segunda-feira, 09/12/2024
Praia do Mosqueiro
A paradisíaca praia do Mosqueiro Fotos: Luciano Correia

Somos todos Aracaju

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Por Luciano Correia (*)

 

De Mosqueiro, modéstia à parte, entendo um pouco. Pra cá me mudei em outubro de 1994, portanto já tenho mais de trinta anos no pedaço. Na verdade, hoje, com as mudanças implantadas pela prefeitura de Aracaju para reordenar a chamada Zona de Expansão, já não moramos num povoado, mas num bairro. De quebra, por algum geolocalizador ou pela força dos búzios, viramos Gameleira. Mosqueiro mesmo está um pouco mais adiante de onde amarro meu burro. Da mesma forma, também posso dizer que conheço um pouco de Areia Branca, Matapuã, São José, Robalo e Aruana. Somos um paraíso com ingredientes de inferno.

Rua tranquila

Vim viver aqui porque, tabaréu do agreste, sempre fui fascinado pelo mar. Arranjei um cantinho a 600 metros das areias que beijam nossa porção de Atlântico, o que para mim é uma riqueza sem igual. Daí me achar no Paraíso. O inferno, como dizia Sartre, são os outros. No caso, a falta de comércio, escolas e posto de saúde, transporte precário, ausência de abastecimento da Deso e desprezo da Energipe, a antiga estatal de energia.

Como se sabe, esses bairros que compõem a Zona de Expansão constituem uma península entre rio e mar, ponta que significava também o fim de linha da distribuição de energia. Isto significava um péssimo serviço, cortes e apagões frequentes resultando na queima de eletrodomésticos, prejuízo que invariavelmente sobra para o desgraçado consumidor. Era assim no tempo da Energipe, melhorou 0,01% com a privatizada Energisa. Quem quiser saber o quanto vale a tal cidadania, entre com um recurso na Energisa para ser ressarcido dos prejuízos causados por alguma de suas frequentes quedas de energia.

Hoje o Mosqueiro já não é um fim de linha, após a ponte Joel Silveira, que nos ligou a Itaporanga. Mas a qualidade da rede de distribuição de energia continua calamitosa. Não há uma só semana em que os carros da privatizada companhia deixem de fazer reparos aqui e ali, uma espécie de tapa-buracos da corrente elétrica que só nós sabemos. Mas de resto, a civilização foi chegando. Um ou outro mercadinho onde se vende uma cerveja que não fosse Skin, posto de saúde, linhas de ônibus pela Rodovia dos Náufragos e Inácio Barbosa e a festejada estreia da Deso. Se considerarmos nossas praias limpas, as mais limpas do Brasil, e as prainhas do rio Vaza Barris, estamos no paraíso. Nosso inferninho fica por conta da Gisa elétrica, a sucedânea do cabide de empregos da Energipe.

Moradores vão à luta para continuar em Aracaju

Qual não foi nossa surpresa quando há alguns dias a Justiça retomou uma causa que os moradores da capital de Sergipe e de todo o estado julgavam encerrada: a usurpação, pelo município de São Cristóvão, desses seis bairros que integram a Zona de Expansão, decisão esdrúxula tomada sabe-se lá por quais motivos. Aliás, sabemos de dois desses motivos: o desejo secreto de São Cristóvão abocanhar larga faixa de terra da capital dos sergipanos e, obviamente, dos seus impostos. São Cristóvão não dá conta nem da expedição de uma simples escritura de imóvel. Para saber disso é só consultar quem já sofreu nos labirintos de sua lenta e inepta burocracia.

Riquíssimo e raro patrimônio histórico do barroco brasileiro, parece que não se dá conta disso. Quem quiser o melhor retrato do abandono de uma cidade, é só fazer um tour pelo Rosa Elze, localizado no limite com Aracaju e colado à nossa grande universidade pública, a UFS. O Rosa Elze é um escárnio contra seus moradores, trabalhadores e pagadores de impostos sem o menor respeito do poder público. É este município que deseja tomar a banda mais promissora da capital sergipana, para onde corre o futuro.

O outro motivo é ainda mais torpe, senão inacreditável: trata-se do portentoso lobby dos tubarões proprietários de terrenos nesta zona pronta para receber investimentos milionários, a exemplo de outros tantos que têm surgido em velocidade febril na região nos últimos anos. São novos condomínios, lojas de material de construção, supermercados e até shopping center que trazem um comércio cada vez mais sofisticado para o local. Tais empresários-especuladores dão bem a ideia do tipo de capitalista que habita a terra dos Serigys: querem os lucros fabulosos, sem a obrigação dos impostos. Isso decorre de uma realidade cínica: como São Cristóvão não mantém serviços públicos ou o faz de forma precária, cobra impostos inferiores aos de Aracaju. É também uma infame “concorrência” com o município vizinho, razão de sua insistência junto aos tribunais.

A reação à nova investida contra esses cinco bairros, no entanto, motivou um desses raros momentos de mobilização e luta cidadã em favor de uma causa justa e comum. Como em 2013, quando assacaram essa insanidade contra nós, as reações foram desde as civilizadas, como debates na Câmara e Assembleia Legislativa, até as brutas, como fechamentos de rodovias e avenidas para chamar a atenção. E se a voz do povo é mesmo a voz de Deus, os homens que um dia vão bater o martelo final sobre com quem fica esse território disputado, essa Gaza tropical nordestina,  imagino que não vão querer ficar do lado do inferno. Disso já cuidam os cortes de energia elétrica na nossa querida zona, no bom sentido, claro.

 

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Sobre Luciano Correia

Luciano Correia
Jornalista e professor da Universidade Federal de Sergipe

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2 comentários

  1. Manoel Cláudio Milstein Silva

    O grande culpado deste balaio de gato tem nome e sobrenome Edvaldo Nogueira. Se achando proprietário da cidade desobedeceu uma ordem judicial para fazer um plebiscito. Simplesmente fez um Projeto de Lei criando a famosa zona de Expansão. Na minha leiga ótica decisão judicial é prá ser cumprida e não discutida. Na briga do mar com o rochedo quem se lasca é o siri.

  2. Rivaldo Frias dos Santos

    Fantástico o relato do nosso amigo Luciano Correia, sem dúvida um espelho perfeito de tudo que vemos na Zona de Expansão do Mosqueiro. Se hoje já é grande o sofrimento de seus moradores, imaginem se cair nas garras de uma prefeitura que não diz pra que veio.

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