Era uma sexta-feira de um distante ano da década de 90, ainda no século passado. Como fazia comumente, no final da tarde, após o horário do trabalho, passei para visitar um amigo. Empresário, dono de um centro comercial, na área nobre da cidade. Sempre me recebia no escritório, para um café, regado a boas conversas e muitas gaitadas. O escritório ficava na parte superior do pequeno shopping. Mas, desta vez ele estava embaixo, escorado na parede, com uma das pernas dobrada. Fumante compulsivo, acendia um cigarro no outro.
Ao vê-lo naquela posição, perguntei: que fazes aqui?
– Cara, hoje o dia foi pesado, só cobranças e problemas. Estou encostado na parede com medo que alguém mais queira comer meu c*. Ninguém veio aqui querendo trocar c*, todo mundo querendo meter no meu. E o pior, sem nem um beijinho.
Ri muito de meu amigo, que era por demais engraçado. Até dos chifres que levou das muitas mulheres que teve, fazia galhofa. Tudo era motivo de troça. Morreu de enfisema pulmonar, causado pelo excesso de tabaco. Deixou saudades.
Nesta primeira semana de agosto, lembrei de meu amigo, com a perna dobrada, encostado na parede, com receio de se ferrar.
Meu dia começou com o azedume de minha companheira, cobrando coisas que os dois podem e devem fazer, mas ela acha que cabe somente a mim. Ainda no café da manhã, a ladainha era “tens que fazer isso, fazer aquilo, está lembrado?”, e continuou, “tens que comprar isso, aquilo e aquilo outro”. Acho incrível quando alguém me olha como banco. Tenho vontade de perguntar, “Tenho letreiro na testa escrito Banco?” Só pode.
Estou reformando um pequeno imóvel, que fica no outro extremo da cidade. Fazer reforma é algo desgastante. Termino o café, arrumo a mochila, desço de elevador; na garagem pego o carro e rumo para o imóvel. O operário me espera, com uma lista extensa de material, parte deles necessários para as obras. Outra parte desnecessária, será desperdiçada, virará entulho.
A construção civil é o segmento da economia que tem mais desperdício, onerando orçamentos, gerando entulho, sobrecarregando o meio ambiente. Não adianta falar com mestre de obras, pedreiros ou serventes, eles não entendem. Há a cultura do desperdício, sempre tem perdas.
Na viagem de retorno, o celular toca. Atendo. É um conhecido pedindo dinheiro emprestado. Digo que estou no trânsito, dirigindo, desligo. Acho que ele pensou que era apenas uma desculpa. Pelo menos serviu para diminuir a urgência do pedido. Volto a dizer, como tem gente que me vê como banco.
Um amigo me disse que os filhos adolescentes, quando querem dinheiro vão aos caixas eletrônicos, enfiam o cartão, e a máquina cospe as cédulas de real. Ao que ele diz para os filhos: “Vocês acham que aquele dinheiro que sai da máquina é mágica? Não é não, foi o besta aqui que ralou, ganhou e depositou no banco”. Os filhos fazem ouvido de mercador, continuam gastando como se não houvesse amanhã.
Paro o carro próximo de uma farmácia. Desço, não identifico nenhum flanelinha, os fiscais de rua. Na volta, ao abrir a porta do carro, surge um jovem dizendo:
-Dr. estava olhando seu carro, está tudo direitinho.
-Obrigado, você gostou do que viu? Nem assunto mais. Ele não responde. Entro, ligo o carro e saio. Como nossas cidades estão cheias de “donos de rua”.
Começo do mês, os boletos não param de chegar: via e-mail, impressos, por WhatsApp, por telepatia.
Se você, caro leitor, amiga leitora, acha que ninguém liga para você, experimente deixar de pagar um boleto, o telefone não para. Para quem acha que o capeta não existe, experimente dever, que ele aparece em sua frente. Sorridente e com tridente.
Com o mês de agosto apenas começando, tenho que fazer como meu amigo, encostar as costas na parede, e esperar que as coisas melhorem. Afinal de contas não vim ao mundo só para pagar boletos e morrer.
Acredito que se o fruto proibido fosse jiló, Adão e Eva não tinham comido, estávamos no paraíso até hoje, sem esses perrengues todos. Agora é pagar boletos e administrar problemas.
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(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, viajante, cronista, autor do livro “Das muletas fiz asas”. Um pouco de tudo, menos aposentado.
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