Demora muito para a gente nascer de verdade – se é que nascemos de mentirinha algum dia. Eis o lugar ao qual chegamos quando se termina de ler Satolep, de Vitor Ramil: o berço. O Barão de Satolep, travestindo-se de Selbor, fotógrafo que resolve voltar a respirar seus natalícios caminhos após 20 anos de sumiço pelo mundo, envereda-se por um álbum de memórias congelado, repleto de mornas dores e clandestinos espantos, com os quais objetiva uma sangria baseada no retrato das perdições de um simples ser humano, sensível por natureza.
Em determinado momento, Selbor refresca-se com uma frase do seu amigo Cubano (alusão ao escritor Alejo Carpentier), que diz: “Se tivéssemos viajado puramente através da intensidade da luz e do rigor da paisagem, estaríamos agora penetrando em seu detalhe. Desembarcamos na estação das coisas essenciais”. Percorrendo o que chamou de “grande círculo”, Ramil nos faz embarcar em nossas respectivas reminiscências, impactando novos descobrimentos aos olhos leitores e fazendo brotar flores em meio à náusea cotidiana de nossas existências. Chega uma hora que temos de aprender a ver, como requer seu irmão em determinada passagem do livro. Ver para ver além, ver para ver aquém, ver para simplesmente ver. Obrigatório aprendizado.
É realmente difícil conseguir chegar onde nunca se esteve antes e mais difícil ainda é chegar onde se imaginou ter estado outrora. Existem cidades construídas no solo das ilusões. Existem pessoas que viveram/vivem em cidades que nunca existiram na realidade. Talvez seja o meu caso com a pacata e chapadeira Iraquara, no interior baiano, com a qual mantenho uma relação dual que vai do amor ao repúdio em questão de dois ou três pensamentos. Satolep é um amargo doce para o fotógrafo do livro, que tenta captar uma existência incapaz de se materializar sob a luz vermelha de seu laboratório. “Às vezes, o lugar onde queremos chegar fica exatamente onde estamos, mas precisamos dar uma longa volta para encontrá-lo. O senhor foi na direção do mundo, eu vim para Satolep”, relata Selbor.
Sem se esquivar das trevas nem das luzes diárias, Selbor encara o tempo de frente numa escaramuça duradoura imprópria para corações imaturos. Tendo como sibila a figura do escritor gaúcho João Simões Lopes Neto, Selbor aponta a lente de sua câmera para as janelas de nossas almas e para as paredes de nossos corpos. O que se revela sob a luz vermelha de seu laboratório é antes a imagem branca do mundo, preenchida de nossos vazios tão sedentos, ancestrais e imorredouros. “De repente, sobreviver era insistir na busca de um lugar para pôr os seus restos”. Todavia, é em Satolep que Selbor irá encontrar as formas, cheiros e cores de que tanto precisa para seguir vivendo, mesmo sendo, por vezes, formas sem cantos, cheiros sem encanto e cores sem carinho. Não havia o que fazer, a não ser entrar naquele trem cujo destino era o calor geométrico das coisas.
Este texto foi escrito após a leitura do livro Satolep, de Vitor Ramil.
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(*) Germano Xavier nasceu em Iraquara, Chapada Diamantina-Bahia, em 1984. É jornalista pela UNEB e mestre em Letras pela UPE. Publicou o livro Clube de Carteado (Franciscana, 2006). Seu livro de contos intitulado Sombras Adentro (ainda não publicado) foi finalista do IV Prêmio Pernambuco de Literatura (2016). Em 2021, publicou o livro O Homem Encurralado (Penalux); e em 2022 , Esplanada do Tempo, que compreende a segunda parte da Trilogia do Centauro. Escreve para encontrar o equador de todas as coisas.
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