Por que nem mesmo “grandes intelectuais” estão livres de se deixar cativar por ideias totalitárias? Essa pergunta instigou a mente do poeta e escritor polonês Czeslaw Milosz em seu aclamado livro “Mente Cativa”. Prêmio Nobel de Literatura em 1980, o livro de Milosw nos fornece uma importante base de análise sobre o que leva alguns homens – devotados à vida intelectual – a se deixarem cativar por ideologias funestas e totalitárias. De caráter autobiográfico, o livro de Milosz expõe um período de sua própria vida intelectual em que esteve sob o totalitarismo comunista na Polônia do Pós-Guerra. A humilhação intelectual vivida por Milosz é apenas um dentre milhares de registros abomináveis em que se sacrifica a verdade por uma narrativa gradualmente inoculada nas mentes dos indivíduos.
A ferramenta mais poderosa de inoculação de uma ideia totalitária é a propaganda. Hiltler, em seu livro Mein Kampf, afirmava: “[…] A vitória de uma ideia será mais fácil quanto mais intensa for a propaganda” (Cap. XI. p.537). Naturalmente, possuímos alguns mecanismos de autodefesa contra quem nos quer enganar. O disfarce e a camuflagem contra aquilo que representa uma ameaça estão presentes em todo o reino animal. Entretanto, salvo raríssimos casos, as barricadas que nos protegem contra ideias totalitárias nem sempre estão firmes o suficiente para que possamos resistir aos ataques persuasivos da propaganda. Na verdade, as “barricadas mentais” construídas para resistir à simbiose entre propaganda e organização política e ideológica são raras e frágeis.
Uma vez inoculado o veneno de ideias totalitárias, elas dificilmente encontram antídoto. Os asseclas, por vezes, realizam um grande esforço para apagar os resultados nefastos das ideologias que, outrora, defendiam com unhas e dentes. Os acometidos por tais ideologias não se dão conta que a tentativa de esconder fatos criando uma cortina de fumaça é parte do esforço de propaganda levada a cabo pelas mesmas organizações políticas e ideológicas. O indivíduo tomado por tais ideias totalitárias servem apenas de “mula”, vivem transportando ideias tortas por toda a parte sem se darem conta do desserviço que realizam frente às liberdades individuais. A lavagem cerebral que alguns indivíduos recebem é tão eficiente que nem eles próprios se dão conta das próprias sandices.
Na tentativa inócua de colocar embaixo do tapete suas idiossincrasias, muitos propagandistas, mentes cativas de ideologias nefastas, veiculam, por exemplo, o fim do comunismo. A quem interessa declarar a morte do regime comunista? Respondo: interessa aos próprios comunistas, na medida em que, usando declarações mentirosas de camuflagem, eles acabam encontrando um meio para disfarçar seus crimes. Os líderes e propagandistas dessa ideologia totalitária – muitos dos quais jamais tiveram que responder por quaisquer de seus crimes – garantem sua popularidade por meio da propaganda.
Sobre popularidade de Hitler e Stalin, Hanna Arendt, em seu clássico “As origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo”, comentando o trabalho de desinformação propagandística de regimes autoritários, afirma que:
[…] Não se pode atribuir essa popularidade ao sucesso de uma propaganda magistral e mentirosa que conseguiu arrolar a ignorância e a estupidez. Pois a propaganda dos movimentos totalitários, que precede a instauração dos regimes totalitários e os acompanha, é invariavelmente tão fraca quanto mentirosa, e os governantes totalitários em potencial geralmente iniciam suas carreiras vangloriando-se de crimes passados e planejando cuidadosamente seus crimes futuros. (2011, p. 435).
Em países como na antiga União Soviética, a propaganda baseada nas ideias de Lenin e Stalin promoveu as linhas mestras que organizaram o Partido Comunista. Era, na prática, uma das formas mais eficientes de cativar mentes. Cabe destacar que, quanto maiores e mais bem articuladas as manobras de censura, mais onipotentes se tornam os instrumentos da propaganda. A penetração da propaganda é tão devastadora que nem mesmo grandes cientistas e intelectuais escapavam à divulgação distorcida das ciências naturais e sociais. No âmago das distorções promovidas em escala pela propaganda comunista, tudo aquilo que escapasse à visão ciclópica do partido deveria ser enquadrado como pseudociência da classe burguesa.
Foi na antiga União Soviética que a extensão do cativeiro mental ganhou espaço em praticamente todas as organizações políticas, culturais e sociais. Tudo concorria para aumentar o tanto quanto fosse possível a penetração das ideias irradiadas pelo partido. Assim, o cinema, os jornais, o rádio, os livros didáticos, o teatro e a música, todos se tornavam veículos da maquinaria estatal. Caso emblemático de perseguição se deu com o compositor soviético Dmitri Shostakovich, que enfrentou as turbulências de duas grandes guerras. Apesar de ter alcançado grande prestígio, o compositor viveu no fio da navalha, perseguido como consequência das políticas estatais da cultura. O partido costumava emitir relatórios sobre a atuação de poetas, artistas e compositores que não estivessem em conformidade com a ideologia do partido. Assim foi o caso do Relatório Djanov emitido em 1948, acusando vários compositores, dentre os quais, Shostakovich e Prokofiev, de serem “formalistas”. Na visão dos “camaradas” do Comitê Central do Partido Comunista, arte e propaganda deveriam ser vistas como uma única máquina a serviço do encarceramento das mentes. A música deveria espelhar as vitórias do movimento revolucionário e exaltar o espírito comunista.
Para além das artes, a maquinaria estatal soviética não via diferença entre “propaganda” e “educação”. Em regimes totalitários, a educação estatal obrigatória cumpria seu papel em modelar as mentes aos seus programas políticos ideológicos. Entre os nazistas, por exemplo, não havia diferença entre educação e propaganda ideológica, tal como nos mostra o livro “Educando para a morte – aspectos da educação nazista”, de Gregor Zimer. Para os nazistas, segundo Zimer, a organização política e ideológica responsável por recrutar e construir mentes cativas era a Pimpf. Tratava-se de uma Revista Nazista para meninos com aventuras e narrativas eivadas de propaganda estatal nazista. Ler a Pimpf era dar o primeiro passo em direção às atividades formativas da juventude Hitleriana e na Jungvolk:
[…] Os meninos recebem um número, um Leistungbuch e uma carteira para que nela sejam inscritas suas notas. […] Aí se apontam não só seu desenvolvimento físico como suas proezas militares e seus progressos ideológicos. Sua atividade em casa, no Partido e na escola, são vigiadas atentamente e registradas de maneira in delével […] Se ele é aprovado, fazem-no ver que deve estar pronto a morrer pelo Fuehrer (1942, p. 57).
No livro The Birth of the Propaganda State Soviet: Methods of Mass Mobilization (O Nascimento da Propaganda Estatal: Métodos Soviéticos de Mobilização de Massas), de Peter Kenez, são fartos os exemplos sobre como a propaganda estatal soviética utilizou todo o seu aparato de controle e manipulação das informações. Manter as mentes cegas e cativadas em torno de uma ideia tornou-se uma dentre tantas formas eficientes de eliminar ideias indesejáveis para o partido.
Um dos principais órgãos de censura soviéticos foi o Glavilit. Esse órgão censor do estado soviético era utilizado para destruir qualquer material impresso tido como indesejável para partido. Utilizando-se desse expediente, o estado autoritário cativava as mentes com uma única versão estatal dos fatos em circulação. O terrorismo mental provocado por esse órgão espargia propaganda carregada de ideias cativantes. A mais comum dentre as ideias em circulação era a de destruir a ordem burguesa como sendo inimiga da classe trabalhadora. Usando essa tática de propaganda, para ampliar seu poder sobre as massas, Stalin afirmava ser necessário eliminar a classe burguesa descrita como imperialista e sanguinária.
Quem quer que desconfiasse das ideias estatais em circulação corria sério risco de detenção. Aqueles que eram vistos como dissidentes eram levados para Gulag’s, campos de trabalho forçados onde eram submetidos à psiquiatria punitiva. Em outras palavras, o dissidente passava a ser tratado como louco, merecendo, assim, tratamento psiquiátrico. As notícias das condições subumanas dos Gulag’s quebravam uma a uma a vontade psíquica de reagir contra as mentiras das agências estatais de propaganda.
Um dos caminhos para tornar uma mente cega e cativa é despejar, continuamente, entulhos e mais entulhos de propaganda ideológica, desmobilizando qualquer tentativa de reação. Estando sob o efeito psiquiátrico dessa ação, nos raros momentos de reação, a mente cativada ainda se revelava sob o efeito deletério da propaganda. O escritor Alexander Soljenítsin, em seu livro Arquipélago Gulag, faz um dos relatos mais impactantes da história recente sobre as condições desumanas do Gulag’s e como esses campos foram letais para o psiquismo da população e daqueles que eram vistos como dissidentes. Centenas desses campos de trabalho forçado foram construídos por toda a União Soviética com o objetivo de calar as vozes contrárias ao partido e cativar novas mentes ao regime comunista.
Exceto aqueles intelectuais declaradamente simpáticos ao autoritarismo, manter o pleno exercício de suas faculdades mentais e resistir às atrocidades de regimes totalitários – tal como Milosz, Shostakovich e Soljenítsin – é o mesmo que ter entrado numa jaula dos leões. Os “camaradas do partido”, por motivos de aderência cega às ideias totalitárias, são como pragas contaminando todo o tecido social.
Em regimes totalitários, os conhecidos “camaradas cativos” operam como serviçais do partido; infiltram-se em todas as organizações civis, políticas e sociais e cumprem seu papel de vigilância orgânica perseguindo, cancelando e matando aqueles que eles julgam ser contrários à manutenção do regime autoritário.
Assim, a engenharia estatal de controle usa a propaganda como um meio para atingir fins bem claros e definidos: criar mentes cativas. Há, também, maneiras suaves de inocular uma ideia perniciosa: basta oferecê-la sob a roupagem de boas intenções políticas e sociais. Quando, no mercado das ideias, uma em especial consegue alcançar a simpatia da maioria por meio da propaganda estatal, inicia-se o processo de destruição gradual daquelas que lhe são concorrentes. Hitler afirmava que: “O sucesso mais decisivo de uma revolução sempre será conseguido quando a nova doutrina for divulgada pelo maior número, imposta a todos depois”. (Cap. XI. p. 540). Uma vez solvido o veneno totalitarista, pouco importa se as doses oferecidas foram homeopáticas. O resultado é sempre invariavelmente o mesmo: o totalitarismo. A maneira acintosa com que Big Tech’s e o Governo esforçam-se para controlar as informações que circulam na Internet, é um primeiro passo em direção ao cativeiro da mente.
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[1] Professor, palestrante, licenciado em Filosofia; Mestre e Doutor em Educação; Membro da Academia Maçônica de Ciências, Artes e Letras; Secretário de Educação e Cultura do GOB-SE
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