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Sustentabilidade para a mobilidade de todos: aumenta o número de usuários de bicicleta em tempos de pandemia

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Juliana Melo (*)

O que um universitário, um economista, uma anestesista veterinária e um profissional em Educação Física têm em comum? Profissionalmente, talvez, poucas coisas, mas quando o assunto é bike esse quarteto formado pela Ananda, Bruno, Amâncio e Chico compartilha de uma paixão sustentável e atualmente muito utilizada. A bike faz parte do dia a dia de cada um deles, que tem à disposição 65 quilômetros de ciclovias em Aracaju para circular com a “magrela”.

Onde não há ciclovias, eles dividem o espaço com os 315.230 carros (por idade) que circulam na capital, segundo dados de junho deste ano, do Departamento Estadual de Trânsito (Detran).  Aracaju é uma cidade pequena com pouco mais de 181 quilômetros quadrados.

Quanto mais veículos nas ruas, maior o estresse devido ao engarrafamento, sem falar no número de poluentes prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Uma das melhores fugas dessa realidade sempre foi a bicicleta que, segundo levantamento da Federação Sergipana de Ciclismo (FSC), teve um aumento de 30% dos usuários devido à pandemia ocasionada pelo novo coronavírus.

“É notório que o número de ciclistas vem aumentando desde o início da pandemia até hoje. Nós não temos números precisos contabilizados, mas pelas nossas observações eu acredito que existiu um aumento de 30% da quantidade que tínhamos anterior à pandemia, que era contabilizada em mais ou menos 5 mil bikes na capital”, disse o presidente da FSC, Jairo Vieira.

“Eu percebo que o número de vendas de bikes está crescendo por conta da atual realidade que estamos vivenciando. Afinal, a utilização delas  é uma maneira de evitar estresse, é uma ótima alternativa de lazer e um bom refúgio para evitar ansiedades e crises em um momento tão delicado que já se perdura por mais de quatros meses”, completou Jairo.

Uma das maiores preocupações do Jairo é em relação à segurança dos ciclistas e dos trabalhadores de entregas que optam pelas bikes. Ele acredita que a malha cicloviária da capital, apesar da reforma que sofreu em 19 quilômetros, no ano passado, apresenta pouca segurança para os usuários gerando transtorno para os mesmos.

“Eu não vejo muita segurança para os ciclistas na capital, infelizmente. As ciclovias não apresentam condições além de faltar iluminação em alguns pontos da capital agregando uma maior quantidade de roubos. A avenida Hermes Fontes passou por uma reforma que beneficiou por um lado, mas excluiu por outro, porque ela não apresenta nenhuma segurança para o ciclista e para o entregador de delivery que utiliza a bicicleta. Então isso é lamentável e são empecilhos para uma locomoção mais saudável”, lastima o presidente da FSC.

Chico e seu primeiro percurso na bike

O professor de Educação Física, Chico Albuquerque, 31, sempre foi ligado às práticas esportivas e no dia 13 de julho adquiriu uma bicicleta para iniciar seus passeios. Empolgado, o esportista já saiu da loja sentado no coxim. Com seu capacete, que possui uma luz vermelha com três distintas variações de movimento, é fácil encontrá-lo pedalando pelas ruas do bairro Luzia. Ele trocou os passeios com o seu carro pelos passeios de bike.

“Dia 15 de julho eu comecei de fato a pedalar e no dia 17 eu resolvi utilizar um aplicativo no meu celular para monitorar o trajeto que eu estava percorrendo e ter uma noção do meu desempenho na bike. Eu gostei muito do resultado, fiquei empolgado e até divulguei nos meus stories e no meu status. Eu acho que isso acaba incentivando outras pessoas também”, afirmou.

De acordo com Chico, “a bike sem dúvida é um ótimo meio de locomoção. Além da sustentabilidade, ela traz diversos benefícios físicos e proporciona lazer. Eu acho que as pessoas precisam respeitar os ciclistas e entender que sobre duas rodas existem muitas pessoas do bem. No momento em que um cidadão está sobre sua bike, seja por lazer ou como meio de transporte, ele está gerando um benefício para si e também para o meio ambiente no qual habitamos” acredita.

Tarefa desafiante

Ter uma mobilidade sustentável é uma tarefa desafiante, mas necessária, pois a partir dela é possível garantir a conservação do sistema de locomoção regido pela lei federal que institui a política nacional de mobilidade urbana por meio da lei de número 12.587/12.

Mais conhecida como lei da mobilidade urbana, ela determina que os municípios com mais de 20 mil habitantes devam possuir planos que venham a garantir a mobilidade da região, visto que, uma cidade que assegura um bom planejamento de condução pode oferecer uma melhor qualidade de vida para os seus habitantes, assim como um bom desenvolvimento econômico para o município.

Você é macanudo?

Ao pé da letra macanudo significa uma pessoa que tem prestígio ou poder, que é de notável inteligência, beleza e força, além de ser uma pessoa admirável. Mas no contexto das bicicletas, macanudo são os clientes dos irmãos Edivan Gonçalves, mais conhecido como Stherel, e Ademário Gonçalves, o Macanudo. Os dois são proprietários da M&S Bikes e afirmam que desde o início da pandemia o número de macanudos (clientes) aumentou.

“Desde o início do período da pandemia nós já vendemos 200 bikes. Se compararmos essa quantidade de meses da quarentena com a mesma quantidade de meses sem a quarentena, obtivemos um lucro de 80 bikes vendidas. Antes nós estávamos vendendo nesse mesmo período   umas 120 bikes”, avalia Ademário.

O número por procura de consertos de bicicletas também aumentou. Anterior à pandemia eram contabilizados diariamente em média 15 atendimentos, enquanto que hoje os macanudos dos irmãos Gonçalves chegam a somar 25 solicitações de consertos por dia no estabelecimento.

Os irmãos já possuem 29 anos no comércio aracajuano,  e com a pandemia trabalham com horário marcado e respeitando as restrições sociais. Dessa forma, os macanudos podem realizar a venda de bicicletas. A anestesista veterinária Ananda Catique, que no mesmo dia do bom desempenho do Chico, adquiriu sua primeira bicicleta na M&S Bikes como uma alternativa de não ficar parada durante a pandemia.

Ananda, comprando a bike na M&S Bikes

“Eu e o meu marido somos de Manaus e temos o costume de correr juntos. Eu também nado e ele, por enquanto, fica só na corrida. Eu estava me preparando para uma meia maratona este ano e acabei fraturando a minha tíbia lá em Manaus. Eu voltei para Aracaju e devido à pandemia eu não pude fazer academia e nem nadar na piscina do prédio . Então fui orientada pelo meu treinador a comprar uma bike para que eu pudesse exercitar meu corpo”, explicou.

Para Ananda, “a bicicleta é um meio de socializar também, porque eu me sentia muito sozinha na cidade, só eu e o meu marido, sem amizade e sem conseguir emprego na capital. A bike foi uma ótima alternativa. Eu e meu esposo pedalamos muito por Aracaju e está sendo maravilhosa a experiência”. Ela questiona sobre como o ciclista muitas vezes é tratado no trânsito e diz que não tem intenção de atrapalhar a mobilidade urbana, mas de se sentir pertencente à mesma.

“Eu não quero incomodar ninguém, mas o pessoal dentro do carro fica bravo porque tem ciclistas nas ruas. É uma coisa que eu observo muito, não só aqui como em Manaus também. Eu cansei de ser chamada de vagabunda em Manaus e de ouvir que eu deveria estar em casa independentemente da pandemia. É  lamentável escutar isso por estar correndo ou andando de bike. Às vezes os carros se jogam mesmo em cima da gente, mas eu gosto muito de andar de bike e não vou parar, pois é bem melhor do que treinar em casa. Sou uma Macanuda com orgulho e, a propósito, fui muito bem recepcionada na loja”,  garantiu  a anestesista veterinária.

Os amantes da magrela de longas datas

Desde criança o economista e diretor executivo da Aracajucard, José Carlos Amâncio, tem o hábito de pedalar. Tudo começou com sua bicicleta infantil, uma paixão que foi crescendo junto com ele. Com o decorrer dos anos surgiu sua nova bike, que passou a ser utilizada para ajudar a mãe buscando algumas coisas no supermercado, mas conforme o tempo ia avançando e as novas responsabilidades iam surgindo na vida do Amâncio, aos poucos ele foi perdendo o vínculo com a sua magrela.

Com 60 anos de idade,  há 15 anos Amâncio retornou a sua amada de infância. Tudo recomeçou aos pouquinhos. Ele ganhou uma bike e a deixou guardada por mais ou menos dois anos até o dia em que resolveu pegá-la. Só  foram precisos apenas dois quilômetros para os bons momentos serem relembrados e o desejo de mais aventuras com o veículo se tornar gritante no coração do botafoguense.

Amâncio, o amante das trilhas

“Eu fui tomando gosto novamente pelo hábito de pedalar assim que eu voltei para minha magrela. À medida em que eu ia aumentando minha velocidade e o meu percurso passei a pensar em um tipo de bicicleta à qual eu melhor me adequasse. Eu aprendi muito com grupos de bike e o que eu mais faço são trilhas, que eu amo. Aqui nós temos um vasto calendário de trilhas que abrange todo o estado. Cito como exemplo, as que existem em  Boquim, Lagarto, Salgado, Itabaianinha, etc. Eu acho bem bacana você acordar em um domingo às 5 horas da manhã, transportar sua bike e partir para os municípios com uma galera bacana para passar um dia extraordinário de lazer, com pedal, lamas, morros, sol, mato e cachoeira”, relata Amâncio.

O amante de bike diz que tem observado durante a pandemia um aumento da venda do veículo, assim como um aumento de usuários nas ruas. Amâncio acredita que Aracaju favoreça o tipo de modalidade.

“Aracaju é uma cidade plana, eu acho que isso favorece as pedaladas. A bike é uma tendência e eu observo, principalmente pelo nosso segmento, que é transporte público, que nós buscaremos uma maneira de estabelecer uma convivência com esse novo modal. A prefeitura está construindo novos terminais e eu acredito que eles terão bicicletários, onde as pessoas poderão, nos percursos mais distantes, fazer uma parte do trajeto na bike e o resto do percurso no ônibus. Eu acho que esse modal integra perfeitamente com o transporte coletivo. Eu acredito que estabelecer esse tipo de relacionamento vai tornar a mobilidade mais legal e harmoniosa, ” opina José Carlos Amâncio.

O estudante universitário de Jornalismo, Bruno de Menezes, 39, pedala desde 2007 e começou sua paixão pela magrela por influência dos amigos e por ser uma alternativa benéfica para o meio ambiente e para a saúde, além de econômica.

“Eu peguei o gosto pelo hábito de pedalar com 26 anos, comecei a ir para o trabalho com ela. Eu resolvi adotá-la como meu meio de transporte porque eu percebi o quanto eu estava economizando meu dinheiro e o quanto a bicicleta é benéfica. Ela não provoca poluição além de ser um ótimo exercício, que na verdade consiste no meu único exercício físico”, disse.

Em virtude da covid-19, Bruno deixou a bicicleta de lado por uns tempos, com medo de pegar a doença, não só por causa dele, mas por causa dos familiares, principalmente, a mãe. “Com o passar do tempo eu venci meus medos e dominei a situação. Eu entendi que a vida continua. No início de junho retornei para ela,  pois eu estava engordando e não estava gostando disso, nem um pouquinho, pois levo muito em conta essas duas vertentes: estética e saúde. Eu amo pedalar, sentir o vento no meu rosto, ver a paisagem, e é muito bom também a independência que ela me proporciona”, explicou o estudante.

Bruno questiona a respeito da utilização das máscaras durante o processo de uso da bike. Ele relata que já ouviu depoimento de pessoas que dizem sentir dificuldades para respirar, porém em sua opinião a máscara não se torna um empecilho para a utilização do veículo.

Bruno de Menezes: pedalando de máscara

“Como eu havia mencionado, eu tinha muito medo do coronavírus, então por baixo da minha máscara de pano eu ainda utilizava um papel toalha dobrado para impedir que eu aspirasse uma eventual partícula da covid, como também para evitar que eu expelisse caso eu estivesse contaminado e não soubesse. Fazendo esse processo eu estava sentindo muita dificuldade para respirar. Então resolvi só utilizar a máscara e com isso eu passei a achar super tranquilo. Eu não sinto dificuldade alguma em relação a minha respiração com a máscara”,  garante Bruno.

Gabriel Oliveira e Guilherme Silva também são amantes de bike. A amizade dos dois começou em um retiro religioso, mas foi sobre duas rodas que os dois jovens puderam partilhar muitas histórias e firmar ainda mais a amizade. Há mais de 2 anos a bicicleta tornou-se a melhor companhia do Gabriel.

“Meu amigo Guilherme, diferente de mim, utiliza a bicicleta para absolutamente quase tudo. Só que atualmente, devido à atual realidade social que estamos enfrentando, eu passei a usar minha bike para me locomover em todas as situações assim como ele. Eu resolvi descartar a opção do transporte público por ficar um pouco receoso em relação à potencialidade da disseminação da covid-19, preferi não arriscar, então eu voltei para minha magrelinha. Aracaju é bem pequena e de bike acaba sendo tudo mais fácil e rápido”, frisa o estudante.

 

Acompanhe no vídeo abaixo um pouco mais da história e dos depoimentos do Guilherme e do Gabriel. O vídeo foi produzido quatro meses antes da pandemia.

Sustentabilidade nos coletivos

Além das bicicletas, outra alternativa que garante a sustentabilidade no processo de locomoção são as faixas exclusivas para os ônibus que a capital disponibiliza. Elas promovem agilidade na condução do percurso da viagem e encerra a disputa entre os carros e o transporte coletivo. O ônibus tem capacidade de transportar mais de 70% da população diariamente e ocupa menos de 30% do espaço das vias. Já os carros é o inverso: eles ocupam 70% das vias e transportam menos de 30% da população.

Com as faixas exclusivas, os ônibus ganham 40% de agilidade. Thiago Costa é motorista de ônibus há sete anos e meio e relata o quanto essas faixas ajudam na sustentabilidade e na fluidez da mobilidade na capital.

Thiago: “faixas exclusivas trazem benefícios”

“Essas faixas exclusivas trazem muitos benefícios. Eu ganho de 20 a 25 minutos no meu trajeto. As faixas evitam engarrafamento, trazendo, além de comodidade para o motorista e os passageiros, uma sustentabilidade na mobilidade de Aracaju porque o diesel acaba poluindo muito mais do que o álcool e a gasolina. Quanto menos tempo nós ficamos parados mais benefícios são gerados para o meio ambiente,” relata o motorista.

Algumas das faixas exclusivas para ônibus na capital estão localizadas no Porto Dantas, no bairro Industrial, nas avenidas Rio Branco, (conhecida como Rua da Frente), Beira Mar e Tancredo Neves e na Rua Capela.

Atualmente Thiago trabalha nas linhas Fernando Collor Dia (002) e Bugio/Centro (615) e relata que observa muitos carros particulares não respeitando a exclusividade das faixas gerando problemas no transcorrer da viagem.

“Os carros pequenos não respeitam a faixa, eu sempre observo isso. São muito mal educados. A exclusividade que as faixas proporcionam é um ganho para a fluidez da mobilidade e precisa ser respeitada. Às vezes as pessoas veem os ônibus e querem colocar por cima. Eu acredito que a prefeitura irá colocar mais faixas exclusivas, assim como ampliou a avenida Augusto Franco, mais conhecida como Rio de Janeiro, onde as ciclovias também foram levadas em consideração”, revela Thiago.

Em dezembro de 2019 a prefeitura de Aracaju iniciou o projeto de recapeamento da  avenida Hermes Fontes para ampliar a avenida com a retirada das árvores localizadas no centro da pista,  pois as raízes estavam crescendo horizontalmente e provocando um dano na calçada do local. O objetivo da obra é construir uma faixa exclusiva para os ônibus no centro da avenida onde ficavam localizadas as árvores. Novas árvores nas imediações substituirão as que foram retiradas. A obra ainda está em andamento.

Avenida Hermes Fontes

 

 

 

(*) Estagiária sob supervisão do jornalista Antônio Carlos Garcia

 

 

 

 

 

 

 

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