.
Depois continuou:
– Nestas 24 horas percebi que recriamos a velocidade da época dos nossos avós. Desfrutei um tempo sem pressa, com limites próprios, sem ansiedade, onde nossa autonomia não depende da instantaneidade. Tudo flui no tempo do tempo natural ao ritmo do nosso corpo. Foi como se nos desligássemos do mundo dos outros e passássemos a viver no nosso interior, revigorando-nos sem pressão externa. Isto lembrou um grande amigo pintor: “quando estou pintando esqueço de comer e beber, como se estivesse numa viagem mental.”
– Como se sentiu no começo?
– Muito difícil resistir, precisa-se de autocontrole, firmeza de propósito. Porém depois de algumas horas percebe-se que existem dois mundos: o seu pessoal e o exterior, das fantasias tecnológicas.
– Vale a pena passar esta quarentena?
– Farei outras vezes para aprimorar a desconexão.
– O que fizestes nestas 24 horas?
– Tudo da minha rotina, menos o uso de tecnologia.
– É possível viver sem ela?
– É, porém fica-se em desvantagem com as demais pessoas. Uma boa saída é usá-la em seu benefício percebendo seu emocional, o limite do tempo de uso, o sono regular, exercício, convivência com divertimento e amor e desativando notificações. Tire folgas digitais. Foi isto que busquei. Não queira ser escravo digital. A saúde mental das pessoas está sofrendo de estresse, solidão, depressão, fuga de casa, suicídio, violência. A perda da capacidade de interação presencial entre crianças e adultos está aumentando. Robôs e doentes estão aparecendo dentro das próprias casas.
– A obra “Tecnologia na Infância” dentre outras, da pesquisadora doutora Shimi Kang, mostra didaticamente esta tóxica realidade. Este começo de século XXI pode estar criando zumbis pela dependência das telas ante a confusão entre virtualidade e realidade. Muita gente no mundo fica parada dentro de casa assumindo o metaverso, perdendo seu lado humano de viver fisicamente.
– Trata de que este livro?
– Do lado sombrio do vício no uso das tecnologias. Informa que Steve Jobs, fundador da Apple limitava os filhos no uso da tecnologia e Bill Gates somente permitiu que os filhos tivessem acesso ao smartphone após os 14 anos. Possivelmente, perceberam que as pessoas podem perder o controle mental para as telas, por isso doenças mentais estão aflorando. Famílias já contratam profissionais para liberar filhos de smartphones. O uso excessivo das telas pode ensejar redução da mielina (camada que envolve os nervos do cérebro protegendo os neurônios) provocando incapacidade para letramento. Em contrapartida, brincar, vivenciar histórias, objetos, imaginação, visualização e toques protegem e ajudam a formar mentes independentes com boa convivência. Existem amantes que preferem, numa mesma cama, trocar mensagem pelo celular em detrimento do contato físico.
– Agora entendi porque muita gente tem a primeira ação ao acordar indo ao telefone, bem como, ao deitar, visitar as telas. Foi o que te levou a propor a quarentena um dia por semana distante das telas?
– Possivelmente.
– Perguntei ao filho de Quincas com quantas pessoas ele conversa presencialmente? “As vezes com meus pais, dois colegas e professores, porém tenho mais 400 seguidores no Instagram. Tenho a meta de passar de milhares. Gente famosa tem milhares.
Epidemias, catástrofes ambientais, governos bizarros e irresponsáveis extremados confundem tudo, que nem mesmo Terta de Chico Anízio saberia dizer o que é verdade no planeta. Usar a tecnologia sem viciar nela é uma grande sabedoria neste começo de século.
– E aí como vai ficar?
– Somente a história dirá. Fato é que não demorará para encontrarmos as respostas. Tudo dependerá do que queremos ser e do que queremos que nossos filhos sejam. Não vale culpar depois a tecnologia, porque ela é apenas uma ferramenta e depende da ação do usuário.
Sem relógio, sem celular, nem internet, cada pessoa faz seu próprio tempo, o tempo da razão de viver plenamente sentimentos reais, genuinamente humanos. Eis uma escolha! Explorar a tecnologia sem ser dominado por ela ou se tornar zumbis na sociedade. O vício não se contenta com o limite inerente aos humanos.
Começou um em cada família, depois tornaram-se famílias, passou para ruas, depois bairros. As cidades ficarão divididas, até que em 2072 as guerras e diferenças terão novas características com os grupos dos tecnotóxicos, dos negacionistas e dos autorativos.
Eládio e Eládia não se acham como chegar, confusos, se fundem no encontro da origem da humanidade a escolher entre criacionismo, tecnologismo e evolucionismo.
(*) Valtênio Paes de Oliveira é professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada -Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.
** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.
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