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Tarifas de Trump: quando a política ignora a economia

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Por  Jorge Santana (*)

 

Já não é novidade para ninguém que o retorno da extrema-direita ao poder em vários países, no alvorecer deste novo milênio, tem causado danos quase irreparáveis para a humanidade. São imensos os retrocessos sociais, acompanhados de fantasias conspiratórias, negacionismos científicos, guerra cultural e o combate sem tréguas a políticas de diversidade e inclusão duramente conquistadas.

Em projetos políticos como os da Hungria e, mais recentemente, dos Estados Unidos, o que se vê — diante da inquietante apatia das instituições e do preocupante grau de dissonância cognitiva de boa parte do eleitorado — é que, num segundo mandato presidencial, a corrosão da democracia atinge o seu auge. Aliás, no Brasil, o trágico experimento da extrema-direita, mesmo limitado a um único mandato, já foi suficiente para deixar um rastro profundo de destruição, culminando numa tentativa de golpe de Estado, contida apenas pela firmeza institucional, com o Supremo Tribunal Federal à frente da defesa da ordem democrática.

Mas vamos ao objeto deste artigo: analisar a tese segundo a qual o comércio exterior, nas últimas décadas, teria beneficiado desproporcionalmente outros países em detrimento dos Estados Unidos, justificando a imposição de tarifas como medida corretiva.

Contrariamente a essa perspectiva, sabemos que os Estados Unidos foram um dos principais beneficiários da globalização econômica, quando setores de alta performance, como tecnologia, serviços financeiros, entretenimento e o farmacêutico, expandiram sua influência globalmente. O sucesso das big techs (Apple, Microsoft, Google, Amazon), com seus lucros substanciais em mercados internacionais abertos, é um exemplo emblemático desse cenário.

A administração Trump e seus aliados frequentemente utilizam o argumento do déficit comercial para fundamentar a implementação de tarifas. No entanto, um princípio fundamental da macroeconomia ensina que um déficit comercial não implica necessariamente uma perda financeira para o país. Historicamente, os Estados Unidos têm apresentado um déficit comercial mais consistente do que um superávit, um fenômeno que é geralmente compensado por um superávit na conta de capital, refletindo o influxo de investimento estrangeiro.

Investidores globais adquirem ações, títulos do Tesouro e imóveis americanos, gerando um fluxo de capital que contribui para a valorização do dólar e financia o consumo interno. Economistas, como o laureado com o Nobel, Paul Krugman, reforçam essa perspectiva ao defender que obcecar-se com o déficit comercial é um erro conceitual básico. Um déficit comercial simplesmente significa que os americanos estão comprando mais do que vendendo, e isso é viabilizado por capital que entra no país.

A imposição de tarifas, na prática, tende a funcionar como um imposto indireto sobre o consumidor americano, uma vez que as empresas frequentemente repassam esses custos aos preços dos produtos. Adicionalmente, as tarifas podem impactar negativamente setores importantes da economia americana, como a agricultura e a indústria, que dependem de exportações para mercados como a China e a Europa, assim como o setor de alta tecnologia, que se beneficia de importações chinesas para suas cadeias de produção.

A estratégia tarifária também parece negligenciar a importância das alianças estratégicas e da geopolítica, elementos que historicamente serviram como instrumentos de soft power para os Estados Unidos. As cadeias globais de suprimento fortaleceram a influência americana em mercados cruciais, e acordos comerciais, como o NAFTA (agora USMCA), consolidaram a posição de liderança dos Estados Unidos na América do Norte.

Em conclusão, sob uma perspectiva econômica, a imposição de tarifas representa uma medida com fundamentos questionáveis, cuja principal motivação parece residir em uma decisão política e simbólica. Essa abordagem, representativa das correntes políticas de extrema-direita, apresenta o potencial de gerar impactos significativos no equilíbrio econômico global.

 

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Jorge Santana

 Jorge Santana é ativista pró-democracia.

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