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Suor, talco e poeira: Para Clemilda, a morena dos olhos pretos

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

Ela nos deixou há uma década, aos 78 anos, em Aracaju, no dia 26 de novembro de 2014. Sua trajetória musical foi fundamental para a consolidação da identidade musical e do gênero forró em e de Sergipe. Trata-se, segundo Gerson Filho e J. Luna, da canção que imortalizou para sempre essa alagoana de alma e essência sergipanas: “Morena dos olhos pretos / Linda igual não pode haver / Você é a flor mais bela / Que cheguei a conhecer / Quando meus olhos te viram / Senti meu corpo tremer / Daquela hora em diante / Senti amor por você”. Música que ela mesma interpreta em seu LP de homônimo (1972).

Clemilda Ferreira da Silva nasceu em São José da Laje (AL), no dia 1º de setembro de 1936. Seu pai era pedreiro e sua mãe, dona de casa. Ambos ainda tiveram mais dois rebentos. Ela era a mais nova. Aos nove anos de idade, mudou-se com a família para Palmeira dos Índios (AL). Com apenas 15 anos, casou-se com José Lúcio da Silva, com quem teve dois filhos: José Adenildo Ferreira da Silva e o sanfoneiro Robertinho dos Oito Baixos.

Grávida do segundo filho, foi morar em Maceió-AL. Com apenas 20 anos de idade e 5 de casada, separou-se. Antes de seguir, de tornar e ser reconhecida por Chacrinha como Rainha do Forró, cortou um dobrado para se sustentar e a seus filhos, tendo sido garçonete, atendente em loja de roupa e até como doméstica em casa de família. Isso, já no Rio de Janeiro, quando passou a morar, deixando os filhos com a mãe, em Alagoas.

No Rio, morava perto da Rádio Mayrink Veiga, fundada em 21 de agosto de 1926. Foi reduto de grandes nomes da música brasileira, inclusive de migrantes nordestinos talentosos, a exemplo de Genival Lacerda, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e Gerson Filho, por quem se apaixonou e se casou em 1964. Ele também era alagoano e foi responsável por popularizar o fole de oito baixos e com alguma experiência na indústria fonográfica do Sudeste. Além de esposo, tornou-se um grande parceiro e responsável por lançar Clemilda para o estrelado na música.

Sobre a parceira com o marido, Marcelo Rangel Lima assim definiu: “O trabalho como intérprete ao lado de Gerson Filho, seu mais importante companheiro de vida afetiva e musical, foi marcado pela proposta de fazer da sua arte uma bandeira de resistência da cultura popular” (2014, p. 5)

Clemilda gravou seu primeiro trabalho em 1965, pela Tropicana: Forró sem briga. Ao longo de sua carreira, foram 28 LPs e um CD, Forró Bom Demais, lançado em 2006. Com os shows, passou a sedimentar seu nome no cenário do forró, rompendo ao lado de Marinês (1935-2007) as barreiras do campo notadamente masculino, tendo a figura de Luiz Gonzaga como emblemática.

Discos de Clemilda

Nesse sentido, assim escreveu Ezio Déda: “Clemilda é uma personalidade intrínseca a Sergipe, embora tenha nascido em Alagoas, foi aqui que firmou morada e identidade. Faz parte do elenco de mulheres que imprimiram uma marca no cancioneiro popular nordestino, tematizando o forró e suas nuances, por vezes estigmatizada pelas letras de duplo sentido, tão marcantes na década de 80 (2014, p. 3)”.

A mudança do casal Clemilda e Gerson para Aracaju, em definitivo, ocorreu em 1968, depois do sucesso de seu segundo LP Rodêro Novo, pela RCA. Sobretudo, em razão do grande sucesso da canção título do disco, onde aparece pela primeira vez, também, como compositora.

Em 1975, Clemilda declarou todo seu amor aos sergipanos, com a gravação de seu oitavo LP Exaltação a Sergipe, pela Musicolor. O disco tem doze faixas, boa parte delas assinada por ela em parceria com Gerson Filho e Juvenal Lopes). A faixa 1, do lado B, leva o nome do título do LP, Exaltação a Sergipe, de Juvenal Lopes e Gerson Filho. Na canção, depois de render homenagem ao Nordeste Brasileiro, dedica especial atenção ao seu “querido Sergipe”, com louvações às cidades de Estância, São Cristóvão, Neópolis e Boquim, Lagarto, Itabaiana, Maruim, Poço Verde, Tobias Barreto, Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora da Glória.

Dez anos depois, estourou em definitivo para o Brasil com o LP Prenda Tadeu (1985), pela Continental. Faixa 1 do disco, lado A, de autoria dela em parceira com Antônio Sima, foi um sucesso fenomenal, lhe valendo seu primeiro Disco de Ouro. Clemilda, além do forró pé de serra, também resolveu apostar nas letras de duplo sentido, com grande repercussão em trabalhos de Zenilton (com 81 anos, nascido em Salgueiro-PE, no dia 14 de fevereiro de 1939) e até mesmo na discografia de Luiz Gonzaga.

Prenda o Tadeu é uma canção que fala do cotidiano do interior do Brasil e de um assunto que já era sério àquela época, que é a questão do estupro de moças. Um jeito todo particular de denunciar um crime em qualquer tempo, época e lugar, representado pelo refrão cantado em todo o país: “Seu delegado, prenda o Tadeu / Ele pegou minha irmã e crau”.

Em 1987, Clemilda já era uma estrela nacional e com o LP Forró Cheiroso escreveu seu nome entre os grandes nomes do Forró Nacional. Novamente com outro sucesso de duplo sentido, a faixa 1 do lado A, Forró Cheiroso (Talco no Salão), música gravada também por Genivaldo Lacerda. O LP lhe conferiu seu segundo Disco de Ouro, desta feita pelo conjunto de sua discografia.

Outras canções de duplo sentido também marcaram a carreira de Clemilda, a exemplo de Coitadinha da Tonheta (1990), Seu Tuzinho (1991) e Aquilo Roxo (1982), Tá pegando fogo (1988) entre outras. Mas também, se consagrou com o que há de melhor no gênero, com o chamado Forró Tradicional / Da Raiz, merecendo a atenção e o respeito de grandes nomes da Música Popular Brasileira, a exemplo de Luiz Gonzaga e Dominguinhos. No LP Amor Escondido (1988), gravou uma canção de Moraes Moreira e Oswaldinho: Lambe Lambe.

Em 1994, perdeu seu esposo Gerson Filho lhe deixando uma grande lacuna pessoal e profissional. No Rádio, a partir de 1974, apresentou com ele o programa Forró no Asfalto, pela Rádio Difusora. Em 1985, levou-o para o formato de TV na Aperipê de Sergipe. Em 1991, ele recebeu os títulos de Cidadã Aracajuana e Sergipana.

Em 1996, dividiu um projeto com Sandro Becker, SANDRANCE pela Columbia. Disse para o Diário de Aracaju àquela época: (…) ele é um homem bom, alegre, descontraído e gosto de gente assim. Depois de tantos anos gravando sozinha, aceitei gravar com o Sandro para fazer uma alegria dupla, mas não tenho vontade de continuar a gravar com outra pessoa. Sozinha me sinto mais solta” (p. 3B).

Até seu falecimento, gravou ainda os seguintes trabalhos, com um fôlego de dar inveja e às voltas com novas tendências na seara dos festejos juninos: “Eu só quero um forró” (Coletânea, 2000); “Clemilda 2000 Balança Brasil” (2000); “Caminhos do Prazer” (2004); “Coleção Warner 30 anos” – “Forró Bom Demais” – “Nova Série” (2006); “O Porno-Forró de Clemilda” (2007) e Clemilda (Coletânea, 2009).

Clemilda foi homenageada em 2004, pela Prefeitura Municipal de Aracaju com a realização do Fórum do Forró, que celebrou seus 40 anos de carreira. Em 2006, teve a honra de receber do papa Bento XVI, a sua Bênção Apostólica. Em 2012, fez um show memorável com seu filho, Robertinho, em Aracaju. Em 2014, o Museu da Gente Sergipana lhe prestou uma bela homenagem com a exposição Clemilda: Morena dos Olhos Pretos. Naquele mesmo ano, foi lançado o documentário “Morena dos Olhos Pretos”, de Isaac Dourado.

 

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FONTES E REFERÊNCIAS

Catálogo da Música de Sergipe. Disponível em: http://obscom.com.br/musica/catalogo. Acessado em 19 de junho de 2024.

DÉDA, Ezio (curador). Exposição Clemilda Morena dos Olhos Pretos (Encarte). Aracaju: Instituto Banese, 2014.

___________. Clemilda morena dos olhos pretos. In: DÉDA, Ezio (curador). Exposição Clemilda Morena dos Olhos Pretos (Encarte). Aracaju: Instituto Banese, 2014. p. 3.

Clemilda. Morena dos Olhos Pretos. LP Morena dos Olhos Pretos. Continental,1972.

LIMA, Rangel. Clemilda e as culturas da gente. In: DÉDA, Ezio (curador). Exposição Clemilda Morena dos Olhos Pretos (Encarte). Aracaju: Instituto Banese, 2014. p. 3.

SANTOS, Claudefranklin Monteiro. A mulher sergipana na História do cancioneiro brasileiro. In: ANTÔNIO, Edna Maria, MAZA, Fabio. Sergipe – Diálogos de História, Memória e Política. Curitiba: CRV, 2021. pp. 181-202.

SILVA, Luzinete. Clemilda: energia para dar e vender. Variedades. Aracaju-SE, domingo, 11 de agosto de 1998, p. 3B.

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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