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Sessão das quatro no Cine Palace

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Por Acácia Rios (*)

 

Uma tarde é uma tarde e nela cabem mil possibilidades. Uma delas era gazear a aula e pular o muro da escola para pegar a sessão das 4 no antigo Cine Palace. Eu e minha amiga Silvinha fizemos isso algumas vezes. Trocávamos a farda por blusas que estavam na mochila, calçávamos o All Star e, com parcos trocados, íamos esperar o Luzia-Centro. O tempo passava devagar, as pessoas passavam devagar e os ônibus seguiam o mesmo ritmo.

Foi a leitura de “Penitência”, conto inédito de Jeová Santana, que me remeteu ao cine Palace, um dos lugares mais frequentados por mim na adolescência. Assim como o personagem narrador tinha que se “equilibrar nas contas pra ir com uma galera ao cine Vera Cruz ou Bomfim ver os filmes de faroeste e karatê”, eu também ‘fazia das tripas, coração’ para desfrutar desses momentos.

Naquela tarde de 1986, Silvinha e eu quase não piscamos os olhos e a pipoca fria comprada no hall do Palace ajudou a controlar o medo provocado pelo suspense de ‘Aliens, o resgate’. Nas cadeiras do balcão superior, a atmosfera sombria do filme e a coragem da personagem de Sigourney Weaver nos deixaram hipnotizadas.

O Palace era, praticamente, o único cinema ao qual se podia ir naquela época e, depois da sessão, tomávamos o indefectível sorvete na Cinelândia. O de mangaba era o meu preferido.  No calçadão da João Pessoa havia outro cinema, o Rio Branco, onde passava filme pornô, mas nem sempre foi assim. O edifício onde funcionava tinha sido inaugurado em 1904 e abrigava o teatro Carlos Gomes. Os tempos áureos do cinema, em si, datam dos anos 60.

Anúncio da apresentação da Cantora Bidu Sayão no Cine Teatro Rio Branco – 1938.
BARRETO, Armando. Cadastro industrial, comercial, agrícola e informativo de Sergipe – 1938.

Para saber um pouco mais, os aposentados que batiam ponto nos bancos do calçadão estavam ali para responder. Memória vai, memória vem, falavam sobre a apresentação da cantora lírica Bidu Sayão e de projeções como ‘Ao mestre com carinho’ ou ‘Adivinha quem vem para o jantar’. Entre lapsos temporais e de um ou outro artista, são muitas as histórias em torno do Rio Branco, mas que não cabem aqui nestas linhas.

Não posso deixar de mencionar o cine Vitória, na rua de Itabaiana, o preferido do meu pai. Já no Siqueira Campos ficava o cine Plaza. Se não me engano, caso alguém perdesse um filme no Palace, podia vê-lo depois lá, já que exibia os lançamentos tardiamente. Esta sala, de certa forma, era um orgulho para os moradores do bairro, que não precisavam ir ao centro para desfrutar do escurinho do cinema.

Pesquisas acadêmicas que abordam os primórdios do cinema em Aracaju fazem referência a estabelecimentos de exibição cinematográfica nos bairros Santo Antônio, Cidade Nova e Grageru, anteriores a esse período, mas os da minha memória são apenas estes.  Há blogs que mostram, inclusive, o que funciona atualmente nos lugares onde antes eram os cinemas.

Depois do Palace, vieram as duas salas do grupo Severiano Ribeiro, no Shopping Riomar. Nesse momento eu estava no Ensino Médio. Estudava de manhã e esperávamos chegar à quarta-feira porque nesse dia pagávamos só meia entrada.  Foi a partir daí que as idas ao centro da cidade começaram a rarear mais, pois era muito cômodo fazer tudo no shopping.

Essa nova fase da imagem em movimento incluiu o que para mim foi um marco em termos de qualidade para a avidez de cultura que tínhamos. E ver bons filmes era uma das formas de agradar o espírito inquieto dos estudantes universitários de Humanas da UFS. Não os do circuito comercial, mas os alternativos. Para quem praticamente já tinha esgotado os filmes cult da locadora de Ivan Valença, ver as novas produções pelo projeto Cinema de Arte, nos conectava com o mundo. E nesse período ainda tivemos uns quantos bons filmes com os quais aprendemos novos olhares e participamos de inúmeros debates, muitos dos quais motivados por Caio Amado.

Já era final de tarde quando eu e Silvinha voltamos para casa. A falta de iluminação no caminho para o Luzia fez-nos lembrar a atmosfera do filme que acabáramos de ver. O medo e a pressa por chegar logo em casa e não levar bronca das nossas mães fizeram com que ela caísse numa boca de lobo que estava sem tampa. A queda provocou-lhe uma distensão muscular que nos fez ir ao hospital, desmascarando-nos completamente. Mesmo sem telefone, nossos pais foram avisados e, em pouco tempo, estavam na Urgência.

Gazear a aula significava também contar com o inesperado. Não podíamos alçar voos longos, mas gostávamos muito das nossas pequenas aventuras, no limite do que nos era permitido, desvelando, camada por camada, os matizes daquelas tardes.

 

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Acacia Rios

Acácia Rios é jornalista, professora, mestra em Memória Social e Documental pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e doutora em Ciências da Documentação pela Universidade Complutense de Madri. Leciona na Escola de Artes Valdice Teles.

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