“A filosofia da Polícia Comunitária apregoa prevenção. Ou seja, a aproximação da segurança pública da comunidade para que juntos possam identificar, priorizar e solucionar problemas”, afirmou o tenente-coronel Jaílson, que assumiu a coordenação exatamente no dia 7 de julho. Em pouco mais de um mês, ele já visitou batalhões na região metropolitana de Aracaju, está visitando os Postos de Atendimento ao Cidadão (PACs), conversando com os conselheiros tutelares, enfim, envolvendo toda a comunidade na retomada deste projeto. Está nos seus planos, também, fazer um seminário, ainda este mês, sobre Polícia Comunitária.
Estudioso em segurança pública, o oficial já esteve na Polícia Comunitária, lá nos seus primórdios, e cita o primeiro-ministro do Reino Unido, Robert Peel, que em 1829, falava que “o público é a polícia e a polícia é o público”. E falava com propriedade, pois ajudou a criar o conceito moderno da força policial do Reino Unido.O oficial defende que os policiais militares devem ser defensores dos Direitos Humanos. “É importante institucionalizar essa filosofia para todos os policiais militares para que não existam policiais comunitários e não comunitários”, afirma o tenente-coronel.
Ele vai mais longe. Assegura que “a comunidade será os olhos e ouvidos dos policiais na segurança, fazendo denúncia, seja no 181, 180, 190, seja no WhatsApp, que é uma ferramenta interessante”.
Em 2010, o tenente-coronel Jailson fez o curso de Polícia Comunitária e disse que ficou encantado. Aprofundou os estudos e fez pós-graduação sobre Segurança Pública, na Universidade Federal de Sergipe (UFS), na Renaesp (Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública), do Ministério da Justiça.Esta semana, o tenente-coronel Jailson conversou com o Só Sergipe na sede do Grande Oriente do Brasil, instituição que reúne lojas maçônicas do Estado.
Confira a entrevista.
SÓ SERGIPE – Qual a filosofia da Polícia Comunitária?
TENENTE CORONEL JAILSON – A Polícia Comunitária é uma filosofia com estratégia organizacional. É uma nova maneira de enxergar a segurança pública. Ela foi praticada, inicialmente, na década de 20, na Escócia, só que na década de 70 com o Fordismo, com a chegada dos veículos Ford, as polícias implementaram os carros em suas tropas. Ou seja, colocaram os policiais dentro dos veículos aguardando que a ocorrência acontecesse para depois tomar as providências. Aí já era tarde, é repressivo.
A filosofia da Polícia Comunitária apregoa prevenção. Ou seja, a aproximação da segurança pública da comunidade para que juntos possam identificar, priorizar e solucionar problemas. E que problemas são esses? Desordens físicas e morais, drogas, medo do crime, enfim, a decadência do bairro. Vamos diagnosticar esses problemas para resolvermos.
SÓ SERGIPE – A Polícia Comunitária já existiu por aqui?
TENENTE CORONEL JAILSON – Em 1996, o então comandante geral da PM, coronel Pedro Paulo, juntamente com o frei Raimundo e o então governador Albano Franco, trouxeram essa filosofia que ocorria em outros Estados e trouxeram para Sergipe. Tivemos dois problemas graves no decorrer desse processo: a descontinuidade e a não institucionalização. É importante institucionalizar essa filosofia para todos os policiais militares para que não existem policiais comunitários e não comunitários. Todos são comunitários, todos devem respeitar Direitos Humanos, direitos fundamentais. É isso que queremos incutir em nosso público interno. Uma polícia cidadã, ordeira, mas também enérgica quando tiver de ser. Podemos ser as duas coisas.
Dá para fazer repressão qualificada. O coronel Ribeiro quer retomar ações preventivas para Sergipe.
SÓ SERGIPE – A Polícia Comunitária está sendo retomada agora?
TENENTE CORONEL JAILSON – Sim, por determinação do coronel Ribeiro. Ele quer trazer nos moldes técnicos corretos. Somos seres sociais. Mas vestindo a farda da Polícia Militar temos que ser técnicos. Não podemos trazer política partidária para a segurança pública. Muita cautela com isso.
SÓ SERGIPE – Quantos policiais estão sob sua responsabilidade?
TENENTE CORONEL JAILSON – Diretamente, tenho apenas dois policiais militares. O sargento Silva, que é o meu motorista, e o sargento Thierry, da parte administrativa. Mas essa coordenação visa gerir todo o Estado de Sergipe no aspecto da prevenção, incutindo em nossos policiais uma nova visão. Para isso, nós vamos ter que retomar capacitações, aqueles cursos multiplicadores de Polícia Comunitária.
O trabalho inicial que vamos fazer é visitar os PACS (Posto de Atendimento ao Cidadão), para ver as condições mínimas de estrutura, alocação, para saber como os policiais estão nestes locais. O outro passo será a capacitação interna dos policiais e depois externa com os conselheiros comunitários. E aí, os conselheiros e policiais trabalharão para melhorar a qualidade de vida da comunidade.
SÓ SERGIPE – Em Aracaju são quantos PACs? O senhor já tem esse levantamento?
TENENTE CORONEL JAILSON – De algumas gestões passadas para cá, a Polícia Militar fechou alguns PACs, por carência de efetivo. Agora, com o atual comandante geral da PM, coronel Ribeiro, a quem quero agradecer pela oportunidade, está muito preocupado, quer, realmente, reformar todos os PACs aqui em Sergipe e colocou no planejamento estratégico dele a filosofia de Polícia Comunitária. Estamos catalogando quantos PACs nós temos. Muitos foram fechados e existem alguns remanescentes.
Precisamos fazer uma nova roupagem dessa modalidade, dessa filosofia.
SÓ SERGIPE – Com se dará a capacitação dos policiais a esta filosofia de Polícia Comunitária? Acredito que o policial militar deva ser conhecido na comunidade, as pessoas devem chamá-lo pelo nome e estabelecer uma relação de confiança mútua.
TENENTE CORONEL JAILSON – Você tocou num ponto interessante. Para trabalhar com essa filosofia, tem que ter perfil. Tem que ser um policial que goste de comunidade, de crianças, que goste de pessoas idosas e aquelas em vulnerabilidade social. Tem que escolher bem esses perfis. O Roberto Peel, em 1829, já falava que “o público é a polícia e a polícia é o público”.
Está correto quando você diz que o policial tem que conhecer a comunidade e vice-versa. O sociólogo Luiz Eduardo Soares, estudioso em segurança pública, fala que se não houver vínculo de confiança entre os policiais e a comunidade, não há como se falar em segurança. Esse estreitamento de laços, a aproximação dos policiais com a comunidade vai propiciar melhoria na qualidade de vida naquela região.
SÓ SERGIPE – Ainda falando sobre capacitação dos policiais, questiono se há atendimento psicológico para eles?
TENENTE CORONEL JAILSON – O coronel Ribeiro está tratando da saúde mental dos policiais militares implementando o Pró Vida. O policial tem que estar bem e dentro do modelo de gestão de pessoas temos que focar no ser humano que porta uma arma. Tem que abordar com qualidade, sem exorbitar de suas ações, sem agredir as pessoas. Tem que ser policial preparado, com respeito aos Direitos Humanos. Se somos o menor Estado da Federação, por que termos os maiores índices de violência, de homicídio? É inconcebível.
Queremos pautar dentro da política estadual de segurança pública, junto com a nacional, com todo esse contexto, trazer a filosofia e fazer passo a passo. É uma filosofia que não é imediatista, mas de médio a longo prazo. Tem que ter cautela, serenidade para que as coisas transcorram bem.
SÓ SERGIPE – E como será o trabalho com os centros comunitários, conselhos de bairros etc.?
TENENTE CORONEL JAILSON – Em 2006 ou 2007, foi criada a Federação dos Conselhos de Segurança, cujo presidente é o senhor Ailton Figueiroa, e perguntei a ele quantos conselhos temos em Sergipe. Temos cadastrados 80 conselhos, mas ativados, somente, 50. Então, veja a importância de mobilizarmos a comunidade para que, juntos, trabalhemos o fenômeno da violência e criminalidade.
Pedi para o Ailton um tempo. Primeiro, vou cuidar do público interno, visitando os PACs, saber como está a saúde mental do nosso policial, saber como está a questão do armamento. Hoje temos apenas dois policiais nos PACs e temos que incluir um armamento menos letal.
Alguns integrantes da população perdem o tino e avançam contra os policiais e é terrível isso. Existe um elastômero de borracha, tem o gás. Vamos reunir os técnicos e ver o que pode mais se coadunar para trabalhar com a comunidade.
SÓ SERGIPE – E depende de qual comunidade também…
TENENTE CORONEL JAILSON – Isso. A comunidade tem que se reunir e ver a associação, uma conversa, uma harmonia entre ela e os policiais, para que, juntos, possamos melhorar as posições nos indicadores de violência em Sergipe.
SÓ SERGIPE – Vemos muito em algumas pessoas uma certa distância e até ojeriza da polícia. Mas na hora do sufoco, elas chamam por Deus e pela polícia. Está na sua ordem do dia mudar, ou tentar mudar, essa mentalidade, para que as pessoas se sintam seguras com a presença da polícia, ao invés de preocupadas, intimidadas?
TENENTE CORONEL JAILSON – A doutrina de Polícia Comunitária traz diferenças do modelo tradicional. No tradicional, é o modelo repressivo, de apreensão de drogas, armas, de prender infrator. Tudo bem. Isso já fazemos com excelência. Mas nós não estamos cuidando da prevenção, que é fazer com que o crime não aconteça. Essa é a nossa razão de existir.
Essa ojeriza que você fala vem da Ditadura Militar, de 1964 a 1985. Como a comunidade enxerga os policiais? Isso ainda está no ideário coletivo da população. Existia um afastamento. Tratava-se segurança público no coturno, nas armas, na agressão e isso não era salutar. Temos que ter energia, vigor para fazermos esse enfrentamento do fenômeno de violência e criminalidade, mas, também, tem que ter flexibilidade com muitos casos. O policial tem que se agachar para cumprimentar uma criança, sorrir para as pessoas. Tirar o poder. Isso é autoridade. Temos que escolher perfil, formá-lo bem e que ele tenha equilíbrio para lidar com as mazelas sociais, com os dissabores.
Temos hoje um problema gritante em Sergipe que é a perturbação do sossego. Uma ocorrência que tira a paz das pessoas e a gente ainda não consegue solucionar. É um problema repetitivo e torna-se enfadonho para o policial. Está mais do que na hora de sentarmos com outros atores sociais e resolvermos esse problema que inquieta e tira a paz.
SÓ SERGIPE – O senhor visitou o interior do Estado como coordenador de Polícia Comunitária?
TENENTE CORONEL JAILSON – Não. Inicialmente fizemos a grande capital. Visitamos o 1º Batalhão, 5º Batalhão, 8º Batalhão, a 1ª CPM, em São Cristóvão, 2ª CPM, e 3ª CPM. Para você ter uma ideia, a 3ª CPM cobre cinco cidades: Laranjeiras, Riachuelo, Santo Amaro, Divina Pastora, Maruim. Lá tem Centro Integrado de Segurança Pública (Cisp) da Polícia Civil. Visitamos as promotorias, depois o delegado de Riachuelo, João Martins. É muito importante manter essa integração. Estamos finalizando a Grande Aracaju e depois visitaremos o interior. São 75 municípios.
SÓ SERGIPE – A polícia não pode agir sozinha. O senhor vai buscar o apoio das prefeituras para ações sociais nas comunidades, melhorando a vida dos moradores?
TENENTE CORONEL JAILSON – Perfeito. Dentro da doutrina da Polícia Comunitária há a comunidade de negócios. Temos que fazer essa interface com todos os atores, que são as secretarias de ação social, Câmaras de Vereadores. Temos que nos engajar e trazer outros atores sociais. Os policiais sozinhos não podem prover segurança pública. O artigo 144 da Constituição, sabido por todos nós, diz que “segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. Então a comunidade será os olhos e ouvidos dos policiais na segurança, fazendo denúncia, seja no 181, 180, 190, seja no WhatsApp, que é uma ferramenta interessante. É importante ter conexão entre comunidade e órgãos de segurança pública.
SÓ SERGIPE – Mas o senhor, enquanto coordenador, terá diálogos com a prefeitura de Aracaju e as demais?
TENENTE CORONEL JAILSON – Sim. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) traça as diretrizes, dentre elas o da Polícia Comunitária. Tem que haver essa integração entre municípios, Estados e União em todas as áreas. Ricardo Balesteri, quando foi secretário nacional de segurança pública, falava que não tem como fomentar uma política de segurança se não reconhecer o caráter de educador e psicopedagogo do policial. Este profissional é uma referência para a sociedade. As crianças gostam de abraçar os policiais, gostam do uniforme. Lembra dos filmes americanos, as crianças querendo ser policiais? Isso está no ideário e o policial é uma referência para a comunidade. Ele tem que estar integrado e junto com o Conselho de Segurança identificar problemas e pautar para outros atores sociais. Colocar todos para trabalharem juntos e enxergarem a segurança pública de forma holística, não só os crimes. Ninguém nasce infrator. Temos que tratar bem as famílias, os jovens. Se cuidarmos melhor das pessoas, teremos cidadãos e cidadãs em condições de serem construtores sociais para termos uma sociedade ordeira e que reduza os dissabores.
Não tem como extinguir os problemas, os crimes. Onde há educação e qualidade de vida, os problemas são menores. Onde há má educação, onde a população não tem o que comer, é gritante. Temos que promover qualidade de vida envolvendo todos os setores.