Por Luiz Osete Carvalho (*)
Há poucos dias um amigo me contou, amargurado, que precisou excluir um dos membros de um grupo criado para organizar um evento. O cara começou a compartilhar informações que não tinham qualquer relação com o propósito daquele ajuntamento que deveria se debruçar sobre os aspectos logísticos e metodológicos de uma nobre iniciativa: a realização de uma caminhada de três dias pelo sertão profundo. Caminhando para a quinta edição, a peregrinação sertaneja proporciona aos andarilhos uma experiência singular de imersão em um cenário idílico repleto de umbuzeiros, faveleiras, cactos, coroas de frade, bodes, passarinhos e muito sol, intenso e perene.
Pela primeira vez, a caminhada seria organizada por um grupo de WhatsApp, já que os encontros presenciais se tornaram custosos e os outros meios de comunicação, como o e-mail, o MSN e o Facebook, vegetam em completa obsolescência dialógica. Seria a vez de experimentar o famigerado zap zap, se o tal rapaz não tivesse esquecido os propósitos do grupo e pisado no acelerador da verborragia que tanto inunda o ambiente virtual atualmente. Aos apelos dos demais membros, de que o sujeito se ativesse às demandas das atividades que seriam planejadas para a concretização da caminhada, ele respondia com mais ferocidade. Eram textos e mais textos compartilhados que fugiam completamente das pretensões caminhantes.
Com pouco tempo, a impaciência abraçou alguns participantes que, solene e silenciosamente, se retiraram do grupo. Para não implodir de vez, o artífice da dispersão geral foi excluído sem cerimônia. O meu amigo, administrador do grupo, passou então a ser cobrado por um dos membros de ter violado um dos preceitos básicos do exercício democrático: a liberdade de expressão. Uma reunião presencial foi convocada com urgência para resolver o incidente diplomático que pode comprometer o caminho de tanta gente ávida por um mergulho sensorial na paisagem sertaneja tão sagrada e farta de esperança.
Ironicamente, a comissão organizadora da caminhada costuma selecionar os participantes a partir de uma carta de afetos em que os aspirantes devem contar os seus planos, projetos, propósitos e devaneios com a empreitada. “Escute o teu Ser-Tão e permita que ele manifeste-se na tua escrita!”, clama o edital do ano passado. A proposta do caminho é que durante os cerca de 60 quilômetros cada caminhante possa, entre outras coisas, aguçar sua escuta em meio à paisagem catingueira. O que, já é possível constatar por essa desavença organizativa, não se trata de uma tarefa simples, fácil e corriqueira. Escutar-se, escutar os outros e escutar as coisas da vida são os grandes desafios contemporâneos.
“Acho que há excesso de palavras faladas no mundo porque as pessoas temem se ouvir, caso silenciem. Minha teoria pessoal é que falam por medo do que o silêncio pode revelar sobre elas. Ou falam para encobrir o fato de que não têm nada a dizer”, escreve a jornalista Eliane Brum na reportagem “O Inimigo sou eu”, em que relata a sua experiência de participar de um curso de meditação vipássana. Atualmente realizado em todos os continentes, o curso exige que os participantes fiquem dez dias sem se comunicar. Além de não poder falar, gesticular ou mesmo olhar no olho do outro, o cursista precisa deixar na portaria tudo o que possa dizer alguma coisa: celulares, livros, blocos de anotações, agendas e até relógio com bip são recolhidos na entrada e devolvidos no final dos dez dias de silenciamento.
Abster-se de perturbar a paz interior e exterior é o primeiro passo para “ver as coisas como realmente são”, objetivo do curso de meditação. O segundo passo é manter a atenção na respiração o maior tempo possível, concentrando-se no aqui e agora das sensações que percorrem o nosso corpo. Em geral, estamos na nostalgia de um passado lamentoso ou glorioso ou no futuro catastrófico ou redentor. Aguçar a consciência para estar presente, simplesmente na observação constante de um ar que entra e sai pelas narinas, é um baita desafio. No final da jornada, a impressão é de ter feito uma travessia das lembranças mais remotas aos mares nunca dantes navegados, com direito a muitas tempestades, calmarias e naufrágios.
Fiz o curso de meditação vipássana este ano em João Pessoa (PB) e tenho recomendado outras pessoas a fazerem também. Poder dedicar dez dias a uma escuta atenciosa das próprias sensações é um luxo, eu bem sei. Nem todo mundo tem a possibilidade de abdicar das cobranças do dia a dia para mergulhar numa auto-observação tão profunda. Mas, quem tiver oportunidade de se distanciar brevemente dos afazeres da vida para somar à sua realidade sutilezas nunca antes percebidas, é imprescindível aproveitar com paciência e perseverança os benefícios que vão surgindo no transcurso da caminhada. É possível ainda fazer em casa uma sessão introdutória de meditação Anapana, a base da Vipássana, por meio de um vídeo disponível no Youtube em que o professor S.N.Goenka, responsável por sua difusão, ensina a técnica milenar.
As descobertas desse mergulho abissal no corpo são impressionantes. Nas últimas linhas de sua reportagem, Eliane Brum assinala algumas importantes constatações. “Neste momento, sinto minha vida mais larga. Cada dia é longo. Tenho dificuldade de me concentrar no que aconteceu ontem, e a próxima semana está longe. Percebo o que é especial na hora em que acontece. Coisas muito simples, que antes nem identificaria. E descarto os acontecimentos desagradáveis no minuto seguinte. Quando sinto medo ou ansiedade, sei que vai passar. Só essa certeza já reduz os monstros à metade do seu tamanho”, discorre a jornalista.
Ao escutar a história de meu amigo, ainda sentindo o aroma da meditação vipássana, fiquei pensando em como os grupos de WhatsApp seriam mais saudáveis e com vida longa e feliz se os monstros dos textos inoportunos desaparecessem ou, quando muito, se reduzissem à metade do seu tamanho. E se ao invés de falar por todos os poros e transferir aos outros a sua necessidade de ser escutado, o mais novo excluído de um grupo de WhatsApp exercitasse a auto-observação das suas sensações e aprendesse a fixar a atenção na realidade natural do fluxo da respiração, mantendo a mente mais calma e focada? E se o meu amigo, ao invés de ficar revoltado com a impertinência do sujeito, a ponto de excluí-lo do grupo, aprendesse com a impermanência da vida a ser mais sensível ao sofrimento daquele que ignora a sua própria realidade interior, distante do entendimento da causa do sofrimento que habita em si?
As respostas dessas questões e de tantas outras possíveis a partir da necessidade que todos temos de escutar e ser escutados não são passíveis de mera reflexão intelectual. Mudar um padrão de reações a sensações aversivas e compreender a necessidade da auto-observação são ações difíceis e, por vezes dolorosas. Entretanto, como poetiza Goethe, “cada um tem a felicidade em suas mãos, assim como o artista tem a matéria bruta, com a qual ele há de modelar uma figura. Mas ocorre com essa arte como com todas: só a capacidade nos é inata; faz-se necessário, pois, aprendê-la e exercitá-la cuidadosamente”.
Que possamos, pois, escutar, aprender, exercitar e caminhar mais felizes!
(*) Jornalista, psicólogo e mestre em Educação
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