Por Luciano Correia (*)
A televisão está perdendo relevância numa velocidade maior do que esperávamos com a ascensão das redes sociais. Uma amostra empírica, mas verdadeira: das novas gerações, poucos veem novelas, por exemplo. Com o jornalismo, matéria-prima elementar desse grande meio que dominou as comunicações do mundo desde os anos 50 do século passado, não é diferente. Até porque a grande maioria consome suas informações sem preocupação ou rigor pelas várias redes, sobretudo o WhatsApp. É evidente que muitos estão comprando gato por lebre, mas é notório também que só a Internet permitiu quebrar a panelinha dos grandes tubarões da mídia mundial.
Mas a facilidade de acesso a um tudo de conteúdos culturais e o poder de cada um em criar seu próprio canal torna a TV um personagem do passado, em franco declínio. E, com ela, o espetáculo também perde seu brilho. Um dos últimos grandes astros desse show que jamais poderia parar morreu ontem, aos 80 anos. Ney Latorraca era um gigante dos palcos e das telas, espaços que dominou com maestria e charme, tornando, com seu desaparecimento, a festa ainda mais pobre. E triste.
Vi novelas entre a infância e adolescência, no auge da Rede Tupi e depois da Globo. Mesmo assim, via capítulos alternados, com minha audiência disputada por um outro programa muito mais interessante: a vida nas ruas, entre o futebol nos campinhos de areia, banhos em rios e açudes e visita aos pomares alheios. Mas nunca esqueci de Estúpido Cupido, a última telenovela da Globo em preto e branco. Era uma romântica homenagem aos anos 60, do rock’n’roll, do twist e de uma juventude rebelde e sem causa nenhuma além dos namoricos e bailinhos de garagem. Ney interpretava o lambreteiro Mederix, um misto de galã e líder de banda, um latin lover irresistível que fazia par com a bela Françoise Forton.
Na trama de Mário Prata, os valores da contracultura e da mudança de comportamento eram o pano de fundo de uma produção que, me permitam os contemporâneos, põe no chinelo essas bobagens que hoje infestam as novelas e, por isso mesmo, deixaram de interessar a uma juventude ocupada com outras coisas. Mederix, o charmoso Mederix de Latorraca, foi um ícone que me acompanhou para sempre. Nunca mais olhei para esse grande da dramaturgia brasileira sem lembrar de seu personagem em Estúpido Cupido. De tal maneira que jamais voltei a ver Ney atuando, salvo em flashes ligeiros. E também nunca mais vi novelas. Minha última foi Dancin’ Days , de Gilberto Braga, quando este ainda não tinha sucumbido ao próprio brilho. Foi vítima desse mal tão comum na TV: ofuscou-se de tanto olhar para o espelho.
Ney Latorraca foi embora e levou consigo mais um grosso pedaço do grande espetáculo que fez da televisão brasileira uma indústria cultural rica, poderosa e controversa, mas relevante. Seu desaparecimento mergulha a TV ainda mais numa decadência com a qual seus donos e dirigentes não conseguem lidar.
No mesmo dia de ontem, nos deixou o radialista Dantas Mendes. Poucos dos atuais ouvintes de rádio sabem quem era esse rapaz. O rádio também vive seu ocaso e o rádio sergipano, mergulhado em traficâncias despudoradas com o poder público, ainda mais. Dantas vinha de uma linhagem dos antigos Disc-Jóqueis da faixa AM, âncoras de programas quase que totalmente musicais que dominavam manhãs, tardes e noites. Tinha uma voz grave, sonora e um estilo contido, sempre simpático e gentil com seu público. Já foi importante nas grades de programação como as da Atalaia, Liberdade, Difusora e Jornal, todas AM, todas também sepultadas na memória do que um dia foi o grande rádio sergipano.
Atualmente fazia um programa na Aperipê, onde fui seu chefe por quatro anos. Nunca deu trabalho. Pelo contrário. Nos últimos anos também atuava como anunciante ao vivo de promoções em supermercados, forma de complementar a renda de uma profissão lamentavelmente desvalorizada. De vez em quando eu cruzava com ele num desses super e ele, microfone em punho, bradava com sua voz potente: “Olha quem está aqui, Luciano Correia, colega jornalista” e tarará tarará para o supermercado inteiro ouvir. Era um encanto o querido Dantas. Que fique registrado na memória do nosso rádio.
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